“O Estado tem de dar um exemplo e é importante que avance rapidamente, ter uma estratégia para toda a Administração Pública de avaliação dos riscos psicossociais e planos de prevenção. Isto é um exemplo cultural e político que o Estado deve dar. Há que ter a coragem – que até agora não houve por parte do Governo – de assumir antes que venhamos a ter a perceção pública de problemas extremados graves”, afirmou Francisco Miranda Rodrigues, em declarações à Lusa.

No relatório da Ordem dos Psicólogos Portugueses, publicado hoje, acerca do “custo do 'stress' e dos problemas de saúde psicológica no trabalho, em Portugal”, com base em vários estudos, é estimado que esses problemas tenham custado 3,2 mil milhões de euros às empresas portuguesas.

“Durante o ano 2019, [houve um custo de] 3,2 mil milhões de euros e estamos só a referir custos diretos. Os custos que derivam do absentismo e presentismo – estar no local de trabalho sem ter capacidade produtiva normal –, só com essas duas dimensões estamos a falar destes valores. Se tivéssemos em conta os custos depois no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o que as famílias têm de suportar quando recorrem a apoios para a saúde mental, teríamos a falar de um numero bastante maior”, explicou Francisco Miranda Rodrigues.

Estes dados não têm em conta com “o setor público e social” e, portanto, refere-se apenas ao “setor privado”, no qual é “possível intervir com sucesso e prevenir uma boa parte destas situações e reduzir custos, em cerca de 30%, com os investimentos de prevenção” e que podem também gerar retornos financeiros.

“Quando os gestores olham para esta área a pensar nos custos, na verdade os custos já existem hoje e são estes sem se fazer nada. Depois, os custos podem ser reduzidos, porque o que os estudos dizem sobre a rentabilidade destes planos de intervenção é que por cada euro investido há um retorno de nove euros”, disse.

O psicólogo denunciou ainda o “varrer para debaixo do tapete o que acontece nas empresas” a nível de problemas psicológicos, tendo em conta que o investimento na área tem “toda a racionalidade económico-financeira”, e apelou a uma “ação estratégica mais racional” para perceber onde estão as principais causas, avaliá-las e “construir planos de intervenção”.

“Pouco mais de 10% das empresas fazem alguma coisa relacionada com a área e muitas vezes apostam-se em iniciativas que são panaceias a curto prazo. Intervenções que colocam a responsabilidade na dimensão individual e tem alguns benefícios, mas não resolve estruturalmente e não previne com a mesma abrangência de medidas que têm a ver com a forma com que se organiza o trabalho ou com práticas de gestão”, referiu.

Miranda Rodrigues declarou ainda que o relatório tenta “pôr a nu e dar visibilidade a uma realidade desconhecida” de um “duplo estigma”, as pessoas que se escondem quando começam a ter problemas por receio da forma como são vistos e o estigma da própria “organização que quer esconder os problemas que tem, porque acham que dá má imagem do mercado e preferem não avaliar os riscos”.

Para combater esses estigmas, o bastonário disse ser necessário “igualizar a situação” em relação a alguns países europeus e “ter alguma regulamentação na área dos riscos psicossociais”, nomeadamente “tornar obrigatório os planos de prevenção nas empresas”, face à “avaliação de riscos psicossociais”.

“Temos um tecido empresarial em que 90% são micro, pequenas e médias empresas e isto não se faz na esmagadora maioria delas ao colocar mais técnicos nos quadros, porque há algumas que não têm dimensão para isso. Mas podem, através de serviços externos, e se existir um programa estratégico do país – aproveitando fundos comunitários – para se estimular e isto passe a ser norma nas organizações portuguesas. Com isto, estaremos a fazer um investimento altamente rentável e que vai tornar as empresas mais competitivas”, detalhou.

Como tal, acredita que o Estado “pode estimular e criar instrumentos” que permitam às empresas ter recursos necessários para “apostarem e verem a rentabilidade deste tipo de intervenções” e a partir daí já não ser necessário investimento estatal, já que Portugal tem “profissionais em regime de consultoria que realizam este tipo de trabalhos”, especialistas na área de saúde ocupacional.

Miranda Rodrigues apontou ainda que é necessário mudar o tipo de ação nas empresas, até agora “centrada na felicidade a curto prazo” e que “é mais ‘marketing’ interno e externo enquanto imagem de responsabilidade social das empresas” do que “uma ação sustentável que permita conhecer os problemas” dentro das mesmas.

“É [necessário] passarmos desta ideia de que basta fazer algumas iniciativas, como permitir aos trabalhadores frequentaram ginásios, que são positivas, mas que não permitem trabalhar o bem-estar a médio e longo prazo. Para isso temos de conhecer o que pode estar na origem em termos de riscos psicossociais e depois então a construção de planos à medida. Deveria ser uma estratégia deste género adotada em Portugal”, indicou.

Nesse sentido, foi proposto ao primeiro-ministro, António Costa, que assumisse uma agenda de prevenção e desenvolvimento em matéria de saúde mental, "de forma explicíta enquanto mensagem para o país e os 'stakeholders'.

"Isso continua fora do ênfase que é dado em termos de prioridade estratégica do país, quando, na prática, é a ação de cada um e as ações coletivas das equipas, grupos e comunidades que fazem a diferença entre os países e organizações. Portanto, trabalhemos isso, isto não é uma ciência do oculto. Psicologia é uma ciência que estuda o comportamento e os processos mentais e existe evidência científica. Apliquemo-la e Portugal teria condições para aproveitar mais e melhor tendo em conta o contexto", apelou.