“Estas são as três grandes áreas discutidas como as mais quentes para, a curto e médio prazo, poderem resultar em intervenções com benefício direto para a qualidade de vida do idoso”, disse Rodrigo Cunha, coordenador científico do Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento (MIA Portugal), um consórcio internacional liderado pela Universidade de Coimbra (UC).
A cidade de Coimbra recebe, de segunda a sexta-feira, um encontro científico, promovido pelo MIA Portugal, que reúne alguns dos maiores especialistas mundiais em terapias para contrariar o envelhecimento humano.
Rodrigo Cunha, frisou ser “cada vez mais consensual” entre os cientistas que “existem bases biológicas características do processo de envelhecimento e estas são transversais a várias espécies”.
Ou seja, à medida que se envelhece, as células começam a ficar menos capazes de se adaptar às modificações que o meio ambiente impõe, levando, por exemplo, “ao aumento de processos de multiplicação, por um lado, e incapacidade de manter as suas características, aquilo que, em geral, se chama de cancro”, observou.
Esta área de pesquisa permitiu que os cientistas identificassem células, chamadas de senescentes, “que aparecem em fases mais adiantadas da vida”.
“Têm, tudo nos leva a crer, nesta altura, e as certezas em ciência têm de ser sempre vistas de uma maneira relativa, uma maneira de proteger o aparecimento do cancro”, enfatizou o especialista em Bioquímica Clínica do Centro de Neurociências e Biologia Celular da UC.
No entanto, continuou Rodrigo Cunha, apesar de poderem permitir a proteção contra o cancro, as células senescentes “acabam por ter algo que promove o processo de envelhecimento”.
“Tornam-se um fardo, deixam de fazer aquilo que devem, deixamos de ter pessoas na fábrica a trabalhar para ter ‘polícias’, a fábrica não funciona porque os ‘polícias’ só vigiam. E por outro lado, estas células têm, ainda por cima, a característica de libertar sinais do tipo inflamatório, aumentam a inflamação, para diminuir a incidência de cancro”, sublinhou.
Há um anos, a ciência descobriu que se estas células senescentes fossem eliminadas, embora com o risco de aumentar a incidência de problemas oncológicos, isso resultaria numa “melhor qualidade de funcionamento do organismo como um todo e de vários órgãos”.
É aqui que aparece “um grupo novo de fármacos, que está em desenvolvimento, em áreas de grande novidade que não existiam antigamente”: os fármacos senolíticos, que matam as células senescentes, e os senostáticos, “que dizem a estas células para pararem tudo aquilo que estão a fazer”.
“Isto são fármacos novos. Conseguimos, pela primeira vez, vislumbrar estratégias que já mostraram ser efetivas em vários modelos animais e que estudos clínicos confirmam ser efetivas no homem, ao eliminar estas células que naturalmente aparecem. Não há ainda muitos estudos, estamos a falar de uma área em que tudo o que está a acontecer ainda é a ponta do icebergue”, declarou Rodrigo Cunha.
Os novos fármacos possuem características profiláticas, mas também terapêuticas: têm a capacidade, em indivíduos de idade tardia, mas ainda não velhos, de os manter com uma qualidade de vida superior durante mais tempo. E nos indivíduos que já apresentam características de deterioração funcional característica do envelhecimento, recuperam a sua função”, indicou.
Já a área das células estaminais — “células multipotentes, ou seja, células indiferenciadas, que podem vir a adquirir programas que lhes permitem transformar-se em vários tipos de células no corpo” — é, para Rodrigo Cunha, “ainda uma esperança” ou, enquanto terapia efetiva no envelhecimento, “um sonho que já se vê no horizonte poder vir a ser realizado”.
“É claramente uma enorme esperança, mas vai ganhando consistência à medida que é explorada. Ainda não sabemos fazer, mas cada vez vamos conseguindo cometer menos erros a tentar fazê-lo, que é pedir a estas células [estaminais] para se transformarem em células ósseas, se há problemas de osteoporose, transformarem-se em células pancreáticas, se há problemas de insulina, de diabetes, em células cardíacas, se há uma insuficiência cardíaca”, enfatizou o coordenador do MIA Portugal.
O “perigo”, sustentou Rodrigo Cunha, é o das células estaminais “poderem ser tudo, mas também se poderem transformar em cancros”.
“Tem de haver um cuidado muito grande de as saber manipular, transformando-as naquilo que precisamos, sem que elas se venham a transformar naquilo que nós não queremos”, avisou.
“É uma área muito promissora, mas ainda estamos longe de ter a segurança de a começar a utilizar no homem”, sublinhou o especialista, que, embora “numa opinião pessoal e puramente especulativa”, disse acreditar que, daqui a uma década, existirão as primeiras aplicações práticas de células estaminais na área do envelhecimento.
Uma terceira área de investigação relaciona-se com o sistema imunoinflamatório, designado por Rodrigo Cunha como um dos três “maestros” existentes no corpo humano — junto com os sistemas nervoso e hormonal — para coordenarem o seu funcionamento regular.
“Com o passar dos anos, os maestros começam a ficar mais duros de ouvido, a ter artroses a mexer a batuta e isto é particularmente relevante naquele que é o mais perigoso, que é o sistema imunoinflamatório, o nosso sistema de defesa”, ilustrou.
O sistema de defesa do corpo humano tem de funcionar e saber lidar “com uma quantidade enorme de bicharada”, caso contrário irá gerar problemas de infeções.
“Se não funciona convenientemente, é como um ‘polícia’ louco com uma arma perigosíssima na mão, que mata uma série de células saudáveis. Basta estes ‘polícias’ começarem a ter um pouco menos de cuidado para começarem a matar muitas células que não deviam ser mortas”, argumentou Rodrigo Cunha.
Esta área de investigação sobre o sistema imunoinflamatório incorpora-se na “lógica das células senescentes”, que aumentavam os medidores inflamatórios para diminuir a incidência de cancro.
“Se tivermos uma atividade do sistema imunoinflamatório ligeiramente aumentada, é meio caminho andado para começarmos, lentamente, cada vez mais desregulados”, notou o especialista.
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