HealthNews (HN)- Quais são as principais mais-valias da formação em Engenharia Biomédica? A multidisciplinaridade é uma característica marcada, certo? Conseguem adaptar-se a diferentes contextos nos hospitais?
Sara Pereira (SP)- É totalmente nesse sentido. O facto de ser um curso muito multidisciplinar e de conseguirmos angariar diferentes conhecimentos em diferentes áreas tem sido recorrentemente apontado como uma das mais-valias da formação em Engenharia Biomédica. De facto, acabamos por ter a aquisição de grandes valências nas áreas da Engenharia, desde as áreas da Matemática, da Física, da Eletrónica e da Informática, conjugadas com as áreas das Ciências da Vida e da Saúde. Portanto, a transversalidade da área é apontada como uma das principais qualidades da nossa formação, permitindo explorar diferentes caminhos.
O facto é que também essa multidisciplinaridade muitas vezes pode ser vista como uma adversidade e, até, gerar alguma ansiedade e indecisão durante o curso; mas a verdade é que nos permite explorar uma série de alternativas e que durante o curso vamos percebendo aquela que vai mais ao encontro dos nossos objetivos e aquilo que queremos alcançar a nível profissional.
Acredito que temos uma elevada curva de exponencialidade nas diversas funções que podemos desempenhar ao longo do nosso percurso profissional, e que é muito garantida por uma formação muito multidisciplinar e muito diversa a nível de plano curricular. A nível do contexto hospitalar, de facto, há um grande interesse dos engenheiros biomédicos para atuar aí diretamente, e há muitos que o fazem, com funções muito diversas. Também nós, recentemente, na ANEEB, proporcionámos um webinar em que analisámos essas diferentes vertentes e como é que é o papel de inserção de um biomédico em ambiente hospitalar.
Há uma panóplia de funções que podemos exercer, mas nem sempre é fácil chegar ao contexto hospitalar, porque muitas vezes, durante o plano curricular, não somos tão confrontados como se calhar seria de interesse da maioria. Às vezes é mais dificultada a nossa inserção, mas a verdade é que somos valorizados em meio hospitalar. Há diferentes contextos em que podemos mostrar o nosso valor, quer seja mais numa área de gestão de projetos, de gestão da qualidade, quer seja mais relacionado com a área da imagiologia ou da radioterapia. Há diferentes vertentes e papéis que o engenheiro biomédico pode assumir, podendo ajudar a implementar valor nas instituições hospitalares.
Outra mais-valia é que esta diversidade também existe entre instituições de ensino. Cada instituição de ensino acaba por articular aquilo que proporciona aos seus estudantes de acordo com as competências locais. Portanto, além da diversidade do plano curricular, também há diferentes vertentes nas diferentes instituições de ensino, o que pode ser visto como uma vantagem porque permite aos estudantes mobilizarem-se de acordo com os seus interesses. Essa mobilização é agora mais facilitada com a desintegração dos mestrados integrados.
HN- E quanto às principais lacunas do ensino, o que é que poderia melhorar?
SP- Um dos desafios está associado a uma das mais-valias que destaquei. O facto de termos uma formação multidisciplinar creio que, por vezes, pode gerar alguns sentimentos de ansiedade e de desconhecimento. Muitas vezes é difícil alinhar todas as áreas das diferentes Engenharias e das Ciências da Saúde com o nível adequado de profundidade, que garante ao estudante algum conforto e tranquilidade. Portanto, nem sempre conseguimos ter esse sentimento de que, efetivamente, estamos a focar o nosso conhecimento para uma aplicação adequada ao mercado de trabalho. Há uma divergência de opiniões, mas aquela que parece ser a mais consensual entre os estudantes é que tem de em algum momento ser feito um afunilamento de conhecimentos.
Esse afunilamento acontece particularmente no mestrado, mas quando são mestrados em que há um tronco comum com unidades curriculares opcionais muito abrangentes, pode não ir totalmente ao encontro dos interesses dos estudantes ou da atividade profissional que querem desempenhar no futuro.
Outra necessidade apontada muitas vezes na Engenharia Biomédica é a de haver maior cooperação entre as instituições de ensino superior e os institutos de investigação, a indústria e, sobretudo, o contexto hospitalar, como no início destaquei. As sinergias com as entidades profissionais são essenciais para os estudantes terem conhecimento de qual é a aplicabilidade efetiva da Engenharia Biomédica e dos conhecimentos teóricos abordados no curso. Penso que, muitas vezes, a formação de Engenharia Biomédica exige um maior esforço, uma maior flexibilidade e uma maior proatividade dos alunos para adquirir conhecimentos fora do curso e procurar oportunidades extracurriculares que lhes darão outras valências. Claro que o curso de Engenharia Biomédica não é o único com estas condições, em muitos outros cursos é necessário este maior esforço dos alunos.
HN- Especialistas disseram-nos que precisamos de mais engenheiros biomédicos no SNS. Dou-lhe a oportunidade de falar um pouco mais sobre o que podem oferecer nesse ambiente.
SP- De facto, o meio hospitalar é uma área muito aliciante para os engenheiros biomédicos. Temos visto um progresso nesta área, não só de engenheiros a trabalhar diretamente nas instituições de saúde, mas também em empresas que prestam serviços às instituições de saúde, nomeadamente empresas de equipamentos hospitalares. Existe uma falta de engenheiros biomédicos a trabalhar em contexto hospitalar, mas que muitas vezes também é motivada por não serem ainda conscientes do nosso valor e as diferentes funções que podemos assumir, que são várias, como já referi.
HN- Em que é que consistiu o estudo “Análise do Ensino Superior em Engenharia Biomédica em Portugal”? Quais as principais conclusões?
SP- Na verdade, as mais-valias e lacunas que fui apresentando são fruto das principais conclusões do estudo. É aquela que percebemos ser a visão global dos estudantes de Engenharia Biomédica, que conseguimos descobrir através desta iniciativa pioneira desenvolvida durante este mandato. Foi exatamente com a ambição de perceber melhor a realidade do ensino e de a ANEEB conseguir ter uma abordagem mais fundamentada nesta área que surgiu a necessidade de criar este estudo. O objetivo foi, numa primeira fase, conhecermos as opiniões, os interesses e as necessidades dos estudantes, segundo a perspetiva individual de cada estudante. Desenvolvemos um inquérito anónimo e voluntário, que disponibilizámos publicamente através de uma forte difusão via digital e presencial, junto da nossa comunidade estudantil, para traçar um panorama geral efetivamente credível e representativo.
Contudo, o nosso objetivo não é apenas expor, não é apenas desenhar esta conjetura. A próxima fase consiste em elaborar um relatório para ser partilhado com os órgãos competentes das diversas instituições de ensino, nomeadamente as coordenações de curso e os conselhos pedagógicos, já que estes desempenham um papel preponderante na formação dos estudantes de Engenharia Biomédica. De momento, o inquérito encontra-se fechado e encontramo-nos a redigir o relatório, para muito em breve o conseguirmos apresentar. Num primeiro momento vamos apresentá-lo numa Assembleia Geral para os nossos Associados e estudantes.
O estudo foi criado com o propósito de posicionar a ANEEB enquanto associação nacional com uma visão mais no âmbito da pedagogia e da política educativa e para que, a longo prazo, esta continuidade de esforços permita que seja feita uma recuperação pedagógica e se chegue a um ensino de Engenharia Biomédica com menos lacunas e mais concordante com as expectativas dos estudantes. Claro que alterações significativas não são rapidamente incrementadas e, portanto, é um trabalho que levará o seu tempo, mas almejamos que este seja um primeiro passo.
A ANEEB é sempre uma muito aberta e recetiva a cooperações. Estamos disponíveis e motivados a mostrar estes resultados às coordenações de curso e, depois, trabalhar em conjunto e perceber de forma gradual como é que podemos melhorar o nosso plano curricular, como é que podemos melhorar a formação dos engenheiros biomédicos, sendo o objetivo basilar da ANEEB a representação e a defesa intransigente dos interesses dos estudantes de Engenharia Biomédica.
HN- Por último, o que é que gostaria de destacar acerca do futuro da Engenharia Biomédica?
SP- No ensino acreditamos que os pontos fortes possam ser ainda mais fortes. Há margem de progressão nas diversas instituições de ensino. Essa progressão tem de acontecer e a ANEEB estará sempre disponível para ajudar e cooperar em tudo o que é presumível de uma associação nacional. Importa também relembrar que o curso de Engenharia Biomédica é muito recente em Portugal. O primeiro curso surgiu em 2001, no Instituto Superior Técnico, portanto não é surpreendente ainda existirem lacunas e aspetos a melhorar.
No âmbito da profissionalização, claro que também existe ainda uma margem de progressão, mas a Engenharia Biomédica já se encontra a ganhar terreno no mercado profissional e é vista, cada vez mais, como uma profissão com mais credibilidade e reconhecimento. Nós, enquanto associação nacional, a cada ano sentimos um acréscimo na adesão e no interesse das empresas, dos institutos de investigação, de hospitais; portanto, as diferentes entidades que se relacionam com a nossa área interessam-se cada vez pela associação, e tal só pode estar relacionado com um crescente interesse na área da Engenharia Biomédica. De facto, a ANEEB não possui um estudo relacionado com o índice de empregabilidade dos estudantes de Engenharia Biomédica na área da Engenharia Biomédica, mas a nossa perceção é que os engenheiros biomédicos conseguem trabalhar na área. Pode haver, sobretudo numa fase inicial, alguma distância à área da saúde, mas ao longo da carreira vê-se uma convergência por aqueles que têm esse interesse.
Por isso, não só prevejo um futuro risonho como também o presente já o tem sido. A Engenharia Biomédica, associada às diferentes inovações e investigações que se desenvolvem na área da saúde, tem uma importância fundamental, que será cada vez mais reconhecida.
HN/RA
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