Desde o momento que nascemos as nossas células e o nosso corpo estão a envelhecer. Não obstante este ser um destino irrevogável, não temos de nos tornar cativos de um processo de envelhecimento sinónimo de doenças crónicas, declínio cognitivo e perda de mobilidade com o aumento da idade. Isto “não é normal”, sublinha Andreia de Almeida, médica de medicina funcional e anti-aging.

Crendo que “está nas nossas mãos decidirmos como queremos envelhecer e como queremos ver o nosso corpo e saúde evoluírem com o passar do tempo”, a especialista, membro da American Academy of Anti-Aging Medicine, deu aos escaparates nacionais um guia para ajudar as mulheres - e também homens - a reconhecerem os sinais do seu corpo. A propósito do livro Saúde para elas - o kit de sobrevivência para mulheres dos 20 aos 60+ (Bertrand Editora), o SAPO Lifestyle conversou com a médica sobre o admirável mundo novo da medicina funcional e anti-aging. Práticas de medicina que trazem caminhos alternativos: “a maioria de nós médicos apenas aprendeu maioritariamente sobre doenças, desde o seu diagnóstico e tratamento farmacológico. Mas a pergunta que podemos começar a colocar é: como podemos criar saúde?”

Não temos um destino marcado para o envelhecimento. Podemos trabalhá-lo, sem que isso signifique a procura hercúlea do “santo Graal da juventude em frascos de suplementos ou no creme milagroso para as rugas”. Para Andreia de Almeida, “sem os pilares do antienvelhecimento não vamos ter os mesmos resultados”. Isto sem que tenhamos de fazer da medicação o bálsamo para todas as maleitas. “Melhorar a saúde com uma alimentação anti-inflamatória, exercício físico, otimização do sono e regulação dos níveis de stress”, estão entre as estratégias para “adormecer ou reverter o envelhecimento”.

Andreia de Almeida, médica de medicina funcional e anti-aging
"o meu livro é dedicado à saúde feminina pois senti que muitas mulheres ainda desconhecem muito sobre elas próprias", sublinha Andreia de Almeida. créditos: Bertrand Editora

Dado estarmos perante dois conceitos com os quais muitos leitores não estarão familiarizados, começaríamos por perceber o que é a medicina funcional e anti-aging? Há relação entre as duas?

São duas áreas relativamente recentes em Portugal, mas que já têm vários médicos certificados internacionalmente há mais de 20 anos.

A medicina funcional aborda as causas subjacentes da doença, usando uma abordagem orientada a sistemas e envolvendo pacientes e profissionais em uma parceria terapêutica, ou seja, o paciente é envolvido em todas as decisões e passo a passo do processo preventivo/terapêutico.

A medicina anti-aging promove uma medicina preventiva projetada para aprimorar e otimizar a nossa longevidade e expectativa de vida, ou seja, tem uma visão anti-envelhecimento dedicada a adormecer ou reverter o envelhecimento.   Ambas têm vários pilares que são complementares entre si como dietas e programas alimentares terapêuticos, combinações de suplementos para otimização nutricional, técnicas de controle de stresse, gestão do sono e otimização dos nossos níveis hormonais [hormonas sexuais, tiróide, hormonas adrenais, entre outros].

Os homens também se preocupam com o envelhecimento, mas considero que as mulheres são mais dedicadas em desejarem atrasar o processo de envelhecimento.

Surgem como resposta a uma medicina menos centrada na prevenção e mais no tratamento ou minimização dos danos?

Ambas têm como foco uma visão preventiva, dedicando-se a ajudar homens e mulheres a prevenirem o aparecimento de sintomas ou doenças relacionadas com o processo de envelhecimento.  Ou seja, o modelo comum é focarem-se na prevenção através de mudanças no estilo de vida, como a alimentação, exercício físico e otimização dos estilos de vida [stress, sono, humor e emoções] e de acordo com as necessidades de cada pessoa personalizar planos terapêuticos para atrasar o aparecimento ou progressão de doenças/desequilíbrios que vão surgindo com o avançar da idade.

“Temos mesmo de envelhecer e morrer? Sim, mas e se pudéssemos ‘desligar` os genes responsáveis pelo envelhecimento?”
créditos: Patrick Malleret/Unsplash

Porquê, especificamente, faz a associação entres estes dois conceitos e a saúde e o bem-estar da mulher?

Em consulta recebia maioritariamente mulheres e só mais recentemente há um maior interesse dos homens por procurarem este tipo de abordagem médica. Os homens também se preocupam com o envelhecimento, mas considero que as mulheres são mais dedicadas em desejarem atrasar o processo de envelhecimento. A maior preocupação com o peso, a pele, a regulação do ciclo menstrual ou os primeiros desequilíbrios hormonais a partir dos 40, fazem com que as mulheres estejam mais focadas numa nova abordagem. Felizmente já há mudanças e há cada vez mais homens a quererem prevenir o envelhecimento e as doenças relacionadas.

Este livro foi dedicado à saúde feminina pois senti que muitas mulheres ainda desconhecem muito sobre elas próprias.

Usa uma expressão interessante, a de sermos “designers” da nossa saúde. O que quer transmitir com esta expressão?

Significa que está nas nossas mãos decidirmos como queremos envelhecer e como queremos ver o nosso corpo e saúde evoluírem com o passar do tempo. Temos mesmo de envelhecer e morrer? Sim, mas e se pudéssemos "desligar" os genes responsáveis ​​pelo envelhecimento?

Eu acredito firmemente que apesar de nos ser dito que é “normal” termos que envelhecer com doenças crónicas, declínio cognitivo e perda de mobilidade com o aumento da idade, isso “não é normal”.

Aqui falamos da epigenética, ou seja, como o ambiente e estilos de vida ativam estes genes e podem acelerar o nosso envelhecimento. Ou seja, as escolhas que fazemos hoje têm um efeito cumulativo no nosso genoma.

Felizmente, a nossa informação epigenética é reversível.

Citando-a a partir do seu livro: “comece por compreender o que representa ser mulher”. Sucintamente, o que nos pode dizer sobre este ser mulher?

Para mim, ser mulher é reconhecermos os sinais que o nosso corpo nos envia. Conhecermos o ciclo menstrual e sabermos como as nossas oscilações hormonais podem mudar como nos sentimos e comportamos, desde os nossos níveis de energia, mudanças no corpo e no peso, sono, desejo sexual e mudanças no humor. Sabermos identificar o que é bom para as nossas células, quais os alimentos certos, como podemos melhorar a nossa energia, aprendermos a reconhecer quais os momentos para descansar e percebermos que tal como a mãe natureza nós também temos ciclos.

Para mim, ser mulher é reconhecermos os sinais que o nosso corpo nos envia. Conhecermos o ciclo menstrual e sabermos como as nossas oscilações hormonais podem mudar como nos sentimos e comportamos.

Envelhecer é uma inevitabilidade. Devemos ser inconformistas face a este facto?

Envelhecer faz parte da vida. Desde o momento que nascemos as nossas células e o nosso corpo estão a envelhecer. Defendo que devemos amar cada etapa de vida, mas não devemos culpar a “idade” de muitas coisas que dependem sim de nós. Não deve nem tem que ser assim.

À medida que envelhecemos, temos a escolha de não deixar o corpo se deteriorar. Qual é a graça de vivermos mais anos, mas cheios de doenças e desconforto?

“Temos mesmo de envelhecer e morrer? Sim, mas e se pudéssemos ‘desligar` os genes responsáveis pelo envelhecimento?”
créditos: Frida Aguilar Estrada/Unsplash

É possível retardar o envelhecimento sem o recurso a expedientes complexos e onerosos?

Sim. As coisas simples que foram esquecidas. Andamos à procura do santo Graal da juventude em frascos de suplementos ou no creme milagroso para as rugas, mas sem os pilares do antienvelhecimento não vamos ter os mesmos resultados. Uma alimentação saudável, rica em vegetais cheios de anti-oxidantes; água diariamente - há pessoas que nem um litro de água bebem por dia -, movimento [caminhar, danças, alongar, nadar], meditar - regular os níveis de cortisol, a hormona do stress que nos envelhece-, um sono regular e reparador e emoções e pensamentos positivos são a base de tudo.

Os outros passos como a suplementação e a modulação hormonal são complementares.

No livro, traz-nos estratégias para aprendermos a ler o nosso corpo. Especificamente, no caso das mulheres, quais os sinais de alerta?

Há vários, por isso é que escrevi este livro. Muitas mulheres consideram que muitos destes sintomas são normais porque desde sempre os sentiram como “normais”. Mas cada sintoma pode estar relacionado com um ou vários desequilíbrios hormonais ou micronutricionais. Sintomas como um cansaço diário e constante, irregularidades do ciclo menstrual, perda de apetite sexual ou secura vaginal, tristeza e depressão, choro fácil e labilidade emocional [mudanças repentinas de humor], distúrbios de sono, inchaço abdominal e prisão de ventre, falta de concentração, entre outros. Algo se passa e a causa-raiz deve ser identificada.

À medida que envelhecemos, temos a escolha de não deixar o corpo se deteriorar. Qual é a graça de vivermos mais anos, mas cheios de doenças e desconforto?

Nos “mantras”, tal como lemos no seu livro, enquadra os medicamentos na categoria “se necessário”. Facilitamos no acesso aos fármacos quando temos outras alternativas?

Cada situação deve ser avaliada, mas sim acho que por vezes há um excesso de uso de medicamentos.

Nas situações de emergência e nos quadros de doença aguda e trauma, a Medicina mais clássica funciona maravilhosamente, sendo essencial o uso de medicamentos e cirurgias para salvar vidas. Mas a maioria de nós médicos apenas aprendeu maioritariamente sobre doenças, desde o seu diagnóstico e tratamento farmacológico. Mas a pergunta que podemos começar a colocar é: como podemos criar saúde?

No caso específico da mulher, dada a complexidade dos seus ciclos de vida hormonais, há como minimizar padecimentos sem recorrer ao medicamento?

Sim, claro. Como por exemplo com a alimentação certa. Os alimentos contêm informações que falam com os nossos genes. Na área da nutrigenómica sabemos que o que comemos programa o nosso corpo, ou seja, os alimentos "conversam" com o nosso ADN ativando ou desativando genes que levam à saúde ou doença. Temos como exemplo o “ciclo de sementes”, que envolve comer determinados grupos de sementes (como a linhaça, abóbora, girassol) para equilibrar certas hormonas, ajudando a aliviar muitos sintomas dos ciclos femininos.

Considera que nos acomodámos à ideia de que a mulher é prisioneira das hormonas e “não há mais nada a fazer”? 

Acho que não nos acomodámos, nem acho que a mulher seja prisioneira das hormonas. Com tanta informação que já está disponível para todos, julgo que o que falta, às vezes, é o “click”. Há mudanças que têm de ser feitas e rotinas mudadas.

Mas a maioria de nós médicos apenas aprendeu maioritariamente sobre doenças, desde o seu diagnóstico e tratamento farmacológico. Mas a pergunta que podemos começar a colocar é: como podemos criar saúde?

No fundo, a mulher tornar-se uma “domadora” das suas hormonas. Gostaria que nos indicasse algumas estratégias.

Há várias estratégias que podemos aplicar, mas resumindo os pilares base seriam melhorar a saúde com uma alimentação anti-inflamatória (rica em vegetais antioxidantes, pobre em açucares e alimentos processados); exercício físico (que inclui treinos aeróbicos, de força e de flexibilidade); otimização do sono e regulação dos níveis de stress.

Acresce a suplementação avançada com doses ótimas de antioxidantes e nutracêuticos e a modulação hormonal, com hormonas bioidênticas para níveis fisiológicos ótimos, em homens e mulheres.

“Temos mesmo de envelhecer e morrer? Sim, mas e se pudéssemos ‘desligar` os genes responsáveis pelo envelhecimento?”
créditos: Martin Reisch/Unsplash

É comum nas conversas “arrumarmos” os ciclos de vida da mulher em décadas, os 20, os 30, os 40, etc. Não estaremos a compartimentar e a generalizar, ou será que há, de factos, diferenças marcantes?

Há diferenças marcantes em cada etapa de vida, se bem que cada mulher é uma mulher diferente. Daí que a abordagem funcional e anti-aging seja personalizada a cada um, não havendo planos terapêuticos iguais. Mas uma mulher com 20 anos pode ter desequilíbrios hormonais maiores do que uma mulher com 50. Mas há pontos comuns pelo processo fisiológico do envelhecimento, como é o caso da perimenopausa e menopausa.

Inclui no seu livro um “Manual de instruções dos homens. O que precisa de saber sobre eles”. O envelhecimento masculino é um tema tabu, mesmo entre homens?

O envelhecimento masculino por si não considero um tabu, mas acho que muitos homens ainda têm algum desconhecimento sobre o tema. Os homens também sofrem alterações hormonais ao longo da vida e esses desequilíbrios hormonais masculinos podem causar vários sintomas como disfunção erétil, baixo desejo sexual, alterações do humor, queda de cabelo, fadiga, ganho de peso e alterações da memória. A andropausa existe e os homens sentem o impacto. São temas que devem ser abordados por um médico e que quando melhorados para além da melhoria da qualidade de vida e bem-estar, vão também melhorar o bem-estar das pessoas que estão ao lado destes homens.

A saúde começa em nós e nas pessoas que estão à nossa volta.