“O envelhecimento é um processo extraordinário em que nos tornamos na pessoa que sempre deveríamos ter sido”. Palavras sabedoras que o cantor e compositor David Bowie deixou como legado e que o farmacêutico António Hipólito de Aguiar e a médica na área da medicina anti-aging, Marta Padilha, entregam ao livro  “Sempre Jovens” (edição Manuscrito). Ao contrário do que o título pode fazer crer, o livro não formula aquilo que é, como sabemos, uma impossibilidade. A passagem do tempo não é reversível, como também não são as marcas que deixa. Contudo, como sublinham os autores, à conversa com o SAPO Lifestyle, há como “protelar o envelhecimento e com isso ter mais conforto no quotidiano”.

Encarar os processos de envelhecimento de forma saudável é saber adotar uma atitude que minore as marcas que o tempo traz. Para António Hipólito e Marta Padilha, envelhecer não é igual a adoecer. Como tal, há que agir preventivamente. Outro ponto a reter: não se trata de enveredar em intervenções estéticas ou técnicas invasivas, antes recorrer a ferramentas ao nosso alcance no dia a dia.

Descansar mais, cuidar da pele, praticar uma alimentação equilibrada, fazer exercício físico e suplementar com elementos que o organismo não obtém da natureza entram na fórmula de um envelhecimento na perspetiva da medicina anti-aging, área dedicada à promoção de qualidade de vida e longevidade.

No fundo, saber que não nos é concedida a vida eterna, mas que a esperança de vida nos coloca em idades inimagináveis há um século. Para isso, há que saber como funciona o nosso organismo, quais as causas do envelhecimento e que alterações cognitivas são, ou não, expectáveis.

O título do vosso livro traz-nos uma promessa que, sabemos, não pode ser levada à letra. “Sempre jovens” o que significa exatamente?

Que a jovialidade não só é algo meramente estético ou físico, como igualmente pode e deve ser objeto do nosso investimento, nomeadamente através da adoção de medidas de prevenção.

É sensato pensarmos que, desde que conheçamos os mecanismos fisiológicos do envelhecimento, podemos estender a nossa vida muito para lá dos limites hoje traçados, os 150 anos?

É sensato entender que existe um limite biológico à vida humana, mas é relevante olhar para a evolução da esperança de vida e verificar que em pouco mais de cem anos, praticamente duplicou, de cerca de 40 anos, à entrada do século XX, para os atuais 78 anos, sensivelmente.

sempre jovens
Marta Padilha, médica na área Anti-Aging, com especialização em Medicina Antienvelhecimento.

Embora complexo, como podemos descrever nas suas linhas gerais o processo a que chamamos envelhecer?

É a alteração fisiológica do organismo humano, decorrente do denominado processo de senescência celular com as alterações que daí decorrem.

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Neste sentido, em que se traduz “envelhecer bem”? Passa por aceitarmos a inevitabilidade do desgaste do tempo sobre o nosso corpo?

Passa, cremos, por não querer mudar radicalmente o processo de envelhecimento, até porque não o conseguimos, mas antes ir protelando o envelhecimento e com isso ter mais conforto no quotidiano.

Se por um lado, os avanços nas ciências médicas nos levam para idades cada vez mais avançadas, por outro o nosso estilo de vida concorre para vivermos mais, mas vivermos doentes. Concordam com a afirmação?

Sem dúvida. Estamos a viver mais, mas nem sempre melhor, daí que o subtítulo do livro seja exatamente, "Viver mais e melhor".

É sensato entender que existe um limite biológico à vida humana, mas é relevante olhar para a evolução da esperança de vida

Podem explicar aos nossos leitores quais os pilares da medicina anti-aging?

Os cinco pilares do anti-aging são a suplementação hormonal, suplementação não hormonal, exercício físico, nutrição e gestão do stress. É através da sinergia destes cinco pilares que conseguimos atingir o nosso tão desejado equilíbrio hormonal.

Há uma passagem no vosso livro que nos faz pensar: “geralmente, são as doenças, mais do que o envelhecimento normal, que explicam a perda da capacidade funcional na velhice”. Isto subentende que controlar a doença é controlar, em parte, os processos de envelhecimento?

Exatamente. O processo de doença é um processo quase sempre degenerativo, daí que se conseguirmos evitar doenças crónicas, como a Diabetes, Hipertensão arterial, entre outras, estamos a providenciar uma melhoria qualitativa do nosso próprio envelhecimento.

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António Hipólito de Aguiar, farmacêutico e doutorado em Ciências Farmacêuticas.

É lícito dizer-se que é na juventude que começamos a cuidar da nossa velhice? Pode parecer um contrassenso, pois a idade madura está longe das cogitações dos mais jovens.

Costumamos dizer que até aos 30 anos temos o corpo com que nascemos e a partir daí o corpo que merecemos, o mesmo é dizer é a prevenção, feita essencialmente enquanto somos ainda mais robustos fisicamente e mais saudáveis, que nos vai marcar também o percurso da velhice. Por exemplo, apostar no exercício físico e na alimentação saudável contribui para aumentar, segundo estudos que revelamos no livro, a longevidade.

“Todas as espécies vivas do nosso mundo envelhecem e experimentam alterações consideráveis, do seu nascimento até à sua morte. Na realidade, de uma forma muito pragmática o envelhecimento começa no dia em que nascemos”.

Sempre Jovens, p. 37

Um aspeto que provoca angústia é o da perda de memória com o avançar da idade. Há atitudes que possamos tomar para contrariar os efeitos do envelhecimento na nossa memória?

Sim, a memória é como um músculo que deve ser exercitado para poder dar um melhor contributo, pelo que o estímulo à memória pode ser conseguido, tal  como procuramos desvendar na obra.

A abundância alimentar de que atualmente dispomos nas sociedades ocidentais está a matar-nos mais cedo?

Existe uma correlação curiosa entre os povos que têm uma alimentação mais cuidada e balanceada, do ponto de vista das calorias ingeridas, e a longevidade, sendo um bom exemplo o Japão onde o número de centenários é maior do que em muitos outros países com práticas alimentares excessivamente calóricas.

Existe uma correlação curiosa entre os povos que têm uma alimentação mais cuidada e balanceada, do ponto de vista das calorias ingeridas, e a longevidade.

Um dos pilares do antienvelhecimento é a modulação hormonal. É possível contrariar a “ditadura” das hormonas no nosso corpo?

Todos nós começamos a perder 1 a 3 % das nossas hormonas ao ano e estas desempenham uma função que é complementar de outras e imprescindível à manutenção de um estado de saúde saudável.  Assim, através da modulação conseguimos dar as doses certas das hormonas em falta com o objetivo de atingirmos o desejado equilíbrio hormonal.

Em certas circunstâncias, o stress tornou-se sinonimo de estilo de vida, não obstante o sabermos prejudicial ao nosso equilíbrio. Como nos podemos reencontrar numa sociedade submersa em frenesim?

O stress pode afetar a saúde, a qualidade de vida e a sensação de bem-estar como um todo e este tanto por ser agudo por exemplo um acontecimento dramático como uma discussão ou um acidente, ou stress crónico, quando são situações arrastadas. Não é possível encontrar um tratamento milagroso para o stress que seja eficaz em todas as pessoas porque cada uma possui mecanismos próprios para lidar com o stress. Contudo podemos aumentar a atividade física, diminuir a ingestão de alimentos calóricos entre outros aspetos.

Como pessoas ligadas à ciência, e nesse âmbito, se vos fosse dada a poção da vida eterna como utilizariam esse tempo a favor da humanidade?

Quem decide estar ligado às ciências deve ter uma atitude altruísta, e essa é, seguramente, uma via para sermos mais felizes, pelo que podermos ajudar os outros é sempre algo que todos deveremos ambicionar para vivermos mais e melhor.

Entrevista concedida por escrito em março de 2022.