Conta-nos a História que o Spritz, um aperitivo alcoólico muito apreciado no Norte de Itália, terá nascido por alturas do domínio austro-húngaro, no final do século XIX. Na época, os soldados das forças invasoras, não apreciariam os vinhos fortes transalpinos pelo que juntavam aos mesmos um spritzen (borrifo), de água. Com a invenção do Aperol, em 1919, pela mão dos irmãos Barbieri, o Spritz alcança outro patamar e difunde-se não apenas em Itália. Faz as malas para o Mundo.
Pode o leitor questionar, chegado este momento, o que têm os ímpetos belicistas em comum com o restaurante Italiano estreado este verão no bairro de Campo de Ourique em Lisboa? Até vermos, dois pontos. Para contarmos uma história como a que abre esta peça precisamos de memória. Pois, Memoria – sem o assento agudo tal como se escreve em italiano - é o que não falta a esta casa que faz da palavra e do conceito, nome para o estabelecimento. Segundo, numa carta extensa, com forte predomínio dos comeres transalpinos, ressalta, nos bebíveis, seis variações de Spritz, pedidas a copo ou em jarro.
Isso mesmo nos explica Vasco Paiva Raposo, um dos sócios do Memoria, quando nos preparamos para perceber, à mesa, no que difere este, dos restantes restaurantes italianos do Grupo Non Basta, na capital (Pasta Non Basta, em Alvalade e na Rua Elias Garcia).
Ponto primeiro, este Memoria afasta-se no ambiente dos outros irmãos do grupo. Engana-nos a fachada estreita do restaurante localizado frente ao Jardim da Parada. A sala, onde se destaca em primeiro plano a cozinha, alonga-se até encontrar, no sossego das traseiras, dois logradouros em jeito de pátio e onde não nos é indiferente a enorme ameixoeira, agora já de frutos amadurecidos e colhidos. Não escapa à nossa atenção o logótipo do restaurante, propositadamente esbatido, “como uma memória antiga, já difusa mas que ainda está presente”, conta-nos Vasco.
No restaurante, os tons neutros em contraste com os apontamentos a vermelho no mobiliário, casam com os mármores das mesas e com, num projeto de decoração de Inês Moura e com design de iluminação de Joana Forjaz. Porque a luz também nos traz ambiente e, neste Memoria, o lema “é conforto, família e aconchego”, como nos explica Vasco, sublinhando que “a ideia é termos um restaurante intemporal, com uma carta livre para criarmos. Um pouco diferente da dos outros restaurantes do Grupo. Aqui, a ementa pode acrescentar pratos, dependendo dos produtos do dia”.
Ponto segundo. Os produtos do dia neste Memoria marcam uma carta eclética, que se espraia pelos Antipasti (entradas), Pasta Fresca (massa fresca), Pizze al forno de legna (escusa a tradução) e sobremesas. Contas feitas, há mais de quatro dezenas de propostas. Nalgumas delas vamos encontrar um pouco do hectare e meio de horta do Grupo, na Malveira, e que serve a cozinha do Memoria. “Sempre que possível recorremos à nossa horta. Praticamos ali a aquaponia [combina a criação de peixes com a de vegetais] e a hidroponia horizontal [cultivo de plantas sem solo]. Plantamos tomate, pimento, beringela, manjericão, malaguetas, cenouras, entre outros vegetais. Temos, inclusivamente, excedente de beterraba e aproveitamo-lo para confecionarmos conservas”, explica-nos Vasco.
Ponto terceiro e, provavelmente, o mais aguardado. O que se come neste Memoria? Pelos pontos precedentes, ficou aberta a porta aos comeres que, quem se senta à mesa, como nós, vai encontrar descritos num cardápio que simula a escrita cursiva dos antigos livrinhos de receitas das nossas avós.
No caso vertente, é nos individuais, sobre a mesa, que lemos a ementa. Esta acompanha-nos refeição fora, ao ritmo dos apetites. “Uma das nossas intenções é promover a partilha entre quem aqui chega, mas queremos fazê-lo com doses generosas”. Saiba o leitor que visitando o Memoria com família ou amigos tem três pratos que podem ser solicitados em doses XL, para um trio de comensais. Um petisco graúdo para quem gosta das antigas travessas (não deviam ser antigas, antes a regra). Uma trilogia que inclui Linguini neri alla pescatore (14,00 euros/38,00 euros), o Spaghetti al pomodoro e burrata (13,00 euros/35,00 euros) e o Fettuccine com polpette (11,00 euros/30,00 euros).
Antes de nos lançarmos na descrição de algumas das propostas desta carta do Memoria, refira-se que o restaurante propõe diariamente uma ementa para o almoço com o prato e a bebida a orçarem os 11,00 euros.
Foquemo-nos, então, no que nos chega à mesa, concretamente os Antipasti e saladas. De Parma vem o Salame gentile (6,00 euros/10,00 euros) de Bolonha, a Mortadella al tartufo (6,00 euros/10,00 euros), enquanto que Bergamo nos brinda com o queijo Taleggio (5,00 euros/8,00 euros). Quem se perde de amores pela Burrata [queijo mozzarella recheado com massa fresca de mozzarella, tem para provar a Stracciatella (8,00 euros/ 14,00 euros), retirada do coração leitoso da burrata. Para fechar, um Prosciutto San Daniele (6,00 euros/10,00 euros).
No que toca aos clássicos, não faltam os incontornáveis Spaghetti alla carbonara (12,00), Lasagna della nonna (12,00 euros) e Pizza Diavola (12,00), neste caso para quem resiste bem ao picante. Acresce o Spaghettoni al tartufo (14,00 euros), Spaghetti alle vongole (14,00 euros) ou pizza Margherita (9,00 euros). A inovar, a Pizza Memoria, com tomate, mozzarella, salame picante, azeitonas e orégãos (14,00 euros).
Sendo casa apostada nos comeres de aconchego, há que lhes fazer honra. Dois exemplos, o Pappardelle al Ragu di coniglio (14,00 euros), um estufado de coelho cozinhado lentamente, ou dos Ravioli com Taleggio e figo (11,00 euros), que junta a acidez do queijo à doçura da fruta da época.
Quem se perde na gulodice, tem do Tiramisu (5,00 euros), ao Pudim della Nonna (4,00 euros) - a avó sempre presente -, à Torta de Cioccolato con Gelato (5,00 euros).
Tendo aberto este périplo pelo Memoria com a menção aos bebíveis, façamos a viagem de regresso para referir que o restaurante tem carta larga neste âmbito, com cocktails clássicos, licores e destilados, e vinhos nacionais e italianos. “Fizemos uma criteriosa seleção de vinhos que harmonizam com a comida que servimos, vinhos gastronómicos, leves e não demasiado complexos”, sublinha Vasco. Entre os destaques estão os dois vinhos Astronauta, o Manda-Chuva, néctar produzido em Portugal com a casta Sangiovese, e os italianos Pietro Primitivo (biológico de Puglia) e Umami Renchi Pecorino (de Abruzzo).
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