A incompleta formação do lábio superior, vulgarmente denominada lábio leporino ou do palato (céu da boca), designada por fenda palatina, pode ocorrer individualmente ou em conjunto e é uma situação clínica que resulta de uma malformação congénita que ocorre durante o desenvolvimento embrionário. Pode surgir em ambos os sexos e as causas desta malformação não estão ainda totalmente esclarecidas. No entanto, sabe-se que existem fatores de risco predisponentes.

Francisco Ibérico Nogueira, cirurgião plástico, refere alguns deles, destacando «a deficiente nutrição durante a gestação e, no mesmo período, exposição exagerada a radiações (como, por exemplo, raio-x), toma de alguns medicamentos, fatores hereditários, abuso de tabaco e/ou bebidas alcoólicas, entre outros», esclarece o especialista.

Como se caracteriza o lábio leporino

«É uma abertura que habitualmente se situa numa das partes laterais do lábio superior, dividindo-o em dois segmentos. Pode restringir-se ao lábio ou estender-se através de um sulco entre os dentes incisivo e canino, atingir a gengiva, o maxilar superior, e alcançar o nariz. A partir da décima-quarta semana de gestação, é possível detetar a lesão através da realização de uma ultrassonografia», indica o cirurgião plástico.

Quando operar

Este problema causa grande angústia nos pais e nas crianças, pois as lesões são muito desfigurantes e inestéticas e situam-se numa zona muito visível. «No caso de não ser tratado precocemente, este problema poderá causar graves distúrbios psicológicos nas crianças afetadas», alerta Francisco Ibérico Nogueira, que explica ainda que a recomendação médica é unânime ao aconselhar «a correção da fissura labial cirurgicamente dentro das primeiras 72 horas após o nascimento do bebé».

Inicialmente, esta cirurgia permite reconstruir o lábio superior, reposicionar a asa do nariz que habitualmente está muito descaída e, ao mesmo tempo, aumentar as possibilidades de êxito de outras cirurgias subsequentes. Durante a formação na Clínica Fluminense de Cirurgia Plástica, no Brasil, Francisco Ibérico Nogueira teve  oportunidade de «tratar cirurgicamente muitas crianças fissuradas que recorriam aos serviços médicos dessa clínica e nessa época era comum operarem entre o segundo e o terceiro mês de vida da criança», recorda.

Na Clínica Ibérico Nogueira, atualmente, no que toca ao lábio leporino, o médico é especialmente consultado por adultos que pretendem submeter-se a correções de sequelas cicatriciais de lábio leporino. «As crianças que nascem no nosso país nestas condições são imediatamente operadas nos hospitais públicos e muito raramente são tratadas em clínicas privadas», refere o especialista.

Tratamento por etapas

O lábio leporino constitui uma situação «difícil de corrigir que pode implicar diversas intervenções e exige uma grande destreza do cirurgião plástico», refere Ibérico Nogueira. Na sua opinião, é fundamental que o tratamento seja iniciado antes dos quatro/cinco anos, altura em que a criança começa a ser estigmatizada pelos colegas da escola.

«A crueldade infantil pode causar danos psicológicos difíceis de reparar e, por esse motivo, tanto o cirurgião como o pediatra ou o psicólogo devem debruçar-se rapidamente sobre estas situações para que a criança possa ser protegida e evitar distúrbios do foro psiquiátrico», alerta.

Quando o lábio leporino está associado à fenda palatina (encerramento incompleto do palato), o tratamento é mais longo, iniciando-se quando a criança é recém-nascida e terminando com a consolidação total dos ossos da face, aos 17 / 18 anos.

«Durante todo esse tempo, a abordagem do tratamento deverá ser multidisciplinar com a participação de especialistas da área da cirurgia plástica, otorrinolaringologia, odontologia e terapia da fala. Os pais devem ser preparados para a eventual necessidade de corrigir estas lesões por etapas, faseadamente, pois este processo pode ser demorado e exigir várias intervenções», diz.

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As soluções da cirurgia plástica para corrigir o problema:

- Fissura palatina (crianças)

De acordo com Francisco Ibérico Nogueira, nos casos de fissura palatina, «só por volta de um, dois ou três anos, é que a criança deve iniciar a reconstituição cirúrgica do palato». O encerramento completo é realizado em etapas, de modo «a assegurar a integridade do arcabouço ósseo e a funcionalidade da musculatura de oclusão, assim como para evitar a deficiência da respiração e da voz anasalada. Por regra, primeiro fecha-se o palato ósseo anterior para o alongar, para noutra intervenção dar continuidade posterior a essa zona anatómica», esclarece.

A conduta preconizada é realizar nem cedo demais para não afetar o crescimento do osso, nem muito tarde para não prejudicar a fala. Enquanto esperam pelo final da reconstrução, as crianças devem usar aparelho ortodôntico, «que cobre a fenda palatina e permite que se alimentem adequadamente», esclarece ainda o cirurgião plástico.

- Rinoplastia na fissura labial

«Quando a fissura do lábio é unilateral, o septo nasal encontra-se desviado e ocorre assim, a assimetria de narinas, com o achatamento da narina no lado fissurado. Já na fissura bilateral de lábio, o nariz encontra-se achatado bilateralmente, sem projeção da sua ponta na visão de perfil», explica o especialista.

«A primeira cirurgia no nariz é geralmente realizada em simultâneo com a cirurgia do lábio. Outras cirurgias podem ser necessárias, sendo realizadas, por regra, na fase pré-escolar ou apenas na adolescência, de acordo com o defeito residual e com o desejo do paciente», descreve ainda Francisco Ibérico Nogueira.

- A cirurgia no adulto

Muitas vezes, os pacientes permanecem com lábio leporino durante anos. No entanto, como esclarece o médico, «com o lábio leporino conforme nasceram é raro acontecer, exceto se estivermos a referir-nos a crianças que nascem em lugares remotos e, por vezes, sem as mínimas condições de salubridade, o que é pouco comum», assegura.

Outras vezes são questões religiosas ou culturais que levam os pais destas crianças a recusar submetê-las a cirurgia corretiva. «São estes pacientes que, após grande sofrimento psicológico durante muitos anos, nos procuram já na idade adulta para corrigirem o seu defeito labial», conta Francisco Ibérico Nogueira.

As cirurgias subsequentes

O cirurgião plástico Ibérico Nogueira é procurado por pacientes que gostariam de melhorar o resultado estético de cirurgias efetuadas anteriormente. «Nestes casos, podemos recorrer a técnicas cirúrgicas convencionais ou ainda a técnicas modernas menos invasivas, nomeadamente, ao uso dos peelings, dermabrasão, infiltração de substâncias destinadas a corrigir defeitos de superfície cutânea (fillers), etc. Existe uma nova geração de técnicas não cirúrgicas que podem literalmente apagar ou desvanecer cicatrizes inestéticas de cirurgias anteriores», explica.

O plano de tratamento a realizar na idade adulta deverá ser analisado numa consulta clínica com um médico especialista, para que seja realizado um estudo rigoroso, identificando a(s) melhor(es) técnica(s) a utilizar. «Felizmente, hoje em dia, a informação disponível na ponta dos nossos dedos através da internet permite que praticamente todas as pessoas possam ser informadas sobre os avanços extraordinários da medicina atual e as técnicas na correção destes defeitos congénitos», reforça Ibérico Nogueira.

Texto: Cláudia Pinto