Hoje, de lágrimas a quererem invadir os meus olhos, dei por mim a profanar injúrias contra a vida e o meu destino, sentindo-me tentada a pôr uma mochila às costas e partir, sem mapa, em direção ao mais remoto canto do planeta terra. Depois lembrei-me que era melhor dar-lhes o pequeno-almoço.
Esta noite dormi menos de três horas. Deitei-me a meio da madrugada, disposta a adiantar todo o trabalho que tem sido demais para as curtas 24 horas do dia, e senti-me desfalecer mal o meu corpo pousou na cama. Mas, antes mesmo de eu poder reclamar com o despertador que parece tocar cada vez mais cedo, acordei com dois lábios pequeninos a tocar carinhosamente no meu rosto. Abri os olhos e vi os meus filhos mais novos debruçados sobre mim, deixando que a janela iluminasse os seus perfis com uma luz que me deixava perceber um despertar precoce. Ainda assim, voltei a apaixonar-me pelo sorriso dos miúdos, abracei-os, meti-os na minha cama e brindei-os com mimos e brincadeiras que não deixavam revelar o meu cansaço. Até que um deles provocou o outro e a paz idílica terminou. Puxões de cabelos, pontapés e choros foi o que de repente invadiu o meu vale de sossego. Foi um nascer de dia maravilhoso…
O arranque da manhã passou-se como sempre (ou seja, comigo aos gritos para se despacharem e com eles a parecerem cada vez mais lentos na stressante logística matinal) e foi quando os deixei na escola que suspirei de alívio. O meu dia de Alda-pessoa ia começar. Reuniões, propostas, apresentações, textos, maquetes, formações, ideias. Saltei o almoço, saltei o lanche e, para enganar o estômago, fui engolindo as bolachas que residem estrategicamente no meu carro.
Fim do dia. O trabalho despachado foi substituído por outro igualmente volumoso que entretanto foi solicitado. As prioridades na cabeça, os miúdos para ir buscar à escola, a mais nova para levar à ginástica, a mais velha com amigos por receber em casa. Depois, jantar por fazer, o trabalho por despachar, as lancheiras do dia seguinte por gerir, o trabalho por despachar, os TPCs dos mais novos a transformar-se em dúvidas filosóficas, o trabalho por despachar, a mais nova a suplicar que eu aplaudisse os novos passos de dança que aprendera uma hora antes, o trabalho por despachar, a mais velha a reclamar que, depois de ter estudado tantas horas, se calhar ainda não tinha estudado o suficiente. Ah, e o trabalho por despachar.
Até que tive um momento extracorporal. Saí do meu corpo e senti-me pairar no teto da cozinha, vendo-me lá em baixo, tão pequenina, tão desesperada, sem saber se conseguia conciliar a panela que jazia na minha mão com a atenção que tudo e todos me pediam. E foi aí que, depois de inspirar fundo, abri os olhos em desespero e gritei por um segundo de silêncio. De paz.
Objetivo alcançado. Os meus quatro filhos interromperam por segundos os TPCs, as danças, as reclamações com o estudo. E até a refeição que estava ao lume parecia ter congelado, silenciando a água que até há segundos gritava em fervura. Voltei ao meu corpo, inspirei e pousei finalmente a panela, pronta para regressar à realidade.
De repente, uma mão pequena pousou nas minhas costas e, naquela voz de nove anos que oscilava entre a preocupação e a vontade de rir, ouvi perguntar:
- Estás bem, mamã?
Expliquei que sim, que estava ótima, mas cansada. Que tinha perdido a paciência, mas que precisava da ajuda deles nos momentos em que eu me sentia mais exausta. Que ser mãe “sozinha” nem sempre é fácil, por mais que seja maravilhoso e mágico.
- Ah, isso não é de ser mãe… as professoras não são nossas mães e de vez em quando também têm esses fanicos!
Alda Benamor
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