Vivemos numa sociedade em que estética parece quase tão importante quanto o saber estar – pelo menos, no primeiro impacto. As revistas estão povoadas de corpos perfeitos, de peles imaculadas e de cabelos brilhantes. As ruas invadem-se diariamente de cartazes e outdoors que nos apresentam produtos que garantem fazer de nós as próximas divas do nosso bairro. Os programas de televisão (até o infantis) espetam-nos à frente dos olhos homens e mulheres que parecem ter acabado de sair de uma qualquer fábrica de modelos, em que obviamente a margem de erro roça o zero. Não há borbulhas, não há rugas, não há cabelos brancos, nem há banhas a querer saltar das calças.
E deixemo-nos de tretas: isto mexe connosco. O espelho reflete quase sempre uma imagem que não corresponde ao que gostávamos de ali ver, a roupa parece sempre demasiado grande para o que queríamos vestir, o ingrato do calendário faz com que não seja só o tempo a passar – porque, com ele, passa também a tão desejada juventude.
Temos, então, uma sociedade de gavetas. A gaveta das pessoas bonitas, a das pessoas feias, a das pessoas gordas, a das pessoas que estão na moda e por aí adiante. Eu tenho de confessar que, de cada vez que vou à despensa e as minhas mãos se afastam das bolachas de água e sal para agarrar um pacote de batatas fritas, penso imediatamente que estou a contribuir para aumentar a carga da gaveta de pessoas com celulite. Por mais que me fundamente (muito!) na importância do que somos como pessoas, não posso negar que seria o máximo ser boa pessoa mas, ao mesmo tempo, ser uma pessoa boa, se é que me entendem.
Acontece que eu tenho 40 anos. E que, por mais que ainda tenha por aprender, já sei minimizar a importância destas coisas da estética. Mas as crianças não. Por mais que as marcas invistam em anúncios que promovem uma alimentação equilibrada, a verdade é que basta este exercício para percebermos o que é passado aos miúdos: vejam um único episódio da tão badalada Violetta. Aparece lá alguma miúda anafada? Pois… não! Mas o problema é que aquelas novas atrizes quase roçam o anorético, com ossadas que se destacam por baixa de roupas justas e espampanantes.
Na escola dos meus filhos há duas meninas chamadas Inês. Para as diferenciarem, os miúdos não as tratam pelo apelido. É antes a “Inês” e a “Inês gorda”. Porque, sim, as crianças conseguem ser cruéis e ingratas (e não me venham com a velha história de que as crianças são todas puras, maravilhosas e que só percebem o lado bom da vida).
Se o tamanho importa? Claro que sim. Para a saúde, para o bem-estar, para a autoimagem e para a autoconfiança. Ninguém quer ser “o” número acima. Mas ele, o tamanho, deve importar nas relações sociais? Pois, aqui todos sabemos a resposta.
Eu, aos 12 anos, fui a “caixa-de-óculos” e só eu sei como isso mexeu comigo. De tal forma que, mal pude, troquei as hastes de massa por umas discretas e práticas lentes de contacto. Mas, até lá, “esqueci” muitas vezes os óculos na minha mesinha de cabeceira, mesmo tendo com isso perdido muitos autocarros e deixado de ler com detalhe tudo o que os professores escreviam no quadro.
Quando os meus filhos me contaram a história da “Inês gorda”, recuei imediatamente ao meu 8º ano. Na minha turma, existia uma Patrícia lindíssima que todas invejávamos e que todos desejavam. Mas também havia uma Mafalda que, apesar de ser uma excelente aluna, só se destacava pela sua obesidade. Há uns seis anos, organizou-se um jantar do liceu e tivemos a oportunidade de rever pessoas a quem perdêramos o rasto há quase duas décadas. A Patrícia faltou, mas a Mafalda foi das primeiras pessoas a chegar. De sapatos agulha nos pés, suportando umas pernas simplesmente maravilhosas que se encaixavam num vestido nº 36.
Talvez as Violettas venham, um dia, a sofrer na pele a síndroma da “Inês gorda”.
(Teríamos, pelo menos, um programa muito mais real e interessante.)
Alda Benamor
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