Eu tenho um sonho. Aliás, eu tenho vários sonhos. Sou só mais uma pessoa que espera junto à imaginação pelo dia em que eles se tornem realidade.
Não falo para uma multidão, nem tenho a mesma história ou a mesma importância que Martin Luther King Jr. - não tenho a mesma abundância de vocabulário, a mesma dicção ou a mesma audiência à minha frente. Mas nem por isso deixo de ter um sonho. Ou vários.
Há tanto em comum nestes muitos anos que me separam dos discursos daquele detentor de um prémio Nobel que até parece que nada mudou. Continuamos a lutar por ideologias e sonhos – alguns deles tão óbvios e teoricamente básicos.
É por isso que, por vezes, tenho medo de sonhar. Porque tantas pessoas sonham há décadas com algo aparentemente tão banal como a igualdade e ainda hoje lutamos por ela. E esta luta é perturbante. Tal como a desigualdade é perturbante.
Nasci em Portugal, um país supostamente evoluído, mas sou castigada porque me chamo Mafalda e não Tomás, Bruno ou Francisco
Nasci num sítio onde a desigualdade de género continua a ser uma tremenda injustiça, uma dor de cabeça e uma das razões para reforçar este meu sonho a cada despertar.
Continuamos ignorantes depois de tanto tempo lutado, tanto tempo quase desperdiçado – apesar de uma evolução notável, esta não é suficiente; porque, se fosse, eu hoje não teria este sonho.
Um passado onde as mulheres não tinham direito ao voto nem ao estudo parece uma realidade demasiado distante. No entanto, e apesar de vivermos atualmente num contexto distinto, não consigo deixar de sentir um processo inverso. Como se, mediante tantos desequilíbrios, caminhássemos cada vez mais para uma “humanidade desumana”. É estranho pensar que há pessoas, géneros ou seres que se acham superiores – será o ego o motivo maior desta tremenda injustiça? Ou será a sociedade a razão deste meu sonho?
Não falo em cima de uma plataforma para milhões, mas posso escrever para dezenas. Não consigo transmitir as minhas palavras para os ouvidos de uma multidão, mas posso pôr os meus pensamentos e desejos no papel - na esperança de que, um dia, o sonho de haver uma igualdade de género se torne realidade.
Temo que o meu sonho não passe disso mesmo: de um sonho. Que, amanhã, continue a sonhar ou acabe por desistir da minha imaginação. Tenho medo do futuro e de tudo o que ele não nos possa trazer – porque o problema do meu sonho reside na sua banalidade. E nas pessoas. O maior problema do mundo são as pessoas.
Cruzo-me diariamente com transeuntes e pergunto-me quantos é que têm um sonho e quantos é que são o problema dele
Quantos é que fabricam os meus pesadelos enquanto eu tento lutar pelos meus sonhos. Pelos nossos sonhos. Por um futuro em que as mulheres não sejam desvalorizadas. Sou saudosista de um futuro que não sei se virá. Isto não é o meu sonho, a minha ilusão nem o meu ato retrato; isto é a nossa realidade.
É verdade, temo que o meu sonho não passe de um pesadelo do passado e de uma esperança do futuro. Temo que hoje adormeça a sonhar e que amanhã acorde para uma realidade igual. Eu sonho e faço-o com medo porque a sociedade sempre me disse para racionalizar os meus desejos, para não idealizar muito alto e para manter os meus pés assentes na terra. Mas, ainda assim, sonho emocional e racionalmente, pedindo por uma igualdade de que a minha geração já devia gozar.
Eu tenho vários sonhos. E o maior de todos é que, um dia breve, o nome com que me registaram não dite a importância que o mundo me dá.
Mafalda Benamor de Castro diz que aprendeu a escrever quando ainda não sabia o poder da verdade. Hoje, com 20 anos, ganhou finalmente coragem para mostrar a faceta que poucos conheciam: está em fase de edição de um livro, criou a marca de roupa SURVIVE, desistiu da licenciatura de Marketing em Inglaterra e começou a desabafar no momento em que deixou a "Mafalda de Portugal" no passado. Regressando ao presente, e depois de várias viagens no tempo, brinca com as palavras para partilhar o desafio que, para ela, é viver.
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