Há, realmente, momentos em que ser mãe não é fácil: naqueles dias em que nos dói violentamente a cabeça; em que temos preocupações suficientes para meia dúzia de almas; em que o trabalho não correu especialmente bem; em que as urgências se acumulam num computador que já odiamos, e em que, apesar de tudo isto, temos de garantir a devida dedicação aos nossos filhos. Nestes momentos, a maternidade pode doer.
Hoje foi um destes dias. Depois de uma manhã passada numa repartição de finanças, de milhares de caracteres para despachar, de apresentações para formatar e de perceber que a minha lista de afazeres parece cada vez mais infindável, os miúdos esperavam-me no final do dia como se nada se tivesse passado. Porque, de facto, para eles tinha sido apenas mais um dia feliz.
Recebi-os, ouvi as novidades, fiz e servi o jantar, procurei os filmes que os mais novos tanto gostam de ver no meu computador, assisti à Violeta com as mais velhas, conversei, deitei as crianças, li a história de boas noites e, finalmente, regressei ao meu mundo. Àquele suposto mundo que começa sempre depois das nove da noite, em que não há birras, nem arrastos de TPC’s, nem migalhas espalhadas pelo chão. Àquele mundo em que, supostamente, eu posso fazer tudo o que me apetece: seja refastelar-me no sofá a ver um filme lamechas ou dedicar-me a mais trabalho no meu portátil.
Mas hoje este meu mundo interdito a menores de 14 anos foi violado. Era a mais velha que não sabia do seu estojo, a do meio que se tinha esquecido de fazer o trabalho de físico-química, os mais novos que insistiam em brincar à hora a que já deviam estar a dormir. Revirei os olhos cem vezes, inspirei outras mil e foram incontáveis as asneiras cabeludas em que pensei, na impossibilidade de as verbalizar. Avisei, corrigi, refilei e ameacei. Elas acabaram por adormecer. Eles resolveram que, mesmo mediante os meus avisos e o meu ar cansado, seria boa ideia continuar a provocar os limites da minha paciência. A cinco passos dos meus ouvidos exaustos surgiam gargalhadas, ecos de saltos em cima do colchão, pancadas secas que nem quis descodificar.
E, então, enquanto pensava se lhes gritava, se os castigava ou se os amarrava com correntes elétricas às armações das camas, decidi-me por uma estratégia diferente. Peguei em duas cadeiras, coloquei-as estrategicamente em frente ao local que eu ocupava no sofá e informei:
- Meninos, hoje querem ficar acordados? Então, vão ficar. Mas vão ficar sentados aqui, à minha frente, simplesmente sem fazer nada. E pode passar uma hora, como duas ou três, que agora só se vão deitar quando eu disser. Aproveitem!
No início, eles acharam alguma graça à coisa. Sentaram-se nas cadeiras a fixar-me atentamente, como se esperassem alguma reação incalculada. Até que, vendo a minha total abstração, começaram a desmotivar-se com o novo jogo. Dez minutos depois, a tão esperada pergunta:
- Mãe, podemos ir para a cama? Temos sono…
Dei o meu consentimento, qual mãe austera de chicote na mão, e não ouvi nem mais um suspiro vindo daquele quarto. Minutos depois, e já de volta ao meu papel de mãe emotiva, fui espreitá-los. Dormiam tranquilamente, naquele abraço que carateriza todos os seus sonos. Beijei-os ao de leve, segredei que os amo e, quando me preparava para sair do quarto, os meus pés pisaram algo que quebrou aquele silêncio mágico. Baixei-me e apanhei uma folha rabiscada. “Eu amo a mamã. Ela é muito tonta”.
Ser filho (e pequeno) também é isto: poder ter uma mãe que não é sempre perfeita e que, mesmo dando castigos criativos, é sempre a pessoa que mais amamos. Mesmo sendo, aparentemente, uma tonta.
Alda Benamor
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