Cientistas norte-americanos descobriram, no leite materno humano, uma substância que poderá proteger os bebés que são amamentados da infeção pelo vírus da sida. Os resultados foram publicados ontem na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

 

Esta substância natural e inata — uma proteína chamada tenascina-C ou TNC, descoberta nos anos 1980 por um dos coautores do estudo — já era conhecida por promover a cicatrização das feridas. Mas, até aqui, não tinha sido detetada no leite e não se lhe conheciam propriedades antimicrobianas.

 

A amamentação é uma das vias de transmissão do vírus da sida das mães para os seus bebés. Em 2011, segundo as estimativas da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 330 mil crianças no mundo terão sido infetadas pelo VIH durante a vida fetal, à nascença ou pouco depois, incluindo através da amamentação.

 

Para prevenir esse contágio, utilizam-se medicamentos antirretrovirais. Mas, para além da sua potencial toxicidade e do desenvolvimento de estirpes resistentes do VIH que o seu uso pode acarretar, o acesso a estes fármacos é, na realidade, bastante limitado. Nem todas as mulheres grávidas fazem um teste de despistagem do VIH e, nos países com poucos recursos, menos de 60 por cento das grávidas beneficiam de tratamentos preventivos para protegerem os seus bebés.

 

Um dos objetivos que foram estabelecidos a nível global pelas organizações internacionais de saúde consiste, precisamente, em eliminar a transmissão do VIH na relação mãe-filho. E nesse sentido, começou-se a procurar alternativas terapêuticas seguras e acessíveis que possam substituir os antirretrovirais.

 

Há muito que se sabe que o leite materno possui qualidades protetoras capazes de inibir a transmissão mãe-filho do vírus da sida — e isso apesar das repetidas exposições dos bebés ao vírus, por vezes durante anos, através da lactação. Mais geralmente, aliás, sabe-se que, nos países em desenvolvimento, nos primeiros seis meses de vida de um bebé, a amamentação aumenta seis vezes a hipótese de sobrevivência e evita a diarreia e infeções pulmonares. Mas, em relação à sida em particular, não se conhecia ao certo a origem desse efeito protetor.

 

Sallie Permar, da Universidade Duke (EUA), e colegas, que estavam à procura deste tipo de alternativas aos antirretrovirais contra a sida, decidiram analisar o leite materno. E agora, estes cientistas poderão ter descoberto uma das substâncias responsáveis pelo efeito anti-VIH do leite materno.

 

Os cientistas expuseram, in vitro, o leite de mulheres seronegativas a uma série de estirpes do VIH e constataram que o efeito protetor parecia ser devido a uma proteína de grande tamanho. A seguir, graças a um processo de sucessivas separações das proteínas do leite, identificaram a responsável: a TNC. Uma análise mais aprofundada revelou que a TNC neutraliza o VIH ligando-se ao invólucro viral.

 

«A TNC é um componente da matriz extracelular», explica Sallie Permar em comunicado da sua universidade. «É uma proteína que desempenha um papel na reparação dos tecidos. Também se sabe ser importante para o desenvolvimento fetal, mas a sua presença no leite materno e as suas propriedades antivirais nunca tinham sido descritas.»

 

É provável que a TNC atue em conjunto com outros fatores anti-VIH do leite, salienta a cientista. Mas, mesmo assim, «dada a atividade de largo espectro da TNC contra o vírus, poderá ser possível desenvolver uma terapêutica preventiva, administrável por via oral aos bebés antes da amamentação, tal como se faz de forma rotineira, nas regiões em desenvolvimento, com os sais de reidratação».

 

«A descoberta do efeito inibidor do VIH desta proteína do leite materno fornece uma possível explicação para o facto de os lactantes nascidos de mães seropositivas não serem infectados mais frequentemente», diz Barton Haynes, director do Instituto de Vacinas Humanas da mesma universidade. «Também permite pensar que é possível induzir no leite fatores inibidores do vírus ainda mais potentes, tais como anticorpos, capazes de proteger totalmente os bebés da infecção pelo VIH», conclui.

 

 

Maria João Pratt

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