Normalmente este “e agora” diz respeito à realização ou não de trabalhos de férias ou de atividades durante este período.

Ora, é meu dever alertar que, férias são férias caros pais. As férias no seu conceito amplo são para que os alunos possam momentaneamente, ou durante um espaço temporal, fazer outras coisas que não sejam a folha de papel e a caneta ou lápis para de forma repetida retomarem aquilo que, eventualmente, será uma extensão do que durante vários meses fizeram na escola.

Mas, dirão, assim vão esquecer-se do que aprenderam!

Esta não é certamente uma situação que reúna consenso. Sou defensor de que os habituais trabalhos de casa têm, ou devem ter, na sua essência uma forma de auto regulação, de responsabilização e organização do tempo. Sem serem um massacre, com conta peso e medida, os famosos T.P.C. são úteis para verticalizar o que atrás foi dito, o tal método de estudo. Até porque o conceito de família deve ser preservado, significando isto que uma criança chega a casa e tem o direito a poder brincar com os seus pais, usufruir de um conjunto de estímulos emocionais e afetivos que permitem também as aquisições académicas na escola.

De acordo com Alves “O trabalho de casa constitui, para muitos docentes, um dos instrumentos fundamentais para a promoção da qualidade da aprendizagem dos alunos. Quando elaborado com eficácia, pode significar, para os alunos, a aquisição de competências, desenvolvendo a sua iniciativa, a capacidade de se autodisciplinar, a autonomia e a aptidão para gerir o tempo. A execução do trabalho de casa também promoverá cenários de comportamentos de autorregulação e, consequentemente, a melhoria da qualidade do processo educativo”.

As escolas devem cada vez mais criar as estratégias indispensáveis à realização destes trabalhos. Ora vejamos um caso prático de uma criança que está na escola todo o dia e que depois ainda tem que chegar a casa e realizar um conjunto de trabalhos sem fim. Tal situação, traz, para além da questão familiar acima mencionada, por certo, uma desmotivação plena. A família e a nossa casa não devem ser uma extensão dos trabalhos que se devem realizar na escola. E por isso as Salas de Estudo e o tempo da Biblioteca no final do dia podem ser algumas das soluções para esta questão.

Mas voltemos às férias. São vários meses…muito tempo sem escola. No entanto o importante não é bombardear as crianças com atividades pedagógicas para as férias. O importante é que a criança mantenha o seu cérebro ativo; que possa continuar com o seu pensamento em atividade conseguindo uma estimulação plena. Assim, importa ressalvar que as atividades lúdicas e práticas, multissensoriais, associadas à pedagogia, são as indicadas para este período. Portanto, atividades técnico-pedagógicas de estimulação neuro-cognitiva.

A realização de trabalhos, sejam eles no decorrer do ano letivo, sejam no período de férias, favorecem a manutenção de rotinas. No entanto, repito, com equilíbrio; sem mecanização e excesso, pois permitirão a consolidação de conhecimentos cognitivos adquiridos, através de caminhos de autorregulação, não constituindo uma desmotivação.

Os trabalhos de casa permitem ainda ao aluno experimentar o erro; este erro só é detetável se estes mesmos trabalhos forem, no dia seguinte à sua realização, corrigidos pelo professor em sala de aula para que a criança perceba o que pode mudar nas suas aprendizagens e o professor na sua metodologia de ensino. Só desta forma os T.P.C. podem ter um caráter pedagógico e aceitável. Caso contrário tornam-se chatos, maçadores, “uma seca”, como os nossos filhos habitualmente lhes chamam.

De acordo com uma notícia do Jornal i e com uma “ investigação realizada pela Universidade Autónoma de Madrid, conclui que fazer trabalhos de casa funciona “se forem revistos e corrigidos na aula” e se existir uma “distribuição diferenciada” consoante o desempenho dos alunos. Os autores do estudo, F. Javier Murillo e Cynthia Martínez-Garrido, assinalam que os trabalhos de casa são “uma ferramenta útil para aumentar as oportunidades de aprendizagem dos estudantes”, se respeitarem as condições referidas. Murillo e Martínez-Garrido chamam a atenção para a importância dos alunos serem informados do resultado dos trabalhos de casa, “do sucesso obtido e dos aspetos a melhorar”.

Torna-se difícil nos dias de hoje levar uma criança, num dia de sol maravilhoso, onde a natureza lá fora nos diz que o descanso chegou, a sentar-se numa cadeira para realizar um conjunto de exercícios de matemática ou de português.

A Leitura, contudo, é imprescindível e como tal devemos ajudar os nossos filhos na escolha de uma obra de referência para que tal hábito se mantenha, mesmo nas férias. Esta Leitura, a par da realização de jogos de estimulação, são a situação ideal neste maior período de descanso.

Não nos podemos esquecer que as atividades motivadoras geram maior disponibilidade do nosso cérebro para as mesmas.

O ato de aprender requer um conjunto de capacidades intactas e desenvolvidas de tal maneira que este processo decorra com a máxima normalidade possível ou desejável. Aprendemos pela vantagem cognitiva, é um facto, mas não podemos esquecer que esta aprendizagem tem que ser motivadora, despertar sensações de prazer no cérebro. É este cérebro que nos controla em todas as nossas atividades do dia-a-dia e que gere as nossas emoções também no momento de aprender.

Recentes estudos com Ressonância Magnética Funcional vieram comprovar que quanto mais motivadora for a atividade apresentada ao aluno, maior ativação de regiões acontece no cérebro. Ora, tal constatação permite-nos inferir que as atividades apresentadas aos alunos não podem ser só pedagógicas devendo trazer uma componente motivacional, como se apresenta por exemplo no Programa de Neurociência – Intervenção em Leitura e Escrita. (www.serdislexico.com) Este manual é sem dúvida uma excelente opção para as férias com os nossos filhos, promovendo uma forma de aprendizagem no que se designa de ambiente rico, estruturante e motivador.

Assim, depois do merecido descanso que pode mediar entre o término das aulas e um mês e meio, é importante que as nossas crianças percebam que existem regras de ouro nesta questão dos T.P.C que passam por:

1- Estabelecer horários: conjuntamente os pais e os seus filhos estabelecem a rotina dos dias para que as crianças possam contribuir para a organização das tarefas, tornando este momento em algo agradável;

2- Organizar o local da realização dos trabalhos: devem existir condições razoáveis para a realização dos trabalhos que permitam à criança a organização do seu espaço e a escolha do local sem barulho ou distrações.

3- Brincar: este é um momento muito importante também, pois ajuda a criança a libertar as suas tensões e a perceber que os seus tempos “livres”, de férias, não são só de trabalho. O momento da brincadeira deve ser escolhido pela criança e não pelo adulto, pois este é um momento para brincar! O adulto será o mediador.

4- Descansar: um sono reparador é sem dúvida alguma um referencial a não esquecer. O nosso cérebro torna-se mais ativo e ávido de conhecimento se o descanso existir. Aliás, é durante o sono que o nosso cérebro consolida todas as aquisições recebidas durante o dia;

Para além destes quatro pontos fundamentais é importante que os pais entendam que o acompanhamento de todas estas tarefas é fundamental mas sem lhes atribuir um caráter de tal forma excessivo a ponto de provocar discussões e situações emocionais regressivas.

Os trabalhos de casa bem como os das férias devem, portanto, revestir-se de cautela na quantidade e na qualidade. Na quantidade por não poderem e não deverem ser em excesso sob pena de se tornarem desmotivantes; na qualidade por poderem e deverem ser estimulantes e motivadores para os nossos filhos, associando o que de melhor a Neurociência nos tem demonstrado.

Boas férias e…bom descanso!

Rafael Silva Pereira – rafael.pereira@clinicadadislexia.com
Especialista em Dislexia e Dificuldades de Aprendizagem
Consultor para a Dislexia em www.clinicadadislexia.com

Bibliografia
Oliveira, R. M. O. C. V., 2012, O papel dos trabalhos de casa no processo de avaliação das aprendizagens : um estudo com professores de matemática do 2º e 3º ciclos do ensino básico, Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação (área de especialização em Desenvolvimento Curricular), Universidade do Minho.

Pereira, R., 2014, Programa de Neurociência – Intervenção em Leitura e Escrita, Viseu, Psicosoma