Ainda existe falta de consenso e ideias falsas em torno da sobredotação. A sua conceptualização tem sofrido alterações ao longo dos anos de acordo com a investigação sobre inteligência.

 

Durante muito tempo, a sobredotação foi associada a um QI elevado e este legado tem sobrevivido até ao presente por parte de muitos.

 

Contudo, atualmente, a maioria dos investigadores define sobredotação em termos de múltiplas competências e nem todas são de natureza intelectual. Nestas definições, acrescentam-se à inteligência, a motivação, a elevada autoestima e a criatividade.

 

De acordo com uma das definições com melhor fundamentação científica, considera-se que existem comportamentos sobredotados, em vez de indivíduos sobredotados, que se traduzem pela interação de três conjuntos de características: capacidades acima da média; nível elevado de envolvimento na tarefa; nível elevado de criatividade. As crianças capazes de apresentar um comportamento sobredotado são aquelas que desenvolvem este trio de características, aplicando-o a uma certa área de performance (ex. intelectual, artística, de liderança, etc.).

 

Consequentemente, estas crianças requerem uma ampla variedade de respostas educacionais, que não são oferecidas pelos seus currículos académicos. Criar condições adequadas à expressão e desenvolvimento das suas qualidades excepcionais só é possível através de uma avaliação específica e rigorosa, que deverá ser realizada por psicólogos especializados, com recurso a vários instrumentos. É também falso pensar-se que estas crianças, “são boas em tudo” e não precisam estudar.

 

Pelo contrário, podem apresentar dificuldades escolares, sendo identificadas como alunos problemáticos, com dificuldades comportamentais (desinteresse, falta de atenção, oposição, etc.) e de relacionamento social. É manifesta a necessidade de apoiar a criança com comportamento sobredotado e a sua família e de um sistema educacional que permita tirar proveito do seu potencial.

 

Face a sinais de sobredotação, é fundamental que a avaliação da criança, inclua um diagnóstico diferencial, que permita avaliar se as suas dificuldades são consequência de disparidades entre níveis de competências e falta de adequação do seu contexto escolar, e não de défices significativos, que poderão dever-se a outra condição, como uma perturbação do desenvolvimento. Crianças com Autismo ou Síndrome de Asperger são, frequentemente, excepcionais em determinadas áreas (ex. memória), o que surge a par de dificuldades típicas na interação social, na comunicação, na flexibilidade de pensamento, interesses restritos e comportamentos repetitivos.

 

Um olhar seletivo, que vê apenas um QI muito acima da média ou outra área excepcional, poderá pôr em risco uma intervenção adequada e gerar expectativas que resultam em frustração, devido a uma falha no diagnóstico. Nestas situações, é fundamental que os pais assegurem a realização de uma avaliação rigorosa e a adequação dos contextos familiar e escolar às necessidades educativas da criança.

 

Inês Leitão

 

Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

ines.leitao@pin.com.pt