Quando me encontro com uma família, seja num processo de avaliação ou de intervenção, o momento de realização dos trabalhos de casa é um assunto abordado com muita frequência.

Para uma criança com Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA), a realização de TPC assemelha-se a um esforço hercúleo comparável à travessia do Cabo das Tormentas. Se tivermos em conta que este momento acontece tendencialmente depois de um dia de escola recheado de exercícios, apontamentos feitos em sala de aula, contexto pleno de estímulos distrácteis e por isso mais exigente para eles, que têm mais dificuldade em orientar, focar e manter a sua atenção, podemos adivinhar a dificuldade que representa. Contudo, não é apenas a criança que está extenuada ao fim do dia. Também os Pais, trabalhadores de um dia inteiro, cansados física e emocionalmente, estão a funcionar no limite dos seus recursos. Secretamente, todos desejam que a professora não tenha enviado trabalhos para casa…

Antecipando uma tarefa difícil e demorada, a dificuldade em iniciar este momento pauta-se pela resistência ao mesmo. Multiplicam-se os pedidos de ir à casa de banho, os lanches, os lápis que caem ou chão ou parecem nunca ter bico, numa tentativa evidente de não enfrentar a ficha, ainda em branco, pousada em cima da mesa. Estas tentativas de adiar o inevitável representam o pico de esgotamento de recursos que a criança sente e por vezes consegue explicar dizendo “a minha cabeça já não consegue pensar…”. Para quem não tem défice de atenção, esta frase representa muitas vezes o testemunho da preguiça e falta de empenho, ao invés do esgotamento de recursos revelado de forma tão evidente. Realizadas ao fim do dia, até as tarefas fáceis se tornam difíceis e é importante perceber porquê.

Para perceber o problema, é preciso parar e pensar o que significa “ a minha cabeça já não consegue pensar”. Ao longo do dia, utilizamos recursos cognitivos em tudo o que fazemos, mesmo que estejamos a brincar. As crianças com Défice de Atenção também o fazem, embora com maior esforço na mobilização dos mesmos. É mais difícil ouvir o que os professores dizem, por isso têm que o registar imediatamente. É mais difícil realizar tarefas longas se a turma está mais agitada ou o colega da fila de trás bate com os pés na cadeira. Estas pequenas pancadas traduzem-se numa quebra de raciocínio, obrigando a ler o enunciado de novo e repensar a resposta. Se acontecerem enquanto o professor explica, poderá não haver forma de resgatar a informação perdida ou, inclusive, ter a noção de que houve algo que se perdeu. As competências envolvidas na apreensão e processamento de informação ditam a qualidade do desempenho da criança e têm sido alvo de um amplo debate científico. São as chamadas funções executivas, que apresentam vulnerabilidades típicas quando existe uma PHDA e cujas fragilidades se revelam num desempenho errático com uma aparente ausência de raciocínio, sendo muitas vezes evidente que a criança sabe a matéria, mas não consegue mostrar que sabe.

As funções executivas são os recursos que nos permitem organizar, dar sentido, recrutar e recombinar a informação que apreendemos do exterior. Quando frágeis, tornam a realidade num contexto onde a informação dificilmente é retida, o que limita a aprendizagem de conteúdos, onde se mistura e liga com os desenhos animados ou brincadeira de escola numa multiplicidade de raciocínios divergentes que são tudo menos necessários na realização da maioria das tarefas escolares. A criança e adolescente com PHDA parecem pensar muitas vezes de forma desorganizada, pouco sequencial e distante da pergunta escrita no papel. Parece que têm que recomeçar muitas vezes, ser reconduzidos ao que é pedido no exercício inúmeras outras, numa passagem de tempo que parece traduzir-se em momentos de zanga, frustração e incompreensão tantas vezes vividos entre Pais e Filhos. Não seria grave se acontecesse apenas de vez em quando, mas sendo constante, traduz-se num patamar de frustração para todos que torna difícil tentar mais uma vez ou acreditar que, desta vez, só desta vez!, vai correr bem.

Seja durante uma avaliação ou intervenção, conhecer o perfil de funcionamento da criança é essencial para clarificar a forma como opera e resolve, ou não, as situações de desempenho. Conhecer este perfil em detalhe, sabendo como a memória de trabalho e atenção selectiva são mobilizadas para a tarefa, por exemplo, dar-nos-á pistas sobre formas mais eficazes e eficientes para o fazer, criando melhores condições para o sucesso. É um trabalho ardiloso, demorado e essencial para que os TPC possam ser um Tempo Para Crescer.

Teresa Pereira
Técnica Superior de Educação Especial e Reabilitação

teresa.pereira@pin.com.pt

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