Sónia, uma jovem institucionalizada aos 14 anos, por ordem de uma juíza. É uma história real, que acompanhámos muito de perto na nossa clínica. Aqui apresentamos os contornos desse processo de institucionalização. Foi uma medida extrema, mas necessária dada a evidente negligência dos pais nas suas responsabilidades parentais.

O caso de Sónia, uma jovem institucionalizada a pedido da CPCJ

Os nomes que usamos neste artigo são fictícios, de modo a garantir a confidencialidade e proteger a identidade dos intervenientes.

Ana, uma paciente da PsicoAjuda, é a mãe de Sónia, uma jovem institucionalizada a pedido da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ). A institucionalização de uma criança é sempre uma história dramática. O caso de Sónia não foge à regra e ilustra todo o clima emocional inerente à institucionalização de uma criança. Na PsicoAjuda fomos parte integrante desta história, na medida que acompanhámos Ana, mãe de Sónia.

A nossa intervenção visou sobretudo atuar ao nível da promoção dos recursos emocionais e cognitivos de Ana, mãe da jovem institucionalizada. Essencialmente, procurámos que Ana fosse capaz de ultrapassar os múltiplos desafios com que era confrontada no seu dia a dia, sobretudo motivados pelo processo de institucionalização de sua filha.

Será a institucionalização a resposta certa?

Não há decisões perfeitas e o recurso à institucionalização é uma medida extrema e limite para proteger uma criança. Por isso é uma decisão necessária, mas difícil. Um juiz recorre a ela somente quando tudo aponta para uma clara negligência dos pais nas suas responsabilidades parentais. É uma medida “drástica” a que não deveríamos ocorrer, pois os pais deveriam assumir plenamente os seus papéis parentais. Mas quando os progenitores demitem-se dos seus papéis de pais, não resta outra solução. Há que pensar que nestes casos limites, deixar a criança num processo de negligência, violência ou maus tratos ainda é mais penalizador para ela.

O recurso à institucionalização acaba por ser uma decisão de força maior, tendo em mente o superior interesse da criança. Importa salientar que o juiz não atua sozinho. A sua decisão é alicerçada na informação produzida pelo trabalho conjunto de toda uma equipa que está na retaguarda destes processos, que inclui o Ministério Público, a Segurança Social e uma série de técnicos, incluindo psicólogos.

No caso que aqui descrevemos, não havia familiares próximos da Sónia que pudessem acolhe-la. Por isso, a institucionalização acabou por a única solução possível de modo a atenuar a situação grave e pouco saudável em que vivia, sem qualquer projeto de vida consistente, por responsabilidade dos pais.

Crónica de uma institucionalização mais que esperada

O caso de Sónia chegou ao Tribunal de Menores por sinalização da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) em risco. Sónia vivia com a mãe e não tinha praticamente qualquer ligação com o pai. Por isso, a sua vivência familiar resumia-se à mãe e a avó, esta última uma sexagenária com quem passava a maior parte do tempo, uma vez que a mãe trabalhava por turnos e não tinha tempo para dedicar à filha. Assim, a infância de Sónia foi passada essencialmente com a avó, que nutria grande amor pela neta, mas cujas forças já não lhe permitiam dar a educação que a neta necessitava. Naturalmente os problemas surgiram logo nos primeiros anos durante a sua infância.

Aos 11 anos começou por faltar de forma reiterada às aulas, manifestando, assim, pouca motivação escolar. Pouco resultaram os múltiplos avisos da diretora de turma. Mais tarde, a situação agravou-se quando decidiu sair para fora da escola, na companhia de um rapaz mais velho, que muito provavelmente já seria maior de idade. Não tardaram as saídas à noite. De nada resultaram os gritos e castigos impostos pela mãe. Até que uma noite não regressou a casa. Ana entrou em pânico e pensou: “será que fugiu de casa”'? Aí a mãe percebeu, finalmente, que a situação estava totalmente fora do seu controlo.

Importa aqui referir, talvez como atenuante para a mãe, que também ela tinha tido uma vida bastante problemática. Tinha casado muito nova e, por isso, com alguma ingenuidade à mistura. Ana cedo percebeu que o casamento era bem diferente do que tinha imaginado.  O ex-marido era uma pessoa muito violenta. Além disso, dedicava-se ao roubo e venda de drogas. Ana, não só era vítima de violência doméstica, como encontrava-se envolvida neste ambiente de delinquência, vivendo cada dia com imenso terror. Foi condenada a três anos de prisão, por ter sido considerada cúmplice do ex-marido, pena que foi revertida para prisão domiciliária para poder cuidar da sua filha. Teve que recorrer ao trabalho por turnos numa fábrica como forma de subsistência. Era difícil com as suas habilitações e antecedentes criminais conseguir algo de melhor.

Tal como anteriormente, sentia-se impotente para denunciar o ex-marido, também perante todos os problemas causados pela filha, sentia-se incapaz de dar um rumo diferente à educação da Sónia. Pensou que, desta vez, não podia cometer o mesmo erro, deixando que o problema chegasse ao limite – da outra vez foi condenada e presa. Por isso, decidiu recorrer à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) em busca de auxílio.

Como a própria afirma, “senti-me a pior mãe do mundo, culpada pelo internamento da minha própria filha. Mas já não sabia mais o que fazer.” Nessa altura, tinha Sónia 14 anos.

Pode ler o relato dramático da execução da ordem da juíza, a qual decretou a institucionalização imediata da criança logo após a audição de Ana e Sónia. Uma equipa especializada da GNR e duas assistentes sociais encarregaram-se de executar a ordem. O aparato foi grande. Houve muita exaltação, mas a ordem foi cumprida e Sónia foi levada para uma instituição a cerca de 100 Km.

Neste caso, felizmente, entrevê-se um final feliz

A permissão para a primeira visita só surgiu ao fim de um mês. Ana recorda que ainda era bem evidente no rosto da sua filha o ódio que esta sentia por ela, por ter sido responsável pelo internamento naquela instituição.

Aos poucos e poucos, a atitude de Sónia foi mudando. Mostrou estar a adaptar-se e, sobretudo, começou a aceitar a sua condição de “institucionalizada”. Ali, finalmente, tinha um ambiente com regras e imposição de limites. Já tinha feito algumas amizades. E percebia que os estudos eram importantes.

Ana relata com muita emoção que “numa das últimas visitas, disse-me que já tinha planos para o futuro. Senti uma emoção imensa e as lágrimas escorreram-me em abundância pela face. Julguei a minha filha perdida e agora sabia que tinha todo o futuro à sua frente”.

Afinal, entrevê-se um final feliz para este caso! Na PsicoAjuda sentimos uma enorme alegria por termos feito parte desta história e, sobretudo, por termos ajudado. Ana era uma paciente que tinha chegado até nós com muitas dificuldades, principalmente ao nível emocional e organizacional. Após múltiplas sessões de psicoterapia, as melhorias são evidentes. Agora, demonstra ser capaz de se organizar, estando apta a ultrapassar os múltiplos desafios que enfrenta no seu dia a dia. Acima de tudo, está determinada a ajudar a sua filha para que ambas possam ter uma vida mais feliz.

Elisabete Condesso / Psicóloga e Psicoterapeuta

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