Naturalmente, nascem conflitos entre pais e filhos logo pela manhã, sobretudo se tanto uns como outros chegam atrasados à escola ou ao trabalho.

As consequências de noites "mal dormidas" não terminam no portão da escola. Durante o dia os professores notam o aluno sonolento, distraído, mais lento a resolver os problemas ou a resolvê-los de forma impulsiva, dando os clássicos erros "por distração". Se a criança tiver uma perturbação do desenvolvimento primária (como um défice de atenção), o seu desempenho será ainda mais afetado.

Durante o intervalo poder-se-ão desenrolar quezílias com os pares, pois crianças (e adolescentes) com privação de sono tendem a interpretar de forma errónea determinadas situações sociais, percebendo-as como ameaçadoras e respondendo-lhes de forma impulsiva e emocional, pois estão menos capazes de as ler com objetividade. Por exemplo, interpretam uma brincadeira como uma provocação e respondem de forma agressiva. A passagem ao acto é comum nos adolescentes, que à restrição de sono somam o consumo de substâncias estimulantes (cafés e bebidas energéticas) para se manterem acordados, ficando ainda mais impulsivos.

No regresso a casa, depois de um cansativo dia de aulas, a motivação para a aprendizagem é mínima e só depois de muita insistência (e de igual resistência) é que estudam ou fazem os TPC.

No caso das crianças mais pequenas, também a tolerância à frustração é escassa e qualquer pequeno contratempo resulta numa explosão de choro e gritos, que ressoam nos ouvidos de pais também cansados porque quando os filhos dormem mal, os pais também.

E porque o dia prepara a noite, se as crianças estão irritadas na hora de deitar vão resistir a ir para a cama e terão maior dificuldade em adormecer, pois a acalmia e relaxação necessárias tem de começar muito antes de dormir.

Considerando as 24 horas do dia de uma família em privação de sono, é fácil perceber que o sono insuficiente tem impacto a vários níveis, nomeadamente cognitivo, emocional, comportamental e relacional.

É então necessário um olhar mais atento ao sono das crianças e adolecentes pois a repercussão na aprendizagem é enorme, bastando apenas uma noite de sono insuficiente para se verem limitações na atenção, concentração e memória. Também as funções executivas (planeamento e resolução de problemas) estão comprometidas e o rendimento escolar fica claramente aquém das suas capacidades reais. Esta constatação acaba por reforçar as alterações no humor que decorrem de noites mal dormidas, nomeadamente ao nível da ansiedade e depressão. Alterações no comportamento, em termos de impulsividade, agressividade e oposição despoletam conflitos por vezes difíceis de resolver com colegas, professores e pais.

Assim, a perturbação do sono da criança nunca é apenas dela uma vez que o seu impacto estende-se a vários contextos, sendo que quando esta é alvo de intervenção verifica-se uma melhoria substancial na qualidade de vida de todos os que com ela privam.

Mafalda Leitão – Psicóloga Clínica
mafalda.leitao@pin.com.pt
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