Admiro as mulheres que abdicam da sua carreira profissional em prol dos filhos. A minha mãe fê-lo por mim (por nós!) e só eu sei a importância que isso teve no meu crescimento e nos traços de personalidade que até hoje mantenho. A sensação de um acompanhamento permanente, a certeza de que ela estava “ali” em todos os momentos, a confiança de que a teria sempre à minha espera quando chegasse da escola, fosse para me acarinhar com um lanche especial, para ouvir as aventuras do meu dia ou para abafar as lágrimas de algum amor platónico.
Lembro-me que, talvez por ser flha única e ter a minha mãe sempre e só para mim, pude viver uma infância plena de amor, carinho e atenção. O pequeno-almoço era sempre farto e demorado, os almoços eram sempre feitos em casa e não no refeitório da escola, os trabalhos de casa eram sempre supervisionados por uma mãe atenta e paciente. Levava-me ao colo para a cama, depois de eu ter adormecido no sofá, onde nos aninhávamos todas as noites, e acordava-me sempre com beijos e festas que substituiam os despertadores rudes e insensíveis que iniciavam os dias de quase todos os meus amigos.
Na verdade, a ideia que eu tenho é que a minha mãe vivia única e exclusivamente para mim. É óbvio que ela vivia a sua vida e os seus interesses pessoais, mas confesso que apenas me lembro de a ver apenas dedicada a mim e às minhas necessidades. Interrompia os afazeres domésticos com os meus pedidos para fazermos plasticinas, passava horas comigo à janela do meu quarto a contar os (poucos) carros que passavam na minha rua, levava-me ao parque do meu bairro, embalava-me com as histórias da sua infância difícil e responsável. E, ainda assim, a casa estava sempre impecavelmente limpa, as refeições eram sempre cuidadosamente elaboradas e toda a nossa vida familiar andava perfeitamente organizada.
Admiro, de facto, as mulheres que são mães a tempo inteiro. Talvez porque eu não o conseguisse ser.
Adoro estar com os meus filhos. Adoro que sejam a melhor companhia para qualquer passeio, viagem ou simples sessão de carinhos no sofá. Adoro vê-los crescer, brincar, conversar e tornar-se estas pessoas que, de algum modo, representam já os traços de personalidade que, fruto desta nossa nossa já longa vida a cinco, têm tanto de mim (para o bom e para o mau). Adoro as nossas cumplicidades, as trocas de olhares que ninguém interpreta, o humor que carateriza a nossa relação. Mas não me imagino a viver tudo isto 24 horas por dia.
Tenho a sorte de ter uma profissão que me permite gerir relativamente bem o meu tempo, disponibilizando-me diariamente muito mais horas para os meus filhos do que a maioria das mães dispõe para os seus. Deixo-os e apanho-os todos os dias na escola (a horas muito decentes), tenho muito tempo para estar com eles, para conversar, para saber das suas vidas e para partilhar a minha. Tenho ainda a sorte de, de vez em quando, poder passar dias inteiros com eles, levando-os a passear ou à praia, quando a maioria das pessoas se encontra fechada em reuniões e gabinetes. Mas sei que, no dia seguinte, saio para trabalhar. Que vou a reuniões, que estou com outras pessoas, que ocupo a minha cabeça com temas que em nada se prendem com a maternidade. Mesmo que “hoje” vista uns calções e calce chinelos para qualquer atividade nossa, sei que amanhã terei de escolher com cuidado o guarda-roupa e a maquilhagem para a minha atividade profissional – onde eu existo como a Alda pessoa e não como a Alda mãe.
Não me imagino a passar uma vida inteira dedicada à maternidade, sem qualquer complemento paralelo onde as crianças não entrem. Preciso, realmente, daqueles momentos em que não se fala de birras, nem de ATLs, nem das gracinhas deles.
É egoísta da minha parte? Provavelmente. Mas também sei que é precisamente este egoísmo de precisar de momentos sem os miúdos que me faz chegar, todos os finais de dia, pronta para estar realmente com eles. Para os gozar, para os aproveitar, para os amar com a cabeça e o coração realmente livres de qualquer miopia maternal.
Alda Benamor
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