Eu fui uma criança altamente protegida pelos meus pais. Talvez por ter sido filha única, talvez por ter demorado “demasiado tempo” a ser concebida. Não podia brincar na rua, não podia dormir em casa das minhas amigas, não podia dar-me com pessoas que eles não achassem que eram de confiança. O resultado? A minha curiosidade pela aventura era tal que, mal entrei na puberdade, quis experimentar o mundo louco que andava lá fora e que se materializou em coisas tão simples quanto campismo selvagem, saltos de bungee-jumping e férias literalmente à aventura. Coisas banais, mas que me suscitavam uma curiosidade tremenda.
O problema é que, quando ganhei idade e independência para decidir os limites da minha própria liberdade, me senti literalmente atirada aos leões. Orientar-me numa cidade perdida na Europa era coisa para me levar a percorrer, desorientada, todas as limítrofes, e não havia montanha-russa arriscada que me parecesse suficiente para a dimensão da minha “sede de viver”.
A minha mãe passou, então, a dizer que eu vivo para abraçar o mundo com os braços e as pernas. O que não está longe da verdade.
Não acredito na bolha protetora em que tantas vezes temos vontade de colocar os nossos filhos. E tenho a certeza de que a minha própria experiência moldou por completo a forma como educo os meus.
É óbvio que estabeleço limites para a liberdade que lhes dou. E que adequo sempre os degraus que sobem à idade, à maturidade e à capacidade que têm. Mas nunca corri desesperada para eles quando os via cair. Nem os impedi de terem o seu próprio espaço fora das minhas asas. Se lido bem com isso? Nem sempre. É um esforço ingrato, confesso.
Da primeira vez que as minhas filhas dormiram fora de casa, bastante pequenas, eu chorei desalmadamente. Quando foram acampar durante uma semana com os escuteiros, eu senti-me perdida. Depois habituei-me. Hoje, que já estão naquela idade em que as borbulhas insistem em aparecer e os indícios da feminilidade adulta já são visíveis, é habitual pedirem-me para irem só as duas ao cinema ou para marcarem programas com os seus amigos. E eu obrigo-me a confiar.
(pronto, também as obrigo a ligarem-me mal chegam ao centro comercial. E mal se sentam na sala de cinema. E mal o filme acaba. Mas adiante…)
A 400 metros de minha casa existe um atentado à maternidade, que dá pelo nome de pastelaria e onde se comercializam gomas e gelados de todos os tipos e géneros. Há dias, a minha filha mais velha pediu-me para ir lá comprar algumas guloseimas. Com os irmãos. Os quatro sozinhos. E eu dei por mim a pensar que a minha rua até é segura, que há imensos meninos da zona que o fazem, que elas têm sempre o telemóvel à mão. Mas também pensei que, pelo contrário, os perigos parece que estão sempre à espreita, que há malucos em todo o lado, que eles são quatro crianças sob a minha responsabilidade. Engoli em seco – e junto com a saliva degluti todos os meus medos – e deixei-os ir.
Foram uns dos 15 minutos mais longos da minha vida. E, naquele quarto de hora, lembrei-me da minha querida mãezinha. Que, se ela soubesse, ia achar que eu estava a precisar, no mínimo, de um colete-de-forças. Que, se calhar, ela é que tinha razão ao introduzir uma metodologia de alta segurança na forma como me educou. Até que me recordei que, mesmo com toda aquela proteção sem suposta margem de erro, em criança eu parti um dedo e a cabeça vezes suficientes para ainda hoje ter cicatrizes em três zonas da nuca e da testa. E que os meus joelhos quase que podiam contar a história da minha infância. E que consegui enfiar um parafuso num olho (não queiram saber como…), e que fui várias vezes parar ao hospital com entorses variadas, e que cheguei a ser duas vezes assaltada à saída da escola.
Há pouco tempo tive as tradicionais reuniões de fim de período escolar dos meus filhos. E, mais importante do que os elogios que ouvi tecerem às notas das mais velhas, não deixei de sentir os meus olhos marejarem quando me disseram que elas são crianças extremamente independentes, seguras, sociáveis e responsáveis. Coisa que eu sabia, mas reconhecendo que a miopia materna me poderia condicionar na análise.
Posto isto, um dos meus filhos mais novos está sempre a dizer, do alto dos seus oito anos, que “o importante é viver”. Os meus amigos dizem-me que “quem sai aos seus não degenera” e eu reconheço-me nesta crítica.
(deve ser por isso que, para os tão esperados 16 anos, os meus filhos me pedem como presente um salto de para-quedas – “como o que tu fizeste, mãe!”. Mas isso são outros quinhentos…)
Alda Benamor
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