Acontece que os meus filhos não nasceram por obra e graça do Espírito Santo, pelo que, cá em casa, o tema em causa nos é tão ‘normal’ quanto qualquer outro que envolva a nossa existência.

Quando eu ainda estava longe da simples ideia de ter filhos, conviva com uma amiga que já era mãe. E recordo-me de, num belo dia de verão, a sua filha de sete anos lhe ter segredado algo ao ouvido. Seria uma daquelas “perguntas íntimas”, que tantas vezes nos fazem corar até nos mais profundos poros da nossa pele. Depois de a menina chegar então a boca ao ouvido da sua mãe, a minha amiga arregalou os olhos, fixou-me com ar de desespero e, depois de engolir em seco, respondeu-lhe:

- Ai, filha, falamos disso daqui a uns anos… Não te apetece um gelado?

A miúda olhou para a mãe, encolheu os ombros e depois invadiu-me com um pronto “Alda, podes explicar-me tu o que é o sexo?”.

Nesse dia decidi que, caso um dia tivesse filhos, não iria tratar estes “temas sensíveis” como sendo bichos-de-mato. Não só porque não o são, mas também porque eu não quereria que os meus futuros filhos me vissem como uma fonte falsa ou deturpada de informações. Ajuda esta decisão o facto de, felizmente, eu ser uma pessoa de comunicação fácil, sem grandes barreiras ou tabus temáticos, o que me leva a falar de sexo, política, economia ou culinária com a mesma ordem de facilidade.

Acredito ainda que, quando as crianças colocam certas perguntas, é porque, à partida, estão preparadas para ouvir as respostas. Quando a minha primeira filha, aos quatro anos, me perguntou como nascem os bebés, nem sequer me passou pela cabeça iludi-a com a história da cegonha que vem de Paris ou das estrelinhas que, lá bem escondidas no céu, se tornam cadentes para surgir no colo das futuras mamãs. Contei-lhe as coisas como são, com palavras apropriadas para aquilo que ela, em tão tenra idade, seria capaz de entender e aceitar.

Quando temos quatro filhos, a tarefa fica facilitada. A mais velha partilha com a seguinte aquilo que foi aprendendo, e esta faz o mesmo com os mais novos. É quase um sistema pirâmide, como aqueles negócios que soam sempre a fraudulentos, com a diferença que eu, ao aperceber-me da fuga informativa, garanto a devida supervisão dos elementos que vão sendo passados.

Os meus filhos mais novos, que representam o sexo masculino nesta casa, estão familiarizados com tudo o que envolve o género feminino. Habituados a ouvir falar em depilação, menstruação, pílulas e afins, é habitual que, num daqueles dias em que percebem que eu ou as irmãs estamos mais “emotivas”, nos perguntem com especial sensibilidade: “estás com o período?”. Também estão tão bem treinados que, à nossa resposta em formato de olhar matador, desaparecem imediatamente do nosso raio de visão, passando o resto do dia a tratar-nos como se fossemos verdadeiras princesas carentes.

(Adivinho que estes meus filhos vão ser uns excelentes - e preparadíssimos - namorados!)

Acresce a tudo isto o facto de um dos meus melhores amigos ser homossexual e de os meus filhos o saberem desde sempre. Nunca o comentaram como sendo estranho, nunca o trataram como se fosse “diferente”. Talvez porque sempre falámos abertamente da sexualidade e das suas variantes, talvez porque conviver com todos os “gostos” lhes permita ser pessoas de cabeça e coração abertos.

De vez em quando, as escolas lá se lembram de encaixar em algumas matérias a da sexualidade. E, pelo que as minhas filhas me contam, a reação das crianças oscila normalmente entre o espanto e o gozo típico desta idade em que as borbulhas insuflam ao ponto de apertar todos os neurónios. Numa destas últimas aulas, a minha filha mais velha contou-me que, numa turma do 9º ano, se abordou o tema dos contracetivos e que a professora levou preservativos para distribuir pelos rapazes. “Pelos rapazes, mãe! Como se as raparigas adolescentes não tivessem também de estar preparadas…”.

Se calhar, sou eu que estou errada. Se calhar, tem razão quem pensa que eu sou demasiado transparente com os meus filhos. Se calhar, era melhor fazer como tantos de nós crescemos: com pais que simplesmente fingiam que este tema não existe, deixando-nos aprender o que é suposto com os amigos, com a televisão ou com as primeiras experiências íntimas. Se calhar, têm mérito as pessoas que se chocam quando ouvem as conversas transversais que eu e os miúdos temos, sem pudores nem barreiras exageradas.

Ou, se calhar, não.

Alda Benamor