Retratos Contados: Yola, recorda-se do primeiro fado que ouviu?
Yola: Recordo-me sim, como se fosse hoje.
R.C.: E qual é que era?
Y.: O ‘’Fado Cravo’’ com a letra ‘’Maldição’’. Era muito jovem. Ia fazer 9 anos.
R.C.: E recorda-se da primeira vez que cantou o fado?
Y.: Recordo, foi pouco depois dessa altura, e apesar de ser muito nova senti que era um fado que me dizia bastante. Ainda hoje o canto.
R.C.: De onde veio esse sentimento em relação ao fado?
Y.: É assim, posso dizer que fui um bocado incutida pelo meu pai. Ele sempre foi um grande apreciador de fado e a minha avó paterna também cantava no coro da igreja, aquelas coisinhas todas, mas o meu pai ouvia muito fado, ouvia muito Fernando Farinha, ouvia muito fado de Coimbra porque nós somos lá daquela zona, e ouvia muito Amália, então Amália era constantemente. Todos os dias o meu pai ouvia Amália e foi ele que me incutiu um bocadinho isso. E eu comecei a apreciar a melodia e as letras de uma forma… E achava que o fado era uma coisa especial, era algo diferente. Tanto que quando me perguntavam qual era o meu tipo de música preferido, eu era miúda, nem dizia que era fado. Claro que os miúdos da minha idade fartavam-se de gozar comigo! Não sei se incutido pelo meu pai, se foi mesmo pela natureza da situação…
R.C.: E recorda-se o que sentiu do público a primeira vez que cantou?
Y.: A primeira vez que cantei fado foi emocionante.
R.C.: E o público, o que é que recebeu da parte deles?
Y.: Essa mesma emoção. Ainda por cima era mesmo muito nova.
R.C.: Então as suas referências no fado foram, aquelas que referiu anteriormente, a Amália, Fernando Farinha…?
Y.: E o fado Coimbra, ouvia muito fado Coimbra, as serenatas… Porque eu nasci em Coimbra, fui criada numa aldeia ali perto, e eu ia muito com o meu pai ver as tunas e essas coisas todas. E íamos escutar muito fado Coimbra ao vivo, mesmo nas escadinhas da Sé! Muito giro!
R.C.: E quando é que se apercebeu que esse seria o caminho a seguir?
Y.: Sempre que me perguntavam o que é que eu queria ser, eu dizia sempre “eu quero ser aquelas pessoas que cantam, dançam e representam ao mesmo tempo”! Ou seja, não sabia dizer que queria ser de musicais. Os meus colegas diziam “eu quero ser médico” ou “bombeiro”, “quero ser astronauta” e aquilo, e eu dizia sempre “não, não. Eu quero ser aquelas artistas que cantam, dançam e representam ao mesmo tempo”. Tanto que eu adorava ver Mary Poppins e afins!
R.C.: No fundo, os seus sonhos de criança têm-se realizado.
Y.: Devagarinho sim, graças a Deus.
R.C.: E estava a falar à pouco das referências antigas do fado. E hoje em dia quem é que gosta de ouvir, ou com quem é que se identifica mais?
Y.: Eu adoro ouvir Camané e o Pedro Moutinho, os dois irmãos. Gosto imenso de ouvir, dizem-me muito. Também não sei se é por trabalhar com o Pedro. Gosto muito de ouvir Ana Moura, gosto muito do Ricardo Ribeiro, gosto do meu FF, que eu acho que ele é mais fadista do que o que pensa que é.
R.C.: Ainda está a crescer nesse sentido, não é?
Y.: Eu acho que ele é tão fadista. Quando o ouço a cantar a “Reza-te a Sina”… Ele para mim transmite-me mais do que outras pessoas que se dizem fadistas. Gosto muito da Carminho, há aí muitos fadistas que eu gosto muito. A Sara Correia. Ouve-se pouco o nome dela e é uma “fadistona” mesmo! E é uma miúda, tem vinte e poucos anos.
R.C.: Pegando nessa frase que disse, que “há muitos fadistas que se dizem fadistas”. Não é fadista quem quer, não é?
Y.: É fadista quem calha, como diz o fado.
R.C.: Já pisou imensos palcos em Portugal e no estrangeiro. Quais as diferenças entre cantar em Portugal e cantar lá fora?
Y.: Tenho duas respostas para essa pergunta. É assim: cantar para estrangeiros, porque nós vamos lá fora e cantamos para portugueses, mas lá fora também cantamos para estrangeiros. E cantar para estrangeiros é tão ou mais gratificante do que cantar para portugueses, acredita? Porque eles apreciam o fado de uma forma muito especial.
R.C.: Mesmo não percebendo nada do que se diz.
Y.: Quer dizer, diariamente canto para estrangeiros, não é, porque no Luso trabalhamos muito com o turismo. E nós temos de viver do turismo, porque o português está sem dinheiro. E cantar para eles é tão bom porque aquilo que nós ouvimos deles é tão gratificante. E depois, quando se canta às vezes para portugueses, chateia-me um bocadinho, porque eles fazem muito barulho. Por isso há alturas que me satisfaz imenso cantar para portugueses quando eles não estão cá, lá fora, porque eles ouvem-nos com atenção. Mas se a gente cantar aqui para eles em Portugal, eles não nos ouvem com essa mesma atenção.
R.C.: Os estrangeiros acabam por ouvir com os ouvidos e com o coração também.
Y.: É, exato. Dão muita importância à parte do sentimento.
R.C.: E qual é que foi o palco que mais a marcou até hoje, tanto em Portugal como lá fora?
Y.: Eu acho que todos têm um significado especial, não acho que tenha um favorito.
R.C.: O fado hoje em dia, mais do que nunca, anda pelos palcos do mundo. No entanto, é importante manter-se nos bairros e nos espaços típicos onde se canta o fado desde sempre. Quais as diferenças entre pisar um palco numa casa de espetáculos ou numa grande arena?
Y.: É muito diferente. É extremamente diferente. É assim, pisar um palco e fazer um espectáculo seguido é algo muito intenso, é uma coisa muito física. Nós temos de conseguir naquele espaço de tempo, nos 40 ou 50 minutos, depende do espetáculo, temos de conseguir agarrar o público e não lhe dar aquela seca. Temos de conseguir equilibrar o espetáculo de forma a que o público aprecie desde o início ao fim. E é muito intenso, é preciso muita energia. Por exemplo, nas casas de fado é uma coisa mais de coração.
R.C.: Está-se muito mais próximo das pessoas, não é?
Y.: É, é mais cara a cara, “tête-à-tête”.
R.C.: Consegue-se olhar as pessoas olhos nos olhos…
Y.: É, é isso mesmo. Eles vêem melhor a nossa expressão, por isso é que aquilo que estou a fazer agora, que é a maquilhagem, é muito importante para a pessoa lá fora conseguir ver a nossa expressão. E o fado é muito de expressões, é como se estivéssemos a contar uma história, uma situação que nunca aconteceu na nossa vida, e temos de conseguir transmitir isso através da nossa força.
R.C.: E acha que isso é explicação do sucesso do fado além-fronteiras? É o sentimento?
Y.: Sim, sem dúvida alguma. É isso que o torna diferenciador! A nossa poesia é muito rica. Para mim, a parte da lyrics, a parte da letra, o português para mim é dos povos mais ricos a nível de texto.
R.C.: Na sua opinião, o que é que fez com que o fado passasse hoje em dia a estar outra vez na moda, ou seja, novamente tão ouvido como não era aí há 15, 20 anos atrás?
Y.: Esta situação de ter passado a Património da Humanidade ajudou bastante.
R.C.: O fado é uma canção que representa muita emoção. Nos dias em que se sente mais nostálgica, ao estar em cima de um palco, essas emoções ficam maiores ainda?
Y.: Muito maiores. Quando nós estamos mais sensíveis, acho que ainda conseguimos transmitir mais aquilo que queremos, o que o fado quer dizer.
R.C.: E o facto de estar agora grávida, essas emoções estão muito maiores também?
Y.: Há situações que sim, que a gravidez ainda nos sensibiliza mais um bocadinho.
R.C.: Então e quando ouve uma sala inteira a cantar, isso faz com que cante ainda com mais garra, ou as emoções fazem com que quebre um pouco?
Y.: Não, dá vontade de cantar mais, quando o público me dá, eu ainda tenho mais vontade de dar ainda mais ao público.
R.C.: Que cuidados tem com a voz?
Y.: Nenhuns! Bebo muita água, durmo as horas suficientes, e não fumo nem bebo. É um cuidado.
R.C.: No seu caso, nasce-se fadista?!?!
Y.: Eu acho que sim!
R.C.: E se não fosse fadista?
Y.: Seria enfermeira! Tinha acabado o curso!
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