Em novembro de 2015 utilizou a rede social Facebook para dar uma notícia de que tinha cancro da mama. Qual foi a primeira coisa em que pensou quando recebeu o resultado do exame?

Rigorosamente nada. Um vazio e uma espécie de dormência. Lembro-me de deixar de ouvir a maior parte das coisas que o médico ia dizendo. Foi como se alguém tivesse carregado na tecla mute e eu tivesse ficado só a ver o olhar do meu médico e as suas expressões faciais.

Como é que descobriu que tinha cancro da mama? 

Sempre estive desperta para o tema. Aliás, das primeiras coisas que passei a fazer quando comecei a trabalhar de forma mais consistente e sem que ninguém me dissesse para tal, foi tirar parte do meu ordenado para um seguro de saúde o mais completo possível. Fiz questão de o fazer. E, sem saber o que me estava reservado, foi dos melhores investimentos em mim já que no público, ecos e mamografias só são prescritas em casos específicos antes dos 30 anos.

Tinha conhecimento de casos na família de outros tipos de cancro e desde cedo que comecei a fazer os exames de rotina e o autoexame. Foi assim que descobri um nódulo na mama esquerda, durante o banho

Tinha historial na família de cancro da mama que a fizesse suspeitar de uma doença grave?

Tinha conhecimento de casos na família de outros tipos de cancro e desde cedo comecei a fazer os exames de rotina e o autoexame. Aliás, foi assim que descobri um nódulo na mama esquerda, durante o banho.

Na altura teve consciência da gravidade do diagnóstico e do que isso implicaria dali em diante?

No início não tive noção que algo tão sério estivesse a acontecer, mas a informação não chega toda de uma vez no mesmo dia, nem é preto ou branco. Há muito para processar, por isso, não percebi logo a dimensão do que me esperava: o tratamento, os possíveis efeitos colaterais e o impacto que teriam na minha vida e saúde. Só tinha uma certeza: o querer resolver o que quer que fosse, e como fosse, o quanto antes.

No início não tive noção que algo tão sério estivesse a acontecer

Foi diagnosticada com cancro da mama num período particularmente difícil da sua vida, que coincidiu com o término de uma relação tóxica. Neste momento delicado quem é que lhe deu força?

O que me deu força, acima de tudo, foi a vontade que eu tinha de viver. De cumprir sonhos ainda por realizar, viagens por fazer, pessoas por abraçar, verbalizar que as amava. Esse foi o meu maior motor e, sem dúvida, o meu grupo de amigos mais chegados que me rodearam de amor, de paciência, de generosidade e de colo. Sem eles teria sido tudo muito mais doloroso e menos risonho. Fizerem questão de se fazerem presentes, iam comigo a consultas e tratamentos e tentavam sempre não me deixar sentir sozinha ao longo deste processo. Viva os anos que viver, sou-lhes grata por isso.

Não há um padrão. Apesar de haver muitas histórias que se tocam, cada pessoa vive e sente de sua forma. Eu por exemplo nunca senti raiva. Desespero também não

Um diagnóstico de cancro traz à tona uma grande avalanche de sentimentos menos bons como choque, raiva, tristeza, medo e desespero. Como é que foram as semanas e meses que se seguiram a este diagnóstico?

Nem sempre. Há pessoas que vivem o momento com esses sentimentos, outras com parte deles e outras sem nenhum deles. Não há um padrão. Apesar de haver muitas histórias que se tocam, cada pessoa vive e sente da sua forma. Eu, por exemplo, nunca senti raiva. Desespero também não. Choque sim, pelo confronto com a possibilidade de finitude. Medo, também senti pelo desconhecimento de tudo o que estaria por vir e de como o meu corpo iria reagir aos tratamentos. Não foram dias fáceis, não há como serem. Mesmo sendo eu uma pessoa positiva, tive dias em que me fui abaixo: dias de incertezas, dias em que os tratamentos me deixaram mais fragilizada e dependente do que imaginaria. Mas também tive os dias mais bonitos da minha vida. Onde tudo o que me chegava era amor e solidariedade. E foi no meio disso tudo, dos altos e baixos, que aprendi que, estando ou não doente, aceitar o processo, o momento, seja ele feliz ou triste, é essencial para viver com mais leveza de espírito e saúde emocional. Cada emoção e vivência é parte da minha jornada. Acredito ter sido muito importante para a minha recuperação, ter aprendido a gerir e digerir as várias fases.

Na época foi obrigada a comunicar publicamente, e contra a sua vontade, este diagnóstico. Isso causou-lhe revolta por não poder escolher quando partilhar este momento tão frágil da sua vida?

Hoje sei que foi como tinha de ser, que eu tinha de saber que ia sair uma notícia sobre mim antes mesmo de muitos dos meus saberem que eu estava doente. E tinha de decidir ser eu a fazê-lo e não um meio de comunicação. Mas, no momento, confesso que foi das poucas vezes em que me revoltei.  Porque eu ainda nem tinha o meu diagnóstico completo, ainda estava a lidar com a situação e a última coisa em que pensava era de no momento precisar de o trazer a público. Porém eu acredito cada vez mais que nada acontece ao acaso e tinha de acontecer como foi. E a verdade é que, após a minha partilha, a onda de amor que me chegou das mais diversas formas, tomou um papel importante no meu estado de espírito.

Hoje sei que foi como tinha de ser. Que eu tinha de saber que ia sair uma notícia sobre mim antes mesmo de muitos dos meus saberem que eu estava doente. E que eu tinha que decidir ser eu a fazê-lo e não um meio de comunicação. Mas, no momento, confesso que foi das poucas vezes em que me revoltei

Para mim era tudo novo e ter mulheres a dividirem a sua experiência comigo, que estavam também elas a passar pelo mesmo ou que já estavam bem, amigos e familiares de quem viveu um cancro a dividirem comigo informação... Mas acima de tudo a darem a mão e vice-versa. O que começou de uma forma menos bonita tornou-se algo inspirador para mim, mas também para quem estava na mesma situação. Se na altura teria escolhido viver o máximo tempo possível no meu recato? Sim. Mas só vivendo o que vivi é que aprendi a importância de dividir. Sobretudo o que nos dói. A dor dividida não deixa de doer, mas fica menos dolorosa, menos pesada. Fica acompanhada e alivia o coração percebermos que não estamos sozinhos.

Sete meses após o diagnóstico deu início ao processo de quimioterapia, submeteu-se a uma remoção mamária e depois um ciclo de radioterapia. Como é que estava a sua saúde mental durante o tratamento oncológico? Sentiu necessidade, em algum momento, pedir ajuda?

Foram 11 meses de tratamento com vários momentos onde também fui acompanhada pela minha psicanalista. E, como já disse, esse momento da minha vida ensinou-me a importância de dividir. Costuma-se dizer que duas cabeças pensam melhor que uma e fez-me todo o sentido. Ninguém é supermulher ou superhomem efetivamente. E está tudo certo. Vivemos cada vez mais a cultura da vida perfeita, sempre iluminadas e sorridentes. Porque a sociedade tende a ter vergonha, “os problemas resolvem-se em casa”. Critica-se quem se mostra vulnerável.

Eu não tenho problema algum em assumir e falar livremente das minhas vulnerabilidades assim como falo das minhas alegrias e sucessos. Respeito quem pense de forma diferente da minha, mas tenho para mim que deveríamos viver rodeados de pessoas melhores e mais saudáveis. O que guardamos e calamos adormece-nos a alma e o corpo. E não sou eu que o digo, felizmente já muito se estuda sobre isso.

Se eu na altura teria escolhido viver o máximo tempo possível no meu recato? Sim. Mas só vivendo o que vivi é que aprendi a importância de dividir. Sobretudo o que nos dói

Pelo quinto ano consecutivo, volta a ser embaixadora da campanha Outubro Rosa da Intimissimi e da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Quais os objetivos desta iniciativa solidária?

É uma honra, pelo quinto ano consecutivo, ser embaixadora da campanha Outubro Rosa em parceria com a Intimissimi e a Liga Portuguesa Contra o Cancro. Esta iniciativa tem como principal objetivo sensibilizar e alertar para a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do cancro da mama. Queremos que as mulheres fiquem mais atentas aos sinais do seu corpo, que percebam a tamanha importância de fazer o autoexame e os seus exames regulares. Que percebam que, quando diagnosticado numa fase inicial, o desfecho é quase sempre positivo. Já o contrário aumenta as possibilidades de insucesso. Então que não tenham medo de cuidar de si, da sua saúde.

Esta campanha visa também angariar fundos que apoiem a investigação científica e o apoio direto a quem está a viver esta doença e as suas famílias. É naturalmente uma causa que me toca profundamente e tenho-a como missão. Isto porque acredito que, dividindo as nossas histórias, unimos esforços, partilhamos dores, alegrias, experiências, conhecimentos e estamos, com certeza, a ajudar muitas mulheres a sentir que não estão sozinhas e que há esperança, mesmo nos momentos mais difíceis.

Esse momento da minha vida ensinou-me a importância de dividir

Tendo em conta o tema desta campanha – “Está tudo bem, confia” – o que gostaria de dizer a outras mulheres que possam ter sido confrontadas com um diagnóstico de cancro da mama?

A mensagem que gostaria de deixar, tendo em conta o tema desta campanha é que, embora o diagnóstico de cancro de mama seja assustador e transforme a nossa vida de um momento para o outro, é importante acreditar que, com os avanços da ciência, o apoio certo e a informação adequada, há esperança. Felizmente os casos de sucesso são, cada vez mais, a maior fatia deste bolo. Mas é normal existir medo, chorar, ficar assustada ou, pelo contrário, usar o humor e o amor como ferramentas de combate a esta doença. Porque não?

Acredito que é necessário saber parar, olhar para nós com olhos de ver. Passamos tanto tempo a cuidar de tudo e de todos e nós? Onde ficamos?

Acredito que é necessário saber parar, olhar para nós com olhos de ver. Passamos tanto tempo a cuidar de tudo e de todos, e nós? Onde ficamos? É crucial parar e cuidar das nossas emoções. Nós somos emoções e já se estuda há muito a ligação do stress/emoções a todos os tipos de doenças, em particular ao cancro. Escolham quem vos rodeia e se vos potencia, apoia e estimula, quem nos acolhe em vez de quem nos rouba a energia... Até porque vão precisar muito dela.

Deixo um abraço apertado daqueles com coração a quem está neste momento a viver esta doença. Dizer que sei bem que não está a ser fácil, leve e simples, já todos sabemos. Mas na dúvida agarrem-se a tudo: aos sonhos ainda por concretizar, à vossa família, filhos e amigos. Façam coisas que vos fazem bem, que vos alivie a alma. Agarrem-se à vontade, que acredito que tenham, que este momento seja uma história para contar um dia, que vos elevou a um lugar de maior autoconhecimento e sabedoria. Mas que o processo passe rápido e que o final seja sorridente. Fico deste lado a torcer e a enviar as melhores energias.