Tiago Bettencourt vai subir ao palco do Coliseu dos Recreios amanhã, 20 de dezembro, para um concerto inspirado no projeto 'Tiago na Toca', que nasceu do confinamento.

Pela primeira vez a solo nesta que é uma das salas mais prestigiadas do país, o músico esteve à conversa com o Fama Ao Minuto sobre as expectativas para a atuação. E não ficou por aqui.

A ambição de uma carreira internacional e os planos para a quadra natalícia também foram temas nesta conversa.

Está prestes a reencontrar-se com o público ao vivo com um concerto muito especial. ‘Tiago na Toca’ é, na verdade, um projeto fruto da pandemia.

Sim, mas o nome ‘Tiago na Toca’ já existia, vem de um projeto que gravei mais ou menos há dez anos, um CD que se chama ‘Tiago na Toca e os poetas’. No fundo foi coincidência, quando pensámos em fazer uns diretos lembrei-me que já tinha um nome para os diretos. Fiz renascer este projeto que já existia antes. O princípio era em cada direto tocar uma música deste álbum ‘Tiago na Toca’ em que musiquei poetas, fiz versões de fados…

Este concerto no Coliseu dos Recreios está intrinsecamente ligado a este projeto fruto da pandemia ou vai contar com outros temas?

Vou tocar tudo, mesmo nos diretos tocava as minhas músicas. Nunca fiz só versões, a ideia das versões era só para dar um gostinho diferente.

Como recorda esse período em que atuou para as redes sociais?

A ideia dos diretos veio de um concerto que dei para o festival ‘Fique em Casa’. O que não gostava nos diretos era a ideia de que dava pouco trabalho a quem estava a dar o direto. Só vias a cabeça da pessoa a olhar e a cantar, e achei muito mais interessante arranjar um quadro e captar bem o som, que era uma coisa que não ouvia em lado nenhum, o som bem captado. Tentei fazer uma coisa mais bem trabalhada. Nesse festival teve uma reação muito positiva, então decidimos fazer os diretos.

Acho que o mundo inteiro percebeu que a cultura, a arte, foi o que manteve a sanidade mental de muita gente

Guarda boas ‘ferramentas’ desses tempos?

Foi uma experiência muito engraçada, mas não gosto mais de fazer diretos do que de dar concertos. Por isso, não tenho saudades disso. Acho que me fez trabalhar durante o confinamento, manter a cabeça ocupada, davam muito trabalho os diretos e era muito interessante a interação através das redes sociais, onde não sou muito forte. Mas acho que não substitui nem por um segundo um concerto ao vivo.

Mas não digo que não haja circunstâncias em que os concertos online sejam uma hipótese mesmo depois do confinamento. Uma família está em casa, apetece-lhe ver um concerto e vêem com colunas boas… Se um dia acontecer, será muito pontualmente e não vai nunca substituir os concertos ao vivo.

Quais as expectativas para 20 de dezembro no Coliseu dos Recreios?

Nunca dei um concerto sozinho num sítio tão grande. Vai ser um desafio. Vou ver de que maneira consigo interagir com o público e tornar aquilo numa sala de estar como era a minha sala de estar em casa. Vou tentar passar para o palco do Coliseu o que se sentia nos diretos.

O que é que nunca faltou ao longo destes quase dois anos na “toca”, como lhe chamava?

Acho que me refugiei na cultura. Acho que o mundo inteiro percebeu que a cultura, a arte, foi o que manteve a sanidade mental de muita gente. O que me inspirou enquanto cá estava foram os livros que li, a música que ouvi, os filmes que vi, foi toda a cultura que todos precisamos para sobreviver. Mas não acho que a minha casa tenha mais nada do que as das outras pessoas.

O Brasil está-se pouco marimbando para Portugal. Podem dizer que somos muito amigos, mas a verdade é que conhecem o Roberto Leal e pouco mais

Há alguma curiosidade do público em saber como é que os artistas, cujas agendas os obrigam a andar de um lado para o outro, aproveitaram os dias inteiros confinados em casa.

Passei o tempo todo a ensaiar para os ‘Tiago na Toca’ porque aquilo dava muito trabalho. Não compus nada porque realmente não tinha tempo. A minha agenda não é assim tão ocupada como possa parecer, tenho alguns concertos, mas não tenho concertos todos os dias, nem por sombras. A minha vida não mudou por aí além, já passava muito tempo em casa. O que deixei de poder fazer foi viajar, mas viajar por mim. Infelizmente, não vou tocar lá fora porque a minha música não faz parte de um mercado que é o World Music, em que só músicas mais tradicionais é que entram. O meu mercado é muito em Portugal.

Essa expansão a nível internacional era algo que ambicionava ou está confortável com o seu percurso?

Nunca estou satisfeito. Obviamente que gostava de ter uma carreira muito mais internacional, mas para isso precisava que o mundo lá fora estivesse muito mais aberto para ouvir o meu tipo de música, cantada em português, e não está, nem o Brasil está. O Brasil está-se pouco marimbando para Portugal. Podem dizer que somos muito amigos, mas a verdade é que conhecem o Roberto Leal e pouco mais. O que não quer dizer que não haja artistas que vão lá e que esgotem salas, principalmente no fado, mas não há um incentivo do lado de lá para ser mais do que um concerto pontual.

Por isso, é muito difícil para mim ir lá fora. Já fui a Macau, ao Luxemburgo, mas somos um país que nunca soubemos dar valor à sua cultura, nunca usou a riqueza da sua cultura para se mostrar ao exterior como bandeira do país. Temos que viver com o que temos. Aliás, a Mariza teve de ir sozinha lá para fora, mas foi pelo próprio pé, não foi com apoios de ninguém.

Vou passar o Natal com a minha família. Este concerto também vai acabar por ter muito de natalício

De alguma forma sente desânimo ou mágoa, ou lida bem com o facto de a sua carreira não ter, até agora, tido tanta visibilidade lá fora?

É um processo, há dias em que me irrita um bocado. Viajo muito porque é muito claustrofóbico trabalhar só para Portugal. Mas gosto muito da minha língua. Podia cantar em inglês, mas gosto tanto de cantar em português e acho que faço isto de maneira tão especial que não me apetece fazer isto com outra língua.

Acho que esta nova geração na indústria é um bocadinho mais esperta e visionária. Talvez daqui a uma ou duas gerações Portugal vá começar a exportar um bocadinho mais de música. É uma evolução.

É fã da época natalícia?

Sim, acho que todos gostamos. Agora, como os números começaram a aumentar, está tudo um bocadinho com medo. Já tive um almoço que junta os primos afastados que foi cancelado. Mas vou passar o Natal com a minha família. Este concerto também vai acabar por ter muito de natalício. Já dei dois concertos no Coliseu por esta altura e acho que o Natal contribui sempre.

Acho que temos de começar a pensar na pandemia como uma endemia

Tem alguma tradição que cumpra religiosamente?

Não, é um improviso todos os anos. Tenho só a tradição de passar com a minha família.

Sendo fã de viajar, nunca passou o Natal num destino de sol?

Os meus pais não me iam perdoar. Adorava, deve ser muito giro, mas ia ofender muito os meus pais.

Falou em aumento de números. De alguma forma assusta-o um possível 'retrocesso'?

Não mando em nada, temos que ir aceitando a maneira como o Governo resolve lidar com a pandemia. Só rezo para que, se as coisas piorarem, se preserve o máximo possível a segurança nos concertos ao vivo, acho importante manter esta área que foi das mais afetadas. De resto, acho que temos de começar a pensar na pandemia como uma endemia.

Quase a fechar este ano, que perspetivas tem para 2022?

Falta-me apresentar o meu álbum novo em Lisboa e no Porto e vamos continuar a apresentar '2019 rumo ao eclipse', que saiu há um ano e que estamos a levar para as salas em tour.

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