Com formação em jornalismo, e depois de ter passado pela Rádio Renascença, Júlia Pinheiro foi para a televisão com o “objetivo de ser pivôt de informação”. No entanto, acabou por entrar e ‘brilhar’ também no mundo do entretenimento.
Ao longo do seu percurso profissional, passou pelas três televisões (SIC, RTP e TVI), e esteve à frente de diversos tipos de programas.
‘Praça Pública’, ‘A Noite da Má Língua’, ‘O Elo Mais Fraco’, ‘Quinta das Celebridades’, ‘Secret Story’ e 'As Tardes da Júlia', são alguns dos muitos programas que já apresentou, estando agora com o ‘Queridas Manhãs’ ao lado de João Paulo Rodrigues. Um grande percurso que foi partilhado com o Notícias ao Minuto.
Júlia Pinheiro abriu a porta do seu camarim para uma viagem à sua carreira e vida recheada.
Qual o balanço que faz do programa 'Queridas Manhãs'?
É um balanço muito bom porque este é um género que gosto muito de fazer. O day time, para além das suas vantagens económicas, é uma espécie de espinha dorsal de uma estação. Dá muito a identidade à antena. Hoje, seis anos depois, sinto que é uma caminhada - que agora particularmente está a ter uns efeitos muito interessantes - que é muito combativa. Tenho uns concorrentes fortíssimos, que é o 'Você na TV' (TVI). Vivo aquela cena meia esquizofrénica que é gosto muito dos meus concorrentes.
"Hoje estou no auge absoluto das minhas capacidades"
Quais considera serem as características que definem um bom apresentador?
A coisa mais importante de todas é ser capaz de ter uma identidade própria. Uma personalidade única que o próprio tem que adequar ao formato que tem na mão. Depois essa capacidade de entender que cada formato novo que tem, tem que ter uma singularidade. É preciso ter uma grande capacidade de improviso, ter uma inteligência emocional muito grande. É preciso ter uma coisa que muita gente não tem que é a capacidade de ouvir. Grande parte das boas entrevistas fazem-se do que se ouve, não do que se pergunta.
Hoje estou no auge absoluto das minhas capacidades. Tenho as técnicas todas e entendo tudo, percebo tudo o que se está a passar à minha volta. Durante muito tempo, talvez não tivesse uma perceção tão periférica. A televisão é apaixonante por isso, porque são muitas as variantes envolvidas. Há muitas pessoas que acham que não. Acham que é chegar cá, colocar a maquilhagem, escolher um vestido e andar para a frente. Eu tenho uma vantagem acrescida, que é, como tenho a direção de conteúdos, penso muito neles antes de os fazer, de os apresentar. Antes de eles serem levados à antena eu já antecipei uma série de problemas, percebi uma série de coisas. Engano-me, claro, todos nos enganamos. Mas há partida já tenho um trabalho de reflexão muito grande quando chego à antena. Depois [também] com uma verdade, hoje em dia acho que é transversal, mas no passado as pessoas componham muito um personagem. Hoje acho que não.
Acha-se um exemplo na profissão que exerce?
Seguramente tenho um percurso feito de uma diversidade imensa. Atualmente, devo ser a pessoa que mais formatos diferenciados fez. Não falei aqui, nem de sombras, em todos os programas e os projetos diferentes que fiz. [Mas] sim, acho que posso ser uma referência, mas não me cabe a mim dizer.
"A Cristina antecipou-se muito, e muito bem"
Hoje em dia os apresentadores são uma marca?
São, absolutamente. Há a possibilidade de nós nos transformarmos em marca de tal forma que um dia - que não estará muito longe - as televisões já não terão grelhas verticais como hoje temos e verão televisão em streaming. Vão buscar aquilo que entenderem e irão buscar o programa, não pelo programa que está a dar às 10h ou às 22h, mas pela pessoa ou pelo conteúdo que essa pessoa apresenta. Nessa altura, temos que ser completamente marca porque se não tivermos marca não existimos. Por isso é que eu fui para o digital e faço um esforço para ter uma visibilidade já nesse mundo.
Aquela que fez, de facto, melhor essa transição e que já tem esse caminho todo feito é a Cristina. Antecipou-se muito, e muito bem, a este movimento que todos nós ainda estamos a fazer, uns com mais segurança outros menos, uns a investir mais outros menos. Ela neste momento é marca como ela própria, é uma marca comercial muito forte, embora ache que ela não devia agarrar tantos chapéus ao mesmo tempo, mas isso ela é que sabe da vida dela. Já tem a sua linha de sapatos, roupa, perfumes… Acho que Portugal não comporta muitos fenómenos desses porque temos um mercado muito pequenino. Mas acho que ela fez muito bem. É um exemplo a esse nível, da capacidade de combinar notoriedade com uma visão de empreendedorismo e de transformação do seu próprio nome, no negócio, que é notável.
Como é que vê a evolução da televisão?
Estamos nos últimos anos da televisão convencional. A forma como nós produzimos televisão hoje, como tudo isto está a ser feito, vai-se alterar profundamente e não vai demorar muito tempo. O que se está a verificar é que os anunciantes têm hoje uma visão totalmente diferente daquilo que precisam e onde é que querem por o dinheiro para comunicar. A televisão em sinal aberto ainda faz falta, mas daqui a mais algum tempo já não fará. Estamos a viver os últimos anos de uma era, de uma envolvência cultural e industrial que vai mudar. Vou ter muita pena quando isso acontecer. As pessoas já não se encontram nas cidades, nas vilas. Quando as pessoas começaram a ficar isoladas, a televisão era a janela para o mundo. Fazia convergir ali as famílias à volta do monitor, no dia seguinte falava-se dos programas que tinham visto... A televisão tinha um efeito aglutinador social. No futuro vai deixar de ter e acho que vamos ficar tão fragmentados. Cada um terá a sua televisão própria e já não saberá o que há-de falar com o vizinho do lado. A televisão ainda aglutina gente, esta que fazemos, a do futuro não sei.
Com a chegada do 25,º aniversário, a SIC fez algumas alterações. Considera que as mais recentes apostas do canal já deviam ter sido pensadas antes ou chegaram no momento certo?
Não. Nós estamos a redimensionarmo-nos enquanto grupo de media e era inevitável que o fizéssemos. Não me cabe a mim, nem será elegante para mim, fazer essas considerações. Mas acho que estamos a reagir no momento certo. Vamos mudar para o edifício principal da Impresa em breve e isso vai trazer uma série de organizações que nós precisávamos de fazer, porque este nosso pequeno edifício mãe da SIC era um armazém que tinha sido feito para armazenar bananas. Fomos crescendo aí sem nunca o planificarmos muito bem. Agora, esta estação está pela primeira vez a refundar-se como orientação.
"Quando apareceu a televisão, a rádio ia morrer, e não morreu… Tudo se reinventa"
Foi noticiado recentemente que o grupo Impresa quer vender algumas publicações para se focar na televisão e no digital. Teme pelo futuro da SIC?
Sobre questões internas da Impresa eu remeto tudo para onde de direito. Em relação àquilo que é o futuro dos media no geral, acho que temos que ser cautelosos, atentos, que perceber muito bem a singularidade história. Estamos, de facto, numa mudança de ciclo. Não sei ver o futuro, mas acho que sim, tudo se transforma com o tempo. Quando apareceu a televisão, a rádio ia morrer, e não morreu… Tudo se reinventa. Vamos-nos reinventar mais uma vez.
Se hoje tivesse uma proposta noutra estação aceitava?
Dificilmente. Para já acho altamente improvável que isso aconteça porque este não é o momento. Não estamos na fase das contratações. Mas nunca se diz que não. Se me aparecesse uma proposta extraordinária, se a Oprah me ligasse...
"Não me importo nada de ser caricaturada por causa da voz. Acho que Cristina Ferreira está no mesmo caminho"
Já disse que chegou a frequentar o conservatório por causa da sua voz... Acha que hoje em dia isso ainda é um problema?
Não até porque [a voz] está muito mais grave, agora que estou a ficar mais velha. Isso foi no passado. Tem graça que há muitos atrás o meu marido disse-me uma vez: ‘A tua voz vai ser a tua impressão digital e ainda vais ser muito bem sucedida com ela’. E estava cheio de razão. É a minha impressão digital. Não me importo nada de ser caricaturada por causa da voz. Isso significa que as pessoas me reconhecem. Acho que Cristina Ferreira está no mesmo caminho. Ouvi um senhor a dizer que ‘eu tinha perdido o título de diva esganiçada para a Cristina Ferreira’. Mas este é um título que eu não me importo de perder.
No passado houve uma fase que isso me deixou triste, principalmente quando trabalhava na rádio. Nessa altura, as vozes tinham que ser primorosas, fantásticas e maravilhosas. Ainda hoje não sei como é que me contrataram para a rádio. Acho que consigo provocar uma certa empatia e sou muito atrevida, no sentido de ser determinada. Quando tenho um foco, saiam-me da frente porque eu vou ter aquilo que quero.
De vez em quando, fala-se de desavenças entre a Júlia e Teresa Guilherme. Há de facto muita rivalidade em televisão ou isso é simplesmente alimentado pela imprensa?
Não há rivalidade nenhuma entre mim e a Teresa. Ela disse umas coisas desagradáveis a meu respeito e pronto, eu não retribuí. Nós na televisão temos, como em qualquer atividade, pessoas com quem simpatizamos mais e menos. Gosto muito de grande parte dos meus colegas com quem tenho relações profundíssimas de amizade, nomeadamente no caso dos meus concorrentes diretos. Tenho uma estima, uma consideração e amizade imensa pelo Manuel Luís Goucha, adoro o João Paulo Rodrigues – que é quase meu filho - a Cristina Ferreira é a minha filha televisiva...
"Diria que 70% do que é escrito é inteiramente falso e os outros 30% é vagamente"
Mas dá valor ao que é dito na imprensa?
Hoje não. Mas isto também tem muito a ver com a maturidade. Se eu aos 55 anos ainda estivesse preocupada com aquilo que escrevem ao meu respeito, estava na altura de vir para casa. Já escreveram tanto. O que interessa são as relações das pessoas, a maneira como as pessoas se posicionam e como estão ao nosso lado, ou não, num momento de aflição. E isso, graças a Deus, tenho sido mais do que mimada. Tenho tido muitas manifestações de estima e de amizade por parte dos meus colegas e espero tê-las retribuído da mesma forma. Diria que 70% do que é escrito é inteiramente falso e os outros 30% é vagamente.
Já lançou três livros, sendo que o último foi em 2015. Já está a preparar uma nova obra?
Estou a escrever outro…
E pode adiantar algum pormenor?
Está a ser mais lento. Tinha como intenção de dois em dois anos produzir um romance, mas os meus últimos anos não me têm permitido isso. O último, ‘Castigo Exemplar’, estava a escrever esse e já tinha outro ao lado, mas depois aconteceu aqui uma coisa que eu não estava à espera. O grupo Impresa deu-me mais uma série de responsabilidades que não esperava e que são muito esgotantes. Portanto, tenho três áreas: a direção de conteúdos de televisão; a direção do entretenimento e lifestyle; e, a direção do digital na área do entretenimento.
[Com mais] um programa diário, isto deixa-me com muito pouco tempo. Também estou um bocadinho mais velha e a resistência não é a mesma, não se consegue fazer tanta coisa ao mesmo tempo. Mas sim, está outro livro a correr e este ainda por cima é um bocadinho mais ambicioso, quer no tempo, quer nos locais que visito. Tenho uma triangulação complexa entre Portugal, Espanha e Brasil. É a história de um homem, - ao contrário de normalmente serem histórias de mulheres – um tipo que me dá que fazer. Mas há-de sair.
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