São os 350 hectares do Central Park que se impõem ao vidro, ao aço e ao cimento da cidade. Este fantástico parque urbano faz, há muitos anos, parte dos meus percursos na Big Apple quando vou a pé até ao Metropolitan Museum of Art ou ao Museu Guggenheim, pelo meio do parque, até à Rua 89, longe dos engarrafamentos da 5ª Avenida, um dos ex-líbris de Nova Iorque, nos EUA.
É um alívio do ambiente poluído das ruas quando percorrido e um descanso para a vista quando visto de cima. Veja a galeria de imagens que mostra o pulmão verde que foi encaixado no centro da cidade que nunca dorme.
A criação do Central Park
A densidade de construção e o aumento da população da cidade para o quádruplo em meados do século XIX levou à necessidade da criação de um espaço arborizado onde os habitantes se pudessem refugiar nos seus tempos de lazer. Paris tinha o Bois de Boulogne, Londres o Hyde Park e Nova Iorque, capital do novo mundo, não lhes podia ficar atrás. Pensou-se em grande e sem escrúpulos.
Expulsaram-se os cerca de 1.600 afroamericanos e emigrantes irlandeses que viviam tranquilamente entre a Rua 59 e a Rua 106 (mais tarde foi expandido até à Rua 110), arrasaram-se as várias comunidades e entregou-se o projeto a Frederick Law Olmsted e a Calvert Vaux, vencedores do concurso para a construção do parque que abriu ao público em 1858.
As influências europeias
Frederick Law Olmsted tinha feito várias viagens à Europa e passado temporadas em Londres, pelo que o desenho do parque é muito inspirado no jardim de paisagem inglês, já que, sendo inteiramente artificial, dá a ilusão de uma paisagem natural a quem o percorre. Passei lá cerca de 04h00 de uma manhã de domingo, sendo a primeira vez que me decidi a percorrê-lo todo pelo interior, sem destino fixo, apenas pelo prazer de poder andar livremente, sem carros, nem buzinas, nem fumos.
De Central Park South que o delimita a Sul até à Rua 110, o seu limite a norte, entre a 5ª avenida a nascente e Central Park West no dito, a única rigidez que se encontra na sua composição é o formato. Um retângulo perfeito, cuja forma é bem visível do topo do Rockfeller Center, de onde podemos apreciar como é um elemento totalmente integrado na grelha urbana da cidade, que, como se sabe, é geométrica.
O facto para mim mais notável do Central Park é a genialidade da sua conceção sem vistas e resguardado do exterior. Esquecemos os automóveis e a demência da rua nova-iorquina para apenas ouvirmos o murmúrio da água corrente, o cantar dos milhares de pássaros que lá habitam, o vento a sacudir as árvores e uma ou outra pitada de conversa. O Central Park é um mundo à parte.
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As curiosidades da conceção
O parque foi inteligentemente concebido com um misto de intimismo e de espaço social pelos seus dois criadores, sem que até hoje se saiba qual deles tem mais direitos de autor. Com apenas 0,8 quilómetros de largura, os dois arquitetos projetaram habilmente que as suas vistas fossem vistas na diagonal criando uma ilusão de amplidão do espaço.
Por outro lado, as quatro avenidas que atravessam o parque na sua largura foram feitas a céu aberto mas 2,43 metros abaixo da cota do solo, à semelhança dos ha-ha dos jardins de paisagem ingleses são invisíveis.
A inspiração do jardim de paisagem inglês
A influência do jardim de paisagem inglês faz-se também notar na abundância de construções que surgem como pontos de referência da composição. As várias pontes rústicas e neogóticas, a fonte de Bethesda, o Castelo de Belvedere, os vários lagos, o reservatório com o seu repuxo central e o obelisco, só para citar alguns, ajudam-nos a orientar no emaranhado de caminhos sinuosos por entre árvores, ribeiros e pedregulhos.
O único apontamento formal do parque é a alameda de acesso à Fonte de Bethesda, uma fonte escultórica de gosto duvidoso que se apresenta como uma alegoria aos poderes regenerativos do parque. Como sucede com quase todos os parques e jardins públicos, a história do Central Park é uma história de períodos de apogeu seguidos de fases de decadência. Objeto de sucessivas renovações, está presentemente devolvido ao seu desenho original tal como Olmsted e Vaux o conceberam.
As famosas histórias de crime
Como quase todos os parques, o Central Park foi durante muitos anos palco de tenebrosas histórias de assassinatos, assaltos e violações, que fizeram com que apenas a partir do século XXI seja considerado seguro percorrê-lo, graças à instituição de uma força policial própria, o NYPD Central Park Precinct.
A importância do Central Park para os habitantes de Manhattan, o coração nevrálgico da Big Apple, está patente no número de filmes lá rodados (contabilizei uma média de 15 filmes por ano) e no prestígio de quem habita na sua cercania. O east side, mais chique e formal, contrasta com o west side, poiso de artistas e boémios. Um parque a não perder na sua próxima visita à cidade que nunca dorme.
Texto: Vera Nobre da Costa
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