Uma visita guiada a um dos últimos jardins botânicos privados do séc. XIX em S. Miguel, criado por José do Canto ao estilo dos parques românticos ingleses e que se mantém na família há 17 gerações.
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Na Rua José do Canto, em Ponta Delgada, os portões sempre abertos de uma extensa ladeira permitem avistar uma colecção de árvores de porte atlético e copas invulgares. Apetece entrar.
É o jardim botânico José do Canto, que tem o nome de um micaelense abastado do séc. XIX que dedicou grande parte da vida à paixão pelo coleccionismo de plantas oriundas de todos os cantos do mundo e plantou e acarinhou em diversos parques da ilha.
A primeira impressão é deslumbrante: uma larga avenida ladeada por árvores seculares e vegetação luxuriante culmina numa estátua dedicada ao homem que ao longo dos anos fez crescer este retiro, criando um enorme pulmão verde no seio do bulício citadino micaelense que nos tempos áureos chegou a reunir 6 mil espécies diferentes.
Actualmente, este jardim de inspiração inglesa ocupa cerca de 6 hectares e os descendentes de José do Canto têm como principal preocupação manter a traça original do espaço e preservar as espécies que resistiram a vicissitudes de vária ordem.
Fama além-fronteiras
O Jardim José do Canto remonta a 1840. Pouco tempo mais tarde conhece o seu esplendor que conserva em grande força até à primeira metade do séc. XX. O jardim romântico tinha fama de ser o jardim mais belo da Europa, como o caracterizaram o Rei D. Carlos e a Rainha D. Amélia quando o visitaram em 1901.
A passagem da comitiva real está devidamente assinalada no jardim através de uma estátua com o busto do rei. Em 1886, o jardim recebe Edmond Goeze, director do Jardim Botânico de Coimbra, conforme destaca o actual proprietário, Augusto de Athayde, em livro dedicado à família.
Nas memórias da visita de Goeze lê-se: "O jardim José do Canto é inquestionavelmente o mais rico de todos, possuindo talvez mais de 3 mil espécies. Nenhum dos jardins particulares que tivemos ocasião de visitar na Europa lhe pode ser comparado".
Impressionado, Goeze chega mesmo a levar plantas oferecidas por José do Canto para enriquecer o jardim da cidade dos estudantes. A fama deste parque romântico ultrapassa fronteiras e o jardim recebe diversos estrangeiros ilustres, como Theodore Roosevelt, então ex-presidente dos EUA, e Alberto I, Príncipe do Mónaco e o argumentista Jorge Amado, entre outros.
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Jardim de influências europeias
As viagens a Inglaterra, proporcionadas pelas trocas comerciais de laranja, cultura que catapultou o desenvolvimento da economia da Ilha, levam José do Canto a descobrir o estilo dos jardins românticos ingleses do séc. XIX e muitas espécies exóticas desconhecidas da ilha encontram no clima de São Miguel condições excepcionais para evoluir.
É na capital inglesa que contrata o arquitecto que desenhou o jardim, David Mocatta, e os jardineiros que tomaram conta dos seus destinos ao longo de vários anos. O projecto do paisagista previa a construção de uma imponente mansão, de arquitectura exótica e desconhecida na ilha, no local onde hoje se encontra a estátua dedicada a Canto, mas nunca conheceu a luz do dia.
A sua preferência recaiu sempre sobre os jardins, e José do Canto torna-se mesmo um dos primeiros micaelenses a desenvolver viveiros para aclimatação de plantas exóticas.
Trocava correspondência com responsáveis de jardins botânicos e viveiros espalhados por toda a Europa, que lhe abriram as portas dos quatro cantos do Mundo em busca das últimas novidades do mundo da botânica. Financiava projectos de investigação na área e nomeou Francisco Arruda Furtado seu investigador pessoal, cientista que correspondia com Darwin e hoje é reconhecido pelo exemplar trabalho de investigação botânico.
Tratava as plantas como a sua própria família, como está devidamente documentado em correspondência com o seu primo José Jácome Correia, dedicação essa que lhe permitiu reunir uma das maiores colecções de espécies da Europa da época.
A imponente estufa que se encontra à esquerda da estátua erguida em homenagem a José do Canto ocupa 130 metros quadrados. Inicialmente, albergava uma colectânea de plantas ornamentais e faz parte do projecto do paisagista inglês David Mocatta.
A queda de uma árvore do jardim contíguo, actual sede do Governo Regional dos Açores, ditou, no entanto, a sua destruição parcial. A reconstrução obedeceu ao traçado original e a antiga estufa deu lugar a um pavilhão para eventos de diversa natureza.
Árvores raras e seculares
As principais áreas do jardim estão devidamente identificadas assim como as árvores mais raras, seculares ou de dimensões e portes, copas e troncos, fora do comum. A mais emblemática é um exemplar de Ficus Elástica, cujas raízes emergem do solo e estendem-se ao longo de uma boa parte do terreno.
Entre a panóplia de espécies com interesse botânico destacam-se uma azinheira (Quercus ilex), um exemplar notável da eugenia (Eugenia myrtifolia), um pinheiro de Damara (Agathis robusta australis) com dimensões raras, uma melaleuca styphelioides de porte impressionante, uma Cinnamomum camphora, um exemplar da Auracaria bidwill e ainda um metrosidero (Metrosiderus).
A antiga avenida das camélias que dá cor aos arruamentos delineados bem ao estilo inglês confere um colorido que contrasta com o verde dominante do jardim. A zona de bosque conduz à parte superior do jardim e a paisagem que daí se avista faz as delícias dos visitantes deste espaço classificado Imóvel de Interesse Público em 1993.
Esta zona selvagem contrasta com a paisagem mais organizada do jardim na zona mais baixa da propriedade onde saltam à vista colecções de bambus, incensos (Pittosporum undulatum) e bordões-de-São José (Crinum moorei). Muitas outras espécies exóticas dão vida a este jardim monocromático como os Podocarpos, Arbutus, palmeiras, banksias e cycas.
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Nos anos 40 do séc. XX, a propriedade onde o jardim está instalado, que pertence à mesma família há mais de 17 gerações, é menosprezada.
Após períodos conturbados em que esteve votado ao abandono, o jardim é recuperado por Augusto de Athayde, que tem vindo a catalogar as espécies originárias.
Na zona mais elevada da propriedade, foi edificada, já no séc. XX, a Casa do Jardim, palacete de estilo neoclássico construído com pedra de lavoura e cantaria da ilha, embora o projecto original nunca tenha sido concluído. O Jardim José do Canto adquiriu cunho turístico há cerca de 15 anos com a construção de uma estalagem cujas receitas permitem a preservação deste espaço secular.
Ainda no decorrer deste ano deverá ser criada a Fundação Jardim José do Canto, destinada a conseguir perpetuar a obra de um dos últimos grandes jardins privados de S. Miguel.
Jardim José do Canto
R. José do Canto
9500-076 Ponta Delegada
São Miguel, Açores
Telefone: 296 650 310
Fax: 296 650 319
E-mail: residencial_casa_do_jardim@hotmail.com
Internet: www.jardimjosedocanto.com
Área: 5,8 ha
Horário: Maio a Outubro das 9h às 18h; Novembro a Abril das 10h às 17h
Preço: 2,00 €
Casa do Jardim
Alojamento:14 quartos
Piscina
Sala de estar
Bar
Parque de estacionamento
Acesso grátis ao jardim
Preço: de 30,00 € a 65,00 € (com pequeno-almoço)
Texto: Rita Gonçalves
Foto: Luís Melo
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