Farmácias Portuguesas
Quando chegamos somos facilmente enganados. A Gafanha da Vagueira parece, à primeira vista, mais uma simples vila de Portugal. Rapidamente compreendemos o erro. Somos guiados por José Giro, proprietário da farmácia com o mesmo nome, a viver aqui há 25 anos. É ele quem nos abre as portas da Natureza de par em par, como se a terra, o verde, a ria e o oceano fossem seus. Uma atitude típica de uma gente habituada ao trabalho árduo, seja na terra, seja no mar.
Há quem saia para a pesca todos os dias. Duas, três, às vezes quatro vezes por dia. Encontram-se às 4h da manhã e pescam mediante a tradicional arte xávega, com os seus barcos altivos, de madeira e cores fortes, azul e vermelho principalmente. As redes puxam os cardumes, antigamente com a ajuda de bois, hoje com tratores aliados à força braçal de quem construiu sobre este trabalho a sua vida. Uma mão cheia de homens no meio do oceano, a contar com as poucas ferramentas de que dispõem, aliadas ao conhecimento milenar sobre os humores do mar e os seus indícios.
Quando voltam, convidam-nos para a mesa do almoço. «Caldeirada de peixe feita a rigor!», prometem. E cumprem! Uma mesa longa acolhe várias gerações de pescadores, famílias inteiras ligadas ao mar.
Dos surfistas aos estudantes do Erasmus
Depois partimos para o outro lado da praia, onde encontramos surfistas, banhistas, um bar de madeira cheio de boas energias e a garantia de que, exceto durante o mês de agosto, haverá sempre lugar para estender uma toalha sem esbarrar com os pés do vizinho da frente.
Por isso, é visita privilegiada de jovens e amantes dos desportos aquáticos e radicais. «Nos últimos anos, abriram aqui algumas surf houses», conta José Giro, garantindo que a Vagueira é também palco para a vida estudantil de quem vive ali ou de quem chega, oriundo de outros países, à boleia do programa Erasmus. Mudanças que impactam no dia-a-dia da Vagueira: «Apesar de continuar a ser uma vila tranquila, a verdade é que trouxe uma onda cosmopolita e deu-nos a possibilidade de ver outras coisas», comenta José Giro.
Uma abertura aplaudida pelo nosso anfitrião, também ele impulsionador da mudança e da criação de sinergias e projectos culturais, como são testemunhas as duas esculturas do artista Paulo Neves, natural de Cucujães, no centro da vila: a “Pá”, com 64 metros de comprimento e um peso de 15 toneladas, foi criada em 2015, partindo de uma pá eólica; e “O Jaquinzinho”, formado por um enorme garfo com um peixe no topo, este último feito com sucata e inspirado no livro “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway. Esta escultura foi feita em 2016 para marcar a primeira edição do Vagos Sensation Gourmet, um festival gastronómico na praia da Vagueira, que junta vários chefs de todo o país, ao mesmo tempo que inclui as relíquias da região.
Uma vontade de valorizar a arte pública, que surgiu «através da conjugação de vontades do artista, empresários e da autarquia, possibilitando a criação das obras a custos reduzidos», explica José Giro, também ele amante de arte, com vários amigos artistas, cujos trabalhos gosta de expor nas montras da sua farmácia.
Amor à primeira vista
Explicações dadas, avançamos um passo mais no tabuleiro das maravilhas da Gafanha da Vagueira: seguir pela ciclovia até à praia da Costa Nova, lugar de belas casas listradas, barcos luxuosos e boa comida, tornada ainda mais famosa com as gravações recentes de uma telenovela portuguesa.
Já no sentido oposto, contornamos a vila por fora, onde um manancial de altas árvores parece seguir-nos, como que a indicar o caminho. É o pinhal que une Aveiro à Figueira da Foz. Pelo caminho, passamos o parque das merendas e o moderno e bem equipado complexo da Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Vagos.
«Quando comprei a farmácia, nem sabia onde é que a Vagueira ficava no mapa», lembra, rindo, José Giro, natural de Santa Maria da Feira, e nós sentimo-nos redimidos pelo nosso engano inicial. E, depois, conclui: «Foi amor à primeira vista».
Não é difícil de entender. Nesta vila do concelho de Vagos, com cerca de 2.000 habitantes, há muitos espaços naturais, de beleza ainda pouco tocada pelo Homem. Aqui, a padroeira é a Nossa Senhora da Boa Hora, protectora das mães e santa da fertilidade. E assim, rapidamente, somos levados de volta aos barcos da arte xávega, que exalam uma certa exuberância, mas também uma ideia imaginada de proteção divina.
Texto de Rita Leça
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