O encontro era inevitável. Entre o Ritz de Lisboa e os designers de interiores Artur Miranda e Jacques Bec, já existia um elo invisível.
Em primeiro lugar, porque Artur cresceu com o hotel, para não falar de Portugal. Na adolescência, descobriu o que as artes decorativas e a criação contemporânea podem produzir, quando colocadas ao serviço do luxo e da arte do entretenimento. Em cada regresso para um encontro com amigos no bar ou no restaurante, nunca deixava de se fascinar por este hino à modernidade. Quando Jacques Bec fez de Portugal a sua segunda casa, ficou completamente enfeitiçado pelo espaço.
Vale a pena mencionar que o Ritz de Lisboa não se relaciona com o de Paris. O nome foi negociado porque simbolizava a excelência no ramo hoteleiro. Mas este Ritz não se inspira no da Place Vendôme, remete-nos antes para Nova Iorque, Rio de Janeiro ou Acapulco.
A sofisticação do Ritz enquadra-se com o início da década de 60, a data do seu nascimento. A elegância do espaço é estilizada, colorida e luminosa. Nasceu da vontade de Salazar em dar um palácio a Portugal. Para a concretização deste projeto, foi criada uma empresa de promotores, chefiada por Manuel Queiroz Pereira. Este último, confiou a construção ao arquiteto Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957).
Famoso pelo seu estilo modernista, o arquiteto projetou um edifício de dez andares em betão e vidro acima do centro de Lisboa. Fora do centro histórico, numa periferia da cidade, que o tornava facilmente acessível a partir do aeroporto e perto das estradas para Sintra e Cascais.
Porfirio Pardal Monteiro faleceu antes de terminar a obra. Foi o sobrinho António Pardal Monteiro quem completou o projeto. O hotel foi inaugurado a 24 de novembro de 1959. Hoje, os descendentes de Manuel Queiroz Pereira continuam a ser os proprietários do hotel, que é gerido pela Four Seasons Hotels and Resorts desde 1997.
No interior, os volumes têm o excesso de um manifesto modernista
Os 282 quartos têm o apoio de inúmeros elevadores, os salões são de proporções impressionantes e a infraestrutura técnica digna de um espaço à escala nova-iorquina. No entanto, Salazar pediu que esta radicalidade fosse atenuada, humanizada, através de uma decoração elegante e acolhedora.
Para realizar este pedido, o famoso decorador Henri Samuel (1904-1996) foi o eleito. A sua carreira estava em plena ascensão, e trabalhava numa série de residências Rothschild. Samuel tornou-se influente porque foi o primeiro a incorporar o ecletismo na decoração.
Amante das artes decorativas do século XVIII, era também fã de criações contemporâneas, como era visível no seu apartamento em Paris, onde um móvel de Boulle estava lado a lado com uma mesa de centro de Guy de Rougemont, uma pintura de Balthus e uma escultura de Philippe Hiquily.
Incorporando um compromisso perfeito entre a modernidade e o luxo decorativo, alimentado pelo estilo Art Déco e Luís XVI, Henri Samuel deu ao Ritz de Lisboa uma identidade única e de grande força visual. Lucien Donnat, um decorador francês residente em Portugal, fez parte da sua equipa neste projeto. As décadas de 1980 e 1990 não foram uma boa época para este testemunho estilístico, mas ainda havia o suficiente espírito para reavivar. Foi isso que Artur Miranda e Jacques Bec se propuseram fazer.
No rés-do-chão, conservam-se as numerosas obras de arte especialmente encomendadas: as soberbas tapeçarias de Almada Negreiros, os baixos-relevos de Margarida Schimmelpfennig e Salvador Barata Feyo ou as obras de Maria Vieira da Silva. Mas nos quartos, já nada restava do passado extravagante. “A primeira coisa que fizemos foi investigar os depósitos. Muitos móveis e artigos de iluminação estavam lá armazenados. Nós recuperámo-los. Esse foi o nosso ponto de partida para devolver a história ao espaço.”
A dupla não pretendeu impor a sua assinatura e pelo contrário, afirma “Agimos com enorme respeito e carinho, como quem devolve a elegância original de uma velha senhora. Tentámos modificar o mínimo possível a magnificência original de algumas das casas de banho. Os seus lavatórios gigantescos, encomendados nos Estados Unidos, são extraordinários, amplos e elegantes, e os mármores são os mais belos de Portugal porque o pai de Pardal Monteiro era marmorista. Só intervimos nos chuveiros para os aumentar.”
Para os quartos, o mobiliário de época foi redesenhado, às vezes com novas proporções
Cómodas tornaram-se mesas-de-cabeceira. As poltronas ganharam mais volume. A paleta de cores foi pensada para evocar os anos 60, com o bege, cinza, tabaco, branco e alguns toques de ocre, tijolo e azul. Com o mesmo objetivo, a madeira clara foi privilegiada no mobiliário. Carvalho para a cabeceira da cama, carvalho envernizado para a escrivaninha e a mesa de pedestal.
“Nós realmente gostamos deste tipo de subtileza, um jogo de texturas que um olho perspicaz reconhece.” Outro detalhe decorativo é a terminação curva do teto que assim esconde o varão da cortina. “Havia um exemplo que permaneceu e decidimos replicá-lo em todo o lado. É mais elegante, relaciona-se com a época e também oferece uma melhor acústica.” O padrão ondula- do das alcatifas foi encontrado na tapeçaria “Olisipo” de Lino António, que está pendurada na escadaria. Claro que, cada quarto está equipado com a tecnologia mais avançada em termos de iluminação, video e som.
Nos corredores, a abordagem foi a mesma, partindo de um modelo de candeeiro de parede antigo, mas multiplicado, para um efeito teatral, paredes revestidas com um tecido que parece palha japonesa e um tapete com um padrão abstrato, desta vez inspirado na calçada portuguesa.
Os átrios dos elevadores receberam de volta as suas grandes poltronas estilo Royère e lâmpadas neoclássicas. O resultado é um equilíbrio perfeito entre a evocação do passado e o estilo de vida contemporâneo. Mais uma vez, Artur Miranda e Jacques Bec apostaram na harmonia e na coerência. “A ideia era recuperar a essência original do Ritz Lisboa. Não é claramente uma reprodução exata, mas sim uma evocação aos nossos olhos, ao nosso gosto atual. Acreditamos que os novos clientes deste tipo de hotel, são amantes de decoração e irão apreciar.”
Estas melhorias correspondem a uma primeira fase de obra, que diz respeito a três dos dez andares. Estão em curso outros quatro pisos, num espírito mais clássico, mais Art Deco, com móveis recuperados das arrecadações.
Também está projetada a união de 3 suites no 6º andar, que serão tratadas como um clube privado e um lounge, que a dupla Oitoemponto decorou com madeiras, janelas panorâmicas Zuber e tecidos Fortuny. Numa reinterpretação do século XVIII ao estilo dos anos 60. A revelação está prevista para o outono.
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