Cá em casa vivemos esta época do ano entre o
terraço e o jardim seja para trabalhar, graças à
internet, para ler, para socializar ou para comer. Talvez por isso, apeteceu-me introduzir algumas
novidades.
Em todos estes anos, o meu jardim nunca esteve
tão bonito como agora, a relva tão viçosa, os
canteiros tão exuberantes, a permitir a análise
de pequenos detalhes, em vez da lufa-lufa dos
cuidados intensivos dos problemas.
É que, finalmente, há cerca de um ano para cá,
encontrei quem me mantenha o jardim sem
pressas, com gosto e com cuidado.
Por o jardim estar tão bonito, decidi criar
outras zonas de estadia, que servissem de
alternativa ao terraço, lugar preferencial de
toda a família, e de onde se avista quase
toda a área envolvente da casa. Porque não
mudar de ângulo de visão?
No fundo do jardim havia uma zona de
ninguém, completamente desaproveitada,
onde, há uns anos, eu tinha instalado uma pavimentação de pedra, parte dela
em azulino de Cascais, parte em pedra
rolada grande, para disfarçar uma área
de grande ensombramento que impedia
o normal crescimento da relva. Uma
densa cortina que abriga a casa de vistas
para telhados alheios, constituída por
Cupressus Lusitanos, grevílias, hibiscus
e um Ficus gigante, não deixa passar nem
um raio de sol.
Com um banco à inglesa
duas cadeiras e uma pequena mesa em
teca, que vegetavam por outras paragens,
fiz uma zona de estar de onde se avista
o jardim do lado oposto ao terraço. Dois
vasos gigantes de hidrangeas, mais duas
taças de barro que enchi de Impatiens
rosa, completaram este novo cantinho.
Agora, passou a ser um poiso favorito para
a leitura, um refresco ou um café, e é como
se redescobríssemos o jardim por termos
dele uma perspetiva completamente
diferente. O único problema é que passou
a ser também o lugar preferencial do Flip, o
canídeo mais novo, que é preciso empurrar
para um canto do banco quando nos
queremos lá sentar.
O regresso do friso
O meu bisavô Alfredo da Costa nasceu
em Goa e só mais tarde se estabeleceu
como médico em Portugal onde casou com
a minha bisavó. Daí as fortes ligações à
Índia que toda a minha família evidenciava
através de peças de mobiliário do famoso
estilo indo-português, tão pouco do meu
agrado, de louça de mesa e objetos de
arte decorativa.
Entre estes havia um friso
de encastrar, constituído por 24 quadrados
de pedra esculpida, que fazia o meu fascínio
quando visitava a minha bisavó na Quinta
dos Cedros, em Sintra. Quando eu era
muito miúda, lembro-me de o meu avô me
contar as histórias relatada nas esculturas,
um mundo misterioso no qual figuravam
os nomes de Brahma, Shiva, Vishnu, Kali
e Parvati.
Veja na página seguinte: O que aconteceu 50 anos depois
Passados 50 anos, depois de De cada vez Em julho de 2010, Atrasei Texto: Vera Nobre da Costa
revezes financeiros vários da família e a
venda da casa de Sintra, uma parte do friso
foi parar ao Algarve pela mão da minha tia, onde ainda se encontra numa casa de Vale
de Lobo, agora em mãos britânicas. Depois
disso, apenas uma das peças acompanhou
as deambulações da minha tia por outras
partes do mundo até chegar à Escócia,
onde ocupava um lugar de destaque, agora
no hall de entrada da casa.
que eu lá ia, aquela visão de uma Índia
ao mesmo tempo familiar e longínqua,
dava-me uma sensação de continuidade
reconfortante.
a minha tia, agora com 90 anos, decidiu
regressar a Portugal e fui eu que lhe tratei
da mudança. Como a dimensão da nova
casa é muito inferior, ela optou por deixar
o friso para trás, ao sabor das decisões
dos novos proprietários da casa. Quando
terminou a mudança e olhei para a casa
vazia, deu-me uma enorme tristeza
abandonar aquele solitário testemunho de
várias gerações da nossa família.
uma hora o final da mudança, mas lá
conseguimos retirar a pedra da parede e
transportar os seus 40 quilos para Portugal.
Agora, um bocadinho da Índia está
aqui no Estoril. Encostado a uma árvore,
espreitando por entre a folhagem, os olhos
dos misteriosos personagens observam as
nossas andanças. Falta-me só a narrativa
de que faziam parte.
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