REFLEXÃO BUDISTA:

A noção que ainda a maioria do mundo ocidental possui sobre a vida e a morte, que são dois factores ou factos inultrapassáveis, é como se fosse um tabu indesvendável, amedrontador e inteiramente inconveniente de se pensar ou dialogar sobre. Ao contrário, o discernimento ainda para muitos indivíduos julgado de revolucionário na Filosofia Budista sobre esta tão premente temática, é que, a veracidade da vida e da morte se encontra na mente humana, e em nenhum outro qualquer sítio. Portanto, para o verdadeiro budista a mente humana é divulgada como a base genérica da própria experiência, isto é, a criadora da chamada felicidade e do sofrimento do próprio ser pensante… Por outras palavras, os indivíduos que pensam na vida e na morte como, respectivamente, começo e fim da existência, são os inventores que chamam a materialidade corpórea de vida - e a não-existência física de morte ou falecimento.

Todavia, e apesar do trecho acima ser aparentemente aflitivo para algumas pessoas, podemos enunciar, e isso de acordo com muitos estudos sobre a matéria feitos ao longo de três décadas, que existem muitas carizes para a mente humana sobre esta (sombreada e soturna, para muita gente) temática; porém, dois aspectos terão maior realce para tudo aquilo que queremos aqui expor. O primeiro aspecto, é aquilo que a língua tibetana chama de “SEM” que, corresponde, precisamente à mente humana comum. Essa tal que o meu Mestre-Raiz, Sua Santidade, o Venerável Lama Dilgo Khientse Rinpoche há muitos anos atrás definiu como: “ Aquilo que possui consciência discriminadora, que possui um sentido de dualidade constante, e que, “agarra” ou “rejeita”, posses externas e, por isso mesmo, sendo a mente humana fundamentalmente ilusória e contraditória, até mesmo naquilo que assemelha ou associa a “outra mente” ou a qualquer “outra coisa”, abrangendo sempre diferentemente tudo o quanto a rodeia…

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Assim, uma mente “SEM” é, um sensor discursivo, dualístico, meramente racional, que só funciona, única e exclusivamente, comparativamente a um definido projecto pretensamente abrangente somente referência externa que terá do mesmo, sem dele ter qualquer outro ponto de referência para além da chamada tridimensionalidade deste nosso manifesto mundo físico.

Ainda relativamente a este primeiro aspecto, a mente humana “SEM” é, por assim dizer, o agente “pensante”, que traça todos os planos, os desejos, as manipulações mais variadas, criando níveis de antagonismo diversos, concebendo vários tipos de humor em variadíssimas escalas os quais se transformam em ondas profundamente negativas, provocando pensamentos, emoções e acções desequilibrantes que, por sua vez, empurram o seu autor a dar todo o ênfase, validando, e confirmando a sua própria “existência”, fragmentando-a, conceptualizando-a, para que a prática de tudo isso fique solidamente solidificada e aparentemente acertada com o que quis concretizar.

Por isso mesmo, entender-se-á que a mente comum é exemplo da própria mudança incessante dentro de uma prisão constante preenchida por influências externas, e também, por tendências usais, que a torna extremamente condicionada. Os Grandes Mestres da Humanidade equipararam a mente humana “SEM” como uma chama de vela colocada ante uma porta aberta, ficando assim vulnerável a todas as correntes de ar, ou melhor, aos “ventos das circunstâncias”…

Assim, a existência humana, neste plano, é desgastada ou consumida depressa e, com uma má qualidade, de vivência terrena que deve ser muito mais auspiciosa e harmoniosa enquanto tal; e tudo isso, acrescentando-lhe ainda a particularidade de, quando a mente humana “SEM”, por um outro prisma de observação, possui uma instabilidade maçante, uma inércia presunçosa e auto-protectora, aparentando uma quietude edificada numa “pedra de hábitos arraigados”. Prosseguindo o pensamento anterior, a mente humana “SEM” é astuta por natureza, assim como certos políticos corruptos, sendo também céptica, altamente perita na desconfiança e rica em truques e malícia, e altamente talentosa nos “jogos do engano e do logro”…

Convirá dizer aqui, que é dentro desta experiência designada por mente “SEM” que sendo caótica, desordeira, confusa, indeterminada, indisciplinada e repetitiva que, uma vez e tantas outras vezes, passamos todos nós – seres viventes - por tantas mutações e fenecimentos.

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Relativamente à segunda análise sobre o cariz da mente humana, nele se encontra realmente a própria natureza da mente, constituída pela sua essência mais intimamente límpida, que é, completamente, e sempre, intocada pelas mutações externas ou pela chamada morte. No momento da primeira fase acima explanada, “esse invólucro” está escondido dentro da própria mente enganosa que se designa por “SEM”, estando envolvido e obscurecido pela substância pesada e cerebral dos pareceres, reflexões, apreciações e por todas as agitações tão conhecidas do ser humano comum. Mas, assim como as nuvens podem ser desviadas por uma vigorosa lufada de vento para revelar o sol que se encontra refulgindo no céu que ficará totalmente descerrado, assim, sob certas conjunturas características, uma determinada inspiração poderá fazer descobrir em nós mesmos vislumbres desta natureza da mente que vos falo, que é, sem sombra de dúvida, diáfana e transparente. Contudo, esses vislumbres detêm núcleos de profundidade e, nomeadamente, muitos planos de desenvolvimento, mas cada um deles sempre trazem alguma luzência de discernimento, significação e, individualizadamente, de emancipação. Assim acontece, porque a compleição essencial da mente é a própria raiz em si de todo a “percepção correcta”. Em linguagem tibetana, este estado é conhecido por “rigpa”, que é a primordial inteligência, ou seja, a consciência pura, inocente, que é, ao mesmo tempo, inteligente, cognitiva, radiosa e sempre desperta. Numa proposta mais veemente, poder-se-ia aqui dizer, que este “especial estado” corresponde ao próprio conhecimento do conhecimento.

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No entanto, não cometamos o erro de imaginar que a natureza da mente que aqui falo é exclusivamente para o nosso espírito apenas. Seria um absurdo pensar dessa forma. Na verdade, ela é com precisão absoluta a natureza de tudo. Assim sendo, perceberemos com grande facilidade, que a natureza da mente humana é substantificar a essência de todas as coisas.

Ao longo da História da Humanidade, “santos” e “místicos” têm adornado as suas mais diversas concretizações com diferentes designações e, também, deram-lhes distintas faces e significados, mas, o que todos fundamentalmente fizeram foi, efectivamente, encarar a substância essencial da mente. Desta forma, e ao longo dos milénios, os Cristãos e os Judeus evocam a palavra "Deus"; os Hindus classificam o “Self", "Shiva", "Brahma" e "Vishnu"; os famosos místicos Sufis chamam "a Essência Invisível"; e os Budistas designam "Natureza Búdica". Como poderá aqui ser atestado, no centro de todas as religiões do mundo, existe uma convicção apelidada de “Fé” por muitos indivíduos crentes de que há uma Verdade Fundamental, e que, esta nossa vida terrena é, sempre em todos os seus ângulos e aspectos, uma oportunidade santificada que necessitava de ser assumida por todos como tal, para que todos os seres viventes pudessem melhormente evoluir e realizar em plenitude a consagração à natureza real da mesma.

OM SHANTI!

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Convidado Carlos Amaral

O Autor:

Carlos Amaral, Venerável Lama Khetsung Gyaltsen

Mestre em Naturopatia;Especializado em Medicina Ortomolecular; Medicina Homeopática; Medicina Homotoxicológica; Medicina Ayurvédica e Tibetana;Doutorado em Religiões Comparadas e em Metafísica;Investigador em Psicologia Transpessoal & Regressão Memorial;Professor de Budismo, Meditação Tibetana, Raja-Yoga, Kryia-Yoga e Karma-Yoga; Autor e Palestrante.

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