Aos 22 anos mudou-se para os Estados Unidos e ficou chocada ao ver menores a serem vendidas nas ruas de Nova Iorque. Seguiram-se duas décadas a ajudar milhares de raparigas a fugir ao tráfego sexual e a tentar mudar as leis locais.

Desde 2000 que a Fundação do Prémio das Crianças do Mundo, uma organização sem fins lucrativos sedeada na Suécia, atribui o seu galardão máximo a um “herói dos direitos das crianças”, um prémio que tem em conta o trabalho desenvolvido em prol da defesa dos menores e o percurso de vida do vencedor, refere a fundação no seu sítio da Internet.

O júri, ao contrário da norma, distingue-se por ser constituído por jovens com ou menos de 18 anos, oriundos de variadas partes do globo e com percursos pessoais conturbados. O pormenor que mais salta a vista, no painel de jurados deste ano, é que cada um dos seus dez membros representa diferentes contextos de vida, desde as crianças que são refugiadas até às que são escravizadas, passando pelas crianças-soldado.

Por exemplo, Taree Mayfield, um jovem norte-americano de 13 anos, representa os 2,5 milhões de crianças que não têm casa nos Estados Unidos, mas, ao mesmo tempo, também é júri em nome dos que ajudam os menores sem-abrigo. Por sua vez, Noor, da Palestina, é uma adolescente que representa as crianças em zonas de conflito, tal como as que vivem em territórios sob ocupação e as que apoiam a via do diálogo para chegar à paz.

Conforme explica a organização do Prémio das Crianças do Mundo, os elementos deste júri infantil, “são especialistas em direitos das crianças através das suas próprias experiências de vida”. Eis a razão para também se apelidar o galardão de ‘Prémio Nobel das Crianças’.

Este ano, a escolha recaiu sobre Rachel Lloyd, uma inglesa de 38 anos que em 1997 fundou nos Estados Unidos, “na sua mesa da cozinha, com apenas 30 dólares e um computador emprestado”, a GEMS (Serviços de Educação e Tutoria para Raparigas, em português), refere a fundação. “Desde então, ela e a GEMS transformaram a vida de milhares de crianças [vítimas de comércio sexual], oferecendo-lhes amor e apoio prático”.

A ativista tornou-se conhecida, com o passar do tempo, pelo seu feroz combate contra a exploração sexual de jovens mulheres, estabelecendo esforços para que se mude a visão em relação às raparigas que são traficadas e obrigadas a vender o seu corpo para fins sexuais: em vez de criminosas, estas devem ser vistas, pelo sistema legal e pela sociedade em que estão inseridas, como vítimas e sobreviventes.

Tal como refere a Fundação do Prémio das Crianças do Mundo, a própria Rachel Lloyd chegou a ser vítima deste tipo de “indústria sexual” quando era adolescente e vivia na Alemanha, a que se junta uma infância, no Reino Unido, marcada por abusos mentais e físicos. “Aos 22 anos mudou-se para os Estados Unidos e ficou chocada por ver raparigas de 12 anos a serem vendidas nas ruas da cidade de Nova Iorque”. Foi este o ponto de partida para a GEMS.

“Todos os anos, 400 raparigas e jovens mulheres recebem serviços [apoios] directos da Rachel e da GEMS. Cerca de 1500 raparigas são abrangidas através de programas preventivos, e mais de 1300 profissionais, incluindo trabalhadores sociais e agentes da polícia, recebem formação sobre a exploração comercial e sexual de crianças e os direitos [legais] das raparigas.”

Os esforços de Rachel Lloyd e da sua organização também estão concentrados em mudar as leis dos Estados Unidos, tendo conseguido a promulgação de “leis amigas das crianças”, salienta a fundação, incluindo a Safe Harbor for Exploited Youth Act, promulgada pelo senado do estado de Nova Iorque, “a primeira lei nos Estados Unidos que dá às crianças que foram obrigadas a vender-se sexualmente o direito ao apoio e à protecção, em vez da punição”.

Além de Rachel Lloyd, existiam outros dois candidatos ao 'Prémio Nobel das Crianças': “Gabriel Mejía Montoya, que luta pelas crianças vulneráveis na Colômbia, país em conflito há 30 anos, e Valeriu Nicolae. Valeriu pertence à minoria mais vulnerável da Europa, os roma, e combate há dez anos pelos direitos das crianças extremamente pobres do gueto de Ferentari, em Bucareste, na Roménia”.

Estes dois “heróis dos direitos das crianças”, assim como a vencedora do prémio, foram homenageados esta Quarta-feira no Castelo de Gripsholm, em Mariefred, na Suécia. A Rachel Lloyd foi atribuída uma verba de 40 mil dólares, com Gabriel Mejía Montoya e Valeriu Nicolae a receberem, cada um, 20 mil euros. O dinheiro será usado para ajudar o trabalho que têm vindo a desenvolver junto das crianças mais vulneráveis.

Entre os patronos deste prémio estão a jovem e mediática ativista Malala Yousafzai, do Paquistão, assim como a moçambicana Graça Machel, antigas vencedoras deste galardão. O bispo sul-africano e Nobel da Paz Desmond Tutu, assim como a rainha Sílvia da Suécia e o Primeiro-ministro deste país nórdico, Stefan Löfven, são outros dos padrinhos, grupo ao qual já pertenceu Nelson Mandela.

O 'Prémio das Crianças do Mundo' “é apoiado por mais de 70 mil escolas, em 116 países, além de mais de 750 organizações, assim como departamentos de educação e instituições de ensino”, frisa a organização.

“Desde a sua criação, meio milhão de professores foram treinados para ensinar, na escola, os direitos da criança e a democracia”, um projecto que, segundo as contas da fundação, conseguiu chegar, desde 2000, a 42 milhões de crianças, “educadas e empoderadas para atuarem como agentes de mudança, defendendo os valores humanos, a igualdade de todos, os direitos da criança, a democracia e o desenvolvimento sustentável”.