Não há como negar a feição viciante que um quiz exerce em quem nele se vê envolvido. Responder corretamente às questões colocadas, subordinadas a um tema específico ou mais geral, acarreta contornos de desafio. Um repto aos nossos conhecimentos e ao frémito que resulta da disputa intelectual com terceiros. Quizzes há os para todos os gostos e em diferentes formatos como bem sabe aquele que é tido como o “pai” português da saudável mania de participar em jogos de perguntas e múltiplas respostas. Na década de 1990, Júlio Alves ‘tropeçou’ no seu primeiro quiz e não mais parou, entre a organização de competições, elaboração de quizzes e publicações de livros sobre esta temática. O lançamento do mais recente livro de Júlio Alves, Quiz para Miúdos Definitivamente Curiosos (edição Manuscrito) deixa-nos pretexto para conhecermos o autor e este seu mundo povoado de enigmas, charadas, algumas ratoeiras e muito conhecimento. Portugal rendeu-se ao jogo cuja origem etimológica tem paradeiro incerto, algures no século XIX, respeitando à designação de uma pessoa estranha. Mais tarde adquiriria o significado de “brincar com”. A partir do século XIX quiz passaria a referir-se a “enigma”, “pergunta”.

No léxico de Júlio Alves a palavra o quiz entrou há perto de 30 anos. Diz-nos o próprio: “um belo dia por volta de 1995/96 um amigo convidou-me para uma noite de quiz num bar inglês chamado Cunfy Cushion. Joguei, gostei e fiz amigos que duram até hoje. No entanto reparei que este quiz era muito virado para a cultura inglesa, e mais tarde quando era gerente de um bar, o Cha Cha Cha, do qual muita gente ainda se lembra, resolvi tentar fazer uma noite de quiz mais adequado ao publico português, e foi assim que isto começou, numa noite de novembro de 1998”.

O que significa a palavra “Aloha”? O quiz para miúdos curiosos que os pais também adoram
O que significa a palavra “Aloha”? O quiz para miúdos curiosos que os pais também adoram
Ver artigo

Há décadas embrenhado no mundo dos quizzes, Júlio Alves é testemunha da evolução deste passatempo em Portugal e além-fronteiras. “Muito rapidamente se começaram a organizar em Lisboa competições mensais de quiz e com a criação de alguns grupos organizados para a produção destes eventos também surgiram jogadores individuais e equipas mais experientes que se envolveram em competições internacionais uma vez que o fenómeno dos quizzes de bar tem tradições mais antigas em muitos países europeus e até nos Estados Unidos”, sublinha o autor.

Júlio Alves, com quatro livros publicados sob o tema quiz (três deles dedicados a ao público infantojuvenil), encontra de fascinante neste jogo “o desafio, o vasculhar em memórias antigas, as rivalidades entre equipas e até mesmo entre membros da mesma equipa que se tentam superar em número de respostas certas. Também é muito divertido a troca de ideias quando ninguém sabe a resposta e o rescaldo do jogo onde se fala sobre o que correu bem e sobre as respostas que ‘passaram ao lado’ ou estavam ali mesmo na ponta da língua. Mas o melhor momento é quando são reveladas as respostas e os participantes reparam que afinal era uma das respostas que alguém já tinha sugerido ou uma resposta que parecia tão ridícula ou óbvia que acabou por ser rejeitada”.

quiz
quiz créditos: Freepik

Entre o prazer de elaborar e responder a quizzes e a publicação de livros, Júlio Alves trilhou todo um caminho. Queremos saber em que contexto se inicia a publicação de livros que desafiam miúdos e graúdos a envolverem-se nas respostas a centenas de perguntas: “entre 1998 e 2016, ano em que recebi o convite para o primeiro livro O Grande Livro do Quiz, esta atividade foi-se espalhando organizada por participantes nos meus quizzes a quem eu chamo a minha ‘descendência’, deixando de ser uma atividade misteriosa e ganhando popularidade principalmente nas grandes cidades. No entanto continuei a ser a grande referência, tanto para participantes como para os novos organizadores, levando a que, sempre que se falava de quiz, o meu nome surgia”.

No período em questão, Júlio Alves também foi alargando o seu raio de ação: “cheguei a organizar noites de quiz vezes por semana, levando esta atividade a mais de uma dezena de bares de Lisboa. Neste contexto o convite para o livro pareceu-me natural apesar de não estar à espera do nível de aceitação que teve”.

Informação fiável, muita pesquisa e uma dose generosa de curiosidade

Milhares de perguntas depois sobre temas específicos e cultura geral, de onde nasce a inspiração para desenhar novos quizzes? “A inspiração esgota-se nos primeiros seis meses, a partir daí temos de nos organizar, fazer muita pesquisa e fazer muitos apontamentos. Tenho uma enorme lista de favoritos no Google, essencialmente sites com listas e informação resumida, mas as melhores perguntas são as que surgem de alguma coisa que vimos na televisão ou nalgum artigo acabado de ler. Uma parte importante é a fiabilidade da informação, sendo muito importante usar sites de organizações conhecidas evitando os sites de curiosidades. A Wikipédia é uma excelente fonte de inspiração, mas é sempre boa ideia confirmar tudo”.

Cronologia de uma sessão de quiz em grupo

1. Preparem a sala para receber os participantes. É sempre agradável ter uns doces e uns sumos à disposição, para tornar o ambiente o mais descontraído possível. Também podem elaborar uma sequência de imagens que acompanhem as perguntas, de forma a dar pistas, ilustrar ou dar um toque humorístico.
2. Organizem os participantes em equipas, de preferência equilibradas e com um máximo de seis elementos.
3. Distribuam folhas de respostas (vê um exemplo no fim deste livro), folhas de rascunho e canetas por todas as equipas.
4. O apresentador deve começar por saudar os participantes, explicar resumidamente as regras e fazer uma pequena introdução sobre o jogo, nomeadamente se é temático ou geral e qual o nível de dificuldade.
5. Dá-se início ao jogo!
6. Façam um pequeno intervalo para rever alguma pergunta e tirar dúvidas.
7. Retomem o jogo.
8. No fim do jogo, voltem a tirar dúvidas e a dar mais algum tempo às equipas para pensarem em alguma pergunta mais difícil que tenha ficado por responder.
9. Recolham e avaliem as folhas de respostas.
10. Revelem as respostas certas e a classificação das equipas.
11. Se for o caso, façam a distribuição de prémios ou lembranças
12. O apresentador termina agradecendo a atenção e despedindo-se.

Fonte: Livro Quiz para Miúdos Definitivamente Curiosos (editora Manuscrito).

De acordo com o “pai dos quizzes” em Portugal, “uma parte fundamental para um quiz de sucesso é criar novos tipos de perguntas recorrendo às ferramentas que atualmente temos à nossa disposição como vídeo, músicas, edição de imagem e criação de imagens. Não é sensato tentar reinventar a roda, os modelos de quiz que já existem são tão eficientes e estão tão testados que não vale a pena tentar ser original na forma, uma vez que que nos dão tanta liberdade em termos de conteúdo, o que na minha opinião, é o mais importante”.

Ainda de acordo com o autor, “um quiz típico tem 50 perguntas com um intervalo a meio, e este formato é usado em quase todo o mundo por que tem regras muito simples, sendo possível qualquer recém-chegado participar”.

No que toca à elaboração do jogo, “é fundamental fazê-lo com um nível de dificuldade adaptado à experiência dos jogadores e que seja divertido com algumas curiosidades ou mesmo com perguntas orientadas só para o humor. Deve-se evitar respostas com números, perguntas desinteressantes e é muito importante deixar o nosso ego de lado, evitando fazer muitas perguntas sobre coisas de que gostamos. Afinal o nosso único propósito é divertir a nossa audiência de forma construtiva e desafiante”, detalha Júlio Alves, para acrescentar: “gosto muito de música, já fui músico, dei aulas de música e ainda sou DJ de forma muito esporádica, como tal, adoro fazer perguntas sobre o mundo da música e são os únicos quizzes temáticos que gosto mesmo de fazer”.

Não é apenas o quiz que tem de cativar, no caso das sessões públicas o ambiente também conta: “tenho de conhecer o espaço para ter a certeza de que tenho as condições técnicas para fazer um bom trabalho e tenho de ter a convicção de que a clientela tem interesse no que vou apresentar. Tentar dinamizar uma noite de quiz num bar que tem as televisões sempre a passar futebol provavelmente não vai funcionar. Normalmente locais com alguma componente cultural, um bar onde a música é bem escolhida e com boa decoração é sempre um bom sinal”.

A contracultura dos quizzes, jogos de tabuleiro e tertúlias

Num mundo cativo dos meios digitais, é fácil subtrair a atenção dos miúdos dos ecrãs e levá-los para as páginas dos livros de quizzes? “Nesse aspeto tenho contado com a mensagem que passo nas minhas entrevistas e também com os pais que usam os meus livros nesse sentido. Uma das coisas que mais prazer me dá é a parte social ou cultural desta atividade, ver as pessoas conhecerem-se, nascerem amizades ou até mesmo romances, atualmente conheço filhos de pessoas que se conheceram nos meus quizzes. Nos últimos anos sente-se o surgir de uma espécie de contracultura, pessoas de todas as idades que reconhecem o prazer das atividades mais orgânicas como quizzes, jogos de tabuleiro e tertúlias, e isso é um grande incentivo para mim.

Vasculhando memórias, desafiamos Júlio Alves a recordar-se qual foi o quiz mais desafiante no qual participou: “lembro-me perfeitamente e ainda é tema de conversa estre os dinossauros do quiz. Foi um quiz sobre ficção científica apresentado no Cha Cha Cha pelo meu grande amigo João Mendes, se bem me lembro, a minha equipa acertou 11 perguntas e ganhou”. E, qual foi o quiz mais criativo no qual participou? “Essa é mais difícil. Mas diria um quiz chamado ‘Missão Impossível’ em que as respostas erradas davam pontos negativos. Foi muito divertido ver o pessoal que não resistia arriscar e depois corria mal. Na primeira vez que esse jogo foi apresentado, se alguém tivesse entregado uma folha em branco tinha ficado em terceiro lugar”.

Para além dos quizzes, Júlio Alves forneceu, “durante algum tempo”, os conteúdos sobre Portugal para o site Quiz Up, “mas tirando isso prefiro não me envolver em terrenos onde existem pessoas a fazer um bom trabalho. De resto tenho pena de nunca ter sido convidado para criar conteúdos para um concurso de televisão, uma vez que devo ser muito provavelmente o português com mais curriculum nesta atividade”.

No horizonte futuro de um criador de quizzes havemos de encontrar um desafio, uma meta. No caso de Júlio Alves, a linha da paisagem no “elaborar o quiz para uma final de um campeonato nacional de quiz. Gostava de ver isto crescer até existir um campeonato nacional semelhante ao de outras modalidades, com várias divisões e com várias etapas como campeonato local ou distrital, culminando numa grande final nacional. Talvez um dia surja um patrocinador para isto”.