É no coração da Mouraria, um dos bairros mais centrais da capital, que há uma porta aberta com produtos escolhidos ao pormenor nas várias vertentes da sustentabilidade. “Fazer compras aqui nunca é rápido”, avisa em tom de brincadeira Filipe Ruão, um dos membros da cooperativa, para explicar que este projeto promove uma relação próxima entre os membros e a comunidade em que está inserido.
Trata-se de uma cooperativa com nome de caule, ou um melhor, um tipo de caules que crescem na horizontal, normalmente de forma subterrânea, e se interligam e se alimentam entre si, podendo crescer em grandes áreas – a Rizoma pretende ser uma metáfora do que o seu nome indica.
A história da cooperativa é curta mas o potencial é imenso e ainda em construção. Tudo começou num jantar de amigos, no bairro dos Anjos, e falava-se do quão difícil é encontrar bons produtos a preços acessíveis e justos. Este jantar aconteceu em janeiro de 2020 entre seis pessoas, ainda longe de imaginarmos os atropelos que a pandemia nos viria a trazer. Os confinamentos e outras consequências da COVID-19 só vieram reforçar a falta de espírito comunitário na cidade e mais sentido ainda fez criar-se algo que pudesse fomentar a parte cívica e o convívio social. A Rizoma continuou a crescer, mesmo que online ou com outros constrangimentos e no verão de 2020 já contava com 40 membros.
Projetos semelhantes crescem pela Europa fora, há outros exemplos nos Estados Unidos e por cá, desde 2014, a Cooperativa Minga, em Montemor-o-Novo. Em Lisboa, a Rizoma começou por abrir uma mercearia comunitária em fevereiro deste ano. Neste momento, é a parte de um imenso caule que está mais à vista e podemos encontrar a Mini-Rizoma – como lhe chamam por ser ainda um projeto-piloto – no Beco do Rosendo, nas instalações cedidas pela associação Renovar a Mouraria.
Aqui vende-se frescos, muitos frescos, alguns de produtores de hortas em Lisboa e outros dos arredores da cidade. Há caixas de frutas, legumes, cogumelos a brotar da loja. Além dos frescos, há sidras e cervejas artesanais, chás, gelados, sumos, mel, compotas, azeite a granel, entre outros produtos; e um Rizobar, uma pequena cafetaria no mesmo espaço.
O grupo partilha um conjunto de princípios orientadores para escolher os produtos que ali vendem e dão prioridade aos que são sazonais, com menor pegada ambiental possível, dando prioridade a transporte local e alternativo e a produtos com menos plásticos, sejam a granel ou com recipientes reutilizáveis.
O contacto com os produtores é próximo alguns fazem mesmo parte da cooperativa. A ideia é que possam partilhar as suas práticas e participar também nos eventos, criando uma rede mais global.
A ideia para futuro é também que se consiga ter acesso a todo o tipo de alimentos que satisfaçam as necessidades dos membros da cooperativa, mas “há produtos que ainda são muito complicados de obter, como o peixe, por exemplo, ou massa sem ser embalada”, explica Mariana. “Há alguma dificuldade no que toca a lacticínios, mas já vão aparecendo alguns produtores de manteigas e iogurtes”, completa Claraluz.
Uma das maiores dificuldades ainda é a escala. “Ainda somos pequenos”, explica Mariana Reboleira. Neste momento, a cooperativa tem 170 membros, “mais ou menos metade portugueses, metade estrangeiros”, e todos trabalham nesta mercearia para que também todos possam ter acesso a uma “alimentação saudável, sustentável, ecológica, ética, com preços acessíveis para o consumidor e justos para o produtor”.
É o trabalho de todos que permite a loja estar aberta e balançar o custo dos produtos. A ambição dos membros não é poder competir com os preços dos hipermercados, falam em salários e métodos de produção justa. E com isto relembram-nos que a sustentabilidade também é social. Ao mesmo tempo, estimam crescer, e com isso ter a loja mais horas aberta, e poder negociar com os produtores tanto preços como novas práticas.
Para fazer parte e ter acesso para comprar na mercearia é preciso ser membro, ou seja, participar no capital social (mínimo de 15€) e trabalhar três horas por mês. Quem quiser sair, pode fazê-lo quando quiser e o dinheiro investido é devolvido. Quem fica, apesar de não ser obrigatório, é “fortemente encorajado”, como convida Claraluz Keiser, a fazer parte das decisões tomadas na Rizoma, de várias formas e diferentes áreas. Afinal, a cooperativa é um bocadinho de todos os membros.
Além dos turnos de caixa, mercearia, fazer café ou sumos, aos domingos há também quem se responsabilize por um turno chamado “no waste”, que consiste em garantir que nada de estraga, tanto pode ser fazer sopas e sumos de produtos que podem já não estar frescos nos dias que se seguem ou ter outras ideias de reaproveitamento.
O trabalho e o consenso num espaço de todos para todos
A Claraluz, o Filipe e a Mariana, todos membros que entraram entre março e agosto de 2020, apresentaram descontraidamente o projeto a potenciais novos cooperantes numa sessão de boas-vindas, na qual o SAPO Lifestyle participou. Numa destas noites quentes de outubro, reunimo-nos em frente à Mini-Rizoma, pouco mais de uma dezena de moradores de Lisboa curiosos e com vontade de saber mais sobre esta cooperativa.
Desengane-se quem pense que é preciso experiência para trabalhar numa mercearia ou café. Há dias de formação e os membros atendem membros, portanto é um trabalho de equipa. Comentava-se entre os convidados o interesse de parar poucas horas por mês e fazer uma atividade completamente diferente ao mesmo tempo que se acaba por conviver com os restantes cooperantes.
A mensagem fundamental é perceber que a Rizoma é muito mais do que uma mercearia. Está registada como uma cooperativa multissetorial e tem várias secções de atividades. A secção de Consumo gere a mercearia, mas pretende-se criar projetos em outras áreas já estabelecidas e com grupos de trabalho a decorrer.
Agricultura, Comercialização, Cultura, Serviços e Habitação são as áreas que ainda estão em crescimento, a querer criar e apoiar projetos e iniciativas. Por exemplo, nas últimas semanas, a Rizoma desenvolveu workshops, debates, exposições e mercados de troca de roupa. Com tanto para crescer, Mariana afirma: “quem se inscrever agora é quase fundador”.
A cooperativa formou-se institucionalmente em novembro de 2020 e baseia-se numa sociocracia. Filipe explica que seguem alguns princípios deste modelo – promove-se autonomia sem liderança, as decisões mais importantes são tomadas por consenso e não por maioria. “A Rizoma quer ser um espaço seguro onde presumimos o melhor dos outros”, conclui Filipe.
É num espaço tranquilo e aberto a todas as questões que o projeto é explicado. Quem quiser saber mais pormenores, pode inscrever-se aqui e aparecer sem compromisso nas sessões de boas-vindas. De qualquer das formas, a Rizoma está a crescer e, quem vive ou visita Lisboa, é provável que venha a cruzar-se com alguma das iniciativas que estão a brotar desta cooperativa.
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