Olhando para as projeções para 2030 de inundações anuais relacionadas com a subida do nível das águas do mar no território português, avançadas pela Climate Central, saltam à vista os estuários do Tejo e do Mondego, mas é a mancha vermelha da zona de Aveiro a que mais assusta.

Mais acima, zonas como Esmoriz, Espinho, Matosinhos, incluindo o porto de Leixões, Ofir e Viana do Castelo também inspiram cuidados.

No cenário traçado por este coletivo, que junta cientistas e jornalistas para estudar os impactos das alterações climáticas, em menos de uma década, toda a ria de Aveiro pode ser engolida pelo mar, que chega quase a Estarreja e submerge, por exemplo, Angeja, Murtosa, Vera Cruz e as Gafanhas da Encarnação, da Boa Hora, da Nazaré e de Aquém, além das mais expostas praias da Barra, da Costa Nova e do Furadouro.

Os cientistas com quem a Lusa falou são rápidos a reconhecer que estes cenários alertam para zonas vulneráveis, mas que é preciso olhar para dados locais.

Ainda assim, a geógrafa Ana Monteiro, coordenadora do Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas (PMAAC) da Área Metropolitana do Porto (AMP), refere que “a imagem que está no mapa é ‘boazinha’ para Aveiro”.

A especialista em questões do clima realça, no entanto, que estes dados “dão-nos um sinal de como está a funcionar o sistema climático à escala global, não são ferramentas para usarmos à escala local e regional”.

“Para essa escala, preciso de ter uma rede, e em Portugal, não tenho”, lamenta.

O hidrobiólogo Adriano Bordalo e Sá, investigador do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, refere que, para o Norte do país, o problema é, para além da “questão da subida do nível médio do mar, com o derreter das calotes [polares], é também o facto de não chegar à zona costeira a quantidade de areia suficiente para, naturalmente, no verão, ser reposta a areia que, no inverno, é retirada”.

Isto acontece “porque temos barragens, e temos uma coisa chamada Plano Nacional das Barragens, que ainda veio complicar mais”.

“A principal fonte de areia aqui para o Norte, que era o rio Douro, neste momento, tem uma fração da areia transportada – qualquer coisa como 250 mil toneladas por ano, quando, antes das barragens, antes dos anos ’50, se estima que o transporte era de 1,5 milhões de toneladas”, detalha.

Também Carlos Coelho, investigador do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro, refere o problema do défice sedimentar, mas acrescentando, ainda, que “o impacto também se divide em várias componentes, nomeadamente, a subida do nível das águas do mar, mas também a eventual intensificação de tempestades”.

“A componente particular da subida do nível da água do mar vai fazer com que o mar avance mais sobre terra, – com um agravamento do recuo da linha de costa –, mas esse efeito, comparado com outros fatores, acaba por ter um efeito mais pequeno, diria, em projeções que já fiz, 10-15%, no máximo, de agravamento”, avança.

O investigador considera que, “muitas vezes, são apresentados de forma alarmista alguns resultados, mas é preciso ver quais os pressupostos por detrás”.

“Aí, suponho que seja ‘não fazendo nada, evolui desta maneira’, mas o homem faz e reage a eventos”, destaca o engenheiro.

Sobre o trabalho da Climate Central, Carlos Coelho ressalva que não são considerados “os efeitos das precipitações que possam resultar em cheias fluviais”, nem “a variação da morfologia costeira ao longo do tempo”, tendo em conta “os processos de erosão costeira e as intervenções de defesa”.

“Desta forma, não retirando qualquer mérito ou importância ao trabalho, considero que o mesmo serve de alerta para que se desenvolvam estudos mais detalhados nas zonas críticas, mantendo-se sempre a preocupação e atenção sobre estas zonas costeiras”, prossegue.

O PMAAC da AMP identifica um “impacte nulo ou muito baixo no aumento da exposição a mais inundações costeiras e ribeirinhas” para os 17 municípios em questão.

Confrontada com as previsões da Climate Central, a coordenadora científica do estudo realça que naquela área, “e comparativamente com outras áreas do globo”, a subida do nível das águas do mar “não é o problema mais grave”.

“O problema mais grave relacionado com o mar são as incursões das águas do mar resultantes, por exemplo, de ventos velozes”, concretiza.

Ana Monteiro releva que, no que toca a proteger a costa, “há sempre duas variáveis na equação: uma é o comportamento do sistema climático” e a outra é “como estão os alvos”.

O que se observa no Norte português é que “o alvo ou já perdeu parte da sua linha de costa, ou está muito próximo da atual linha de costa e, portanto, é um alvo vulnerável”.

“Se eu não posso mexer na tempestade, se não posso mexer no fluxo de ar, então o que posso fazer, com ciência e técnica, é mexer no alvo e tornar os alvos, isto é, as pessoas, as construções, os bens, menos vulneráveis, menos expostos”, conclui.