Alfaces, beringelas, acelgas, morangos, muitas outras culturas, ervas aromáticas e muitos espargos – um dos ex libris do Convent’bio e que está nesta altura a sair do campo. São dois hectares de horta mesmo atrás do Convento dedicado a Nossa Senhora do Carmo, fundado em 1551, entretanto abandonado desde o final da década de 1970 e recuperado há cerca de três anos por José Vitorino Pina, natural de Lagoa, formado em Agronomia e sobretudo um apaixonado pelas tradições e memórias da região.
Foi mesmo com a ideia de recuperar uma procissão agrícola que se realizava quando era criança que decidiu procurar os herdeiros do convento para investir. “Depois de comprado, a reconstrução e a limpeza não foram fáceis, demorou cerca de um ano e meio, quase dois, a ter tudo afinadinho como está”, conta o responsável.
Com olho para o negócio e gosto pela agricultura, decidiu apostar na produção biológica. Sabe que há um nicho de pessoas que estão preocupadas em comer de uma forma mais saudável e que podem gastar um pouco mais para comprar estes alimentos, mas admite que este negócio ainda não é rentável.
“É uma carolice, é acreditar que é uma coisa boa, que faz bem também ao ambiente e que nos dá gozo”, conta José Vitorino Pina, acrescentando que não pode descurar a rentabilidade.
Aqui, tudo é controlado ao pormenor. Os processos de certificação para os produtos biológicos obedecem a muitas normas e são renovados anualmente. “Compramos as sementes biológicas, e as plantas também têm certificado de origem. Se for a um viveiro também tem de ter o certificado, funciona como o passaporte da planta, e quando vendemos também tem de ir identificado como biológico. É um processo muito rigoroso”, conta o responsável.
Sem o recurso a produtos químicos, os trabalhos de campo conjugam o risco de se perder uma cultura por uma praga e, assim, o custo de produção é mais alto. Além de gostar deste tipo de produção, José Pina segue esta linha por corresponder também ao que era feito tradicionalmente no convento noutros séculos. “Ainda se notam alguns carreiros de rega usados pelos monges”, explica.
Na horta produz-se “um pouco de tudo” porque se sabe que “quem vai às compras precisa de um bocadinho de tudo para ter em casa”, explica José Pina. Sobretudo, há frutas e legumes da época – assim manda a tradição e as normas da agricultura biológica. Além de tudo, plantar fora de tempo pode deixar a planta mais exposta a doenças ou pragas. “É tudo conforme a Natureza estipula”, sentencia José Pina.
Ao mesmo tempo, afirma que, para corresponder ao consumo mundial de alimentos, os fitofármacos são ainda fundamentais para a produção agrícola e para recompensar os desequilíbrios e pragas que não existiam na natureza noutras épocas. Por sua conta, tem uma produção de citrinos, em produção integrada – sistema de produção baseado em boas práticas agrícolas –, e explica: “Há uma maior preocupação no uso de fitofármacos, já não são tão agressivos e usam-se técnicas de aplicação mais cuidadas.”
Da horta para o prato com paixão pela sustentabilidade
Dentro do Convent’bio não há exceções: tudo que ali se produz e vende é biológico. E uma das maiores entusiastas deste tipo de produção é a cozinheira do restaurante. Sílvia Machado diz que trabalhar ali “é um sonho”. “Quando imaginava ser cozinheira era assim, é perfeito. Além de estar tudo perto de mim, nunca trabalhei com a qualidade alimentar com que trabalho aqui”, conta.
A cozinheira fala de sustentabilidade com um brilho nos olhos e um sorriso rasgado e conta um dos seus segredos: “Tento sempre que o cliente se alimente da forma mais saudável mas sem que se aperceba muito.”
Enquanto prepara o almoço do dia, conta que os processos são fundamentais e que não adianta ter os melhores alimentos se depois não se têm cuidados na forma de os confecionar.
Há pratos vegetarianos e vegans, e de vez em quando de proteína animal. Sílvia Machado tenta sempre agradar a todos e em pouco tempo pode fazer pratos crudívoros, para quem prefere alimentos não cozinhados.
Com a cozinha a dois passos da horta, começou a plantar algumas das ervas aromáticas que lhe faziam falta na cozinha. Tomilho, salva, alecrim, poejo ou flores comestíveis começaram a crescer nos últimos meses ali na EN 125, onde está localizado o convento.
“Sinto que muitos clientes ficam orgulhosos de comer aqui. Sabem que o que comeram é saudável e não houve muito impacto no meio ambiente para se servir esta refeição, temos a sorte de ter tudo à mão”, explica a cozinheira.
E é mesmo assim. Quando falta algo na cozinha ou é preciso fazer um prato diferente, Sílvia pode dar poucos passos e ir buscar produtos à loja do Convent’bio.
Loja local, clientes estrangeiros e cabazes pelo Algarve
Além do que se produz na horta, na loja vendem-se também outros produtos biológicos e ecológicos, como o pão – que é feito semanalmente no local, com massa-mãe e farinhas bio — e outros produtos de mercearia e de limpeza.
O que não há localmente, “como os detergentes ou as massas”, importa-se. E exporta-se o que há em excesso, como os espargos. Apesar de sazonal é a cultura dominante. Além da região algarvia, a revenda dá-se também em Lisboa e no ano passado chegaram a exportar para a Dinamarca.
Apesar de se situar num local de passagem, na Estrada Nacional 125, mesmo à entrada de Lagoa, há algumas pessoas que acidentalmente acabam por visitar o antigo convento, mas os clientes habituais são sobretudo os residentes, muitos estrangeiros, e alguns portugueses. Há também clientes espalhados, do Sotavento ao Barlavento, que recebem o cabaz encomendado online.
Convento para ajudar a reavivar tradição
Para futuro, há dois grandes objetivos. Além de expandir a área de produção de espargos, José Pina está focado em trazer de volta às ruas a romaria que guarda de memória de infância. Descreve as buzinas dos tratores, os sapatos dos agricultores em dia de festa e as paragens do percurso de toda a procissão.
Na década de 1970, como o tráfego de carros era fraco, as pessoas podiam atravessar a estrada. Vinha o bispo, os agricultores, benziam-se os tratores e havia missa e comemorações. “Com o aumento do trânsito, acabou por se proibir e deixou-se de fazer. Quando acabei o curso, encontrei-me com o padre para tentar recuperar a festa”, conta José Pina. Hoje, sendo proprietário de uma capela, e tendo algum terreno para fazer parar os carros, acredita que “com algumas alterações do percurso, mas com boa vontade política e da igreja, há alguma hipótese de recuperar a festa”. “Tenho vontade e os recursos, vamos ver se vai acontecer nos próximos anos”, afirma motivado.
Comentários