A maior calamidade é não chover.
Em abril de 2023, o armazenamento da Albufeira de Santa Clara no rio Mira, partilhada entre os concelhos de Odemira e Ourique e tributária única do Aproveitamento Hidroagrícola do Mira, encontrava-se em 35,7 % da sua capacidade total, menos da metade de 77%, valor médio de referência para esse mês.
À atividade agrícola é atribuída a responsabilidade da fatia mais significativa do consumo de água.
Mas, sem demérito à agricultura - a produção de alimentos é-nos essencial - nem negando a relevância de uma intensificação pela via ecológica - que, face ao potencial de eficiência no consumo da água e à escassez de solo apto, considero uma via incontornável:
- Apesar de a área ocupada pela atividade agrícola dentro do Perímetro de Rega do Mira não variar significativamente, a ocupação por estufas, que já vinha sendo impactante, cresce continuamente, substituindo os sistemas tradicionais e os que, mesmo intensivos, são a descoberto;
- Dos alimentos produzidos, as framboesas e os mirtilos ocupam lugar de grande destaque abrangendo, em 2022, aproximadamente 1237 ha, o que representa 22,4% do total da área em produção - estas culturas, com uma demanda média de consumo de água por hectare superior à média das culturas do PRM, são efetuadas sob coberto e, a meu ver acima de tudo, não são reconhecidos como alimentos base ou sequer essenciais à alimentação mediterrânea;
- A área do Perímetro de Rega do Mira coincide significativamente com o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina cujo regulamento do respetivo Plano de Ordenamento, apesar de dispor no sentido de regular esta atividade, não tem sido suficiente para impor o seu cumprimento no território, pelo que não temos uma articulação equilibrada entre agricultura e património natural.
Assim, sem negar o cariz primordial da atividade agrícola, penso que a situação a sudoeste padece cumulativamente de três males - crescendo de área sob coberto para produção de culturas que nos são supérfluas e que consomem volumes muito significativos de água, numa área de reconhecido valor natural que, apesar de regulada, se encontra sob um regime de proteção inoperante.
Um artigo de opinião de Joana Guerreiro da Silva, arquiteta e agrónoma.
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