A paixão pela escrita levou-a ao jornalismo e por lá andou quase 30 anos, até enveredar por outros caminhos que uma vez mais a levaram à escrita. No verão apresentou uma reportagem em livro: “Para onde vai o nosso dinheiro?”, e já começou a escrever o seu primeiro romance. Lurdes Feio é, como costuma dizer, aquilo que se vê!

A paixão pelo jornalismo começou cedo?
Escrevo desde sempre. Já na escola primária escrevia redações por gosto, e depois comecei a escrever poemas. Passada essa fase, escrevia histórias, uma espécie de romances para mim própria, que curiosamente não partilhava com ninguém. Escrever para mim era uma necessidade interior.

E quis logo ser jornalista?
A decisão surgiu na altura em que equacionei o que ia fazer na vida para ganhar dinheiro para me sustentar, sem deixar de escrever. E como sabia que a maior parte dos escritores morriam de fome, surgiu logo o jornalismo como opção, até porque nessa altura era uma idealista...

Os pais aceitaram bem a escolha?
Nem pensar. O meu pai achava que o jornalismo não era profissão de mulher, e pressionou-me para seguir Germânicas. Cedo descobri que aquela não era a minha vocação, e quando soube que havia uma Escola Superior de Meios de Comunicação Social, na Lapa, não pensei duas vezes.

O pai reagiu como?
Tão mal que até me cortou a mesada e recusou-se a pagar-me os estudos. Mas a minha vocação falou mais alto e acabei por arranjar um part-time para levar a minha avante e consegui. Não fui jornalista porque não tinha mais nada para fazer, escolhi o jornalismo porque realmente gostava de escrever e considerava o jornalismo uma missão.

O jornalismo correspondeu às suas expectativas?
Sem dúvida. Foi uma grande paixão durante perto de 30 anos. Comecei o meu percurso, ainda estudante, como colaboradora da Associated Press, depois passei para a Reuters, até que um dia decidi ir bater à porta do semanário O Jornal, e quem me a abriu foi o José Silva Pinto.

Gostou de trabalhar com essa magnífica equipa?
Gostei muito. De início, era a única mulher entre 14 homens.

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Ainda se lembra da sua primeira reportagem?
Mandaram-me para a Feira de Artesanato, no Estoril. E, na semana seguinte, não cabia em mim de orgulho quando vi o meu nome a assinar a reportagem. Fiquei até ao fim, e fiz o último número do semanário O Jornal com lágrimas nos olhos; logo a seguir, transitei para a Visão onde fui editora do nacional. Depois de muitos anos como repórter, passei a fazer jornalismo político a partir de 1987. Uma mudança que, na altura, me desgostou bastante.

Porquê, não gostava de política?
Não. Nessa altura já pressentia que o ambiente político me ia ser incómodo. Mas, como em tudo na vida, sempre que tenho de fazer qualquer coisa, quero fazer bem, então resolvi que, mesmo contrariada, ia fazer o possível para dar o meu melhor. E assim passei doze anos da minha vida a fazer uma coisa que comecei por não gostar, e depois acabei por me habituar.

Gostou das pessoas com quem se relacionou?
Conheci pessoas maravilhosas, outras nem tanto. Mas também acabei por fazer muitos amigos na política. Quando comecei a sentir um clima de pressões políticas, afastei-me por desilusão e cansaço.

Saiu da Visão há quantos anos?
Em 1999. Depois disso, colaborei com algumas revistas ligadas a África, porque tinha seguido todo o processo das negociações de paz em Angola, e comecei a entusiasmar-me pelos assuntos africanos. Simultaneamente, trabalhei para várias editoras como tradutora de livros dos mais variados temas, até que um dia me vieram desafiar para colaborar num organismo público.

Foi assessora de imprensa?
Era mais uma consultora de comunicação, basicamente para delinear uma estratégia de visibilidade e dar parecer sobre a melhor maneira de chegar à opinião pública e à comunicação social.

Em que ministério?
Nos Negócios Estrangeiros, no Instituto da Cooperação. Ao mesmo tempo, propuseram-me editar uma revista especializada em cooperação, e aí, o bichinho do jornalismo entusiasmou-se logo.

Depois de tantos anos a fazer jornalismo político, passou para o outro lado...
É verdade. Tinha convivido com a máquina do Estado e da administração pública e também com os bastidores da política, mas num papel que é o de todos os jornalistas, ou seja, por mais que suspeitemos que ali se passa alguma coisa, entre suspeitar e ver, vai uma grande distância...

Temos de nos limitar à mensagem que nos chega.
E muitas vezes a mensagem vem intoxicada. Um jornalista experiente tem de ler nas entrelinhas a verdadeira motivação para certas mensagens, porque o rigor está por vezes longe dos indícios que nos chegam. E raramente temos certezas.

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Quando chegou ao ministério passou a ver as coisas de outra forma?
Comecei a perceber que havia muitas coisas bem piores do que eu pensava, e outras tinham razões e motivações que eu nem suspeitava...

É dessa experiência que nasce o seu livro?
Precisamente. É por isso que o livro se chama: “Para onde vai o nosso dinheiro? - Uma jornalista nos bastidores da administração pública”. Porque eu, na realidade, entrei naqueles bastidores.

O livro foi lançado este ano. Mas começou a ser planeado há quanto tempo?
Há seis anos. Neste espaço de tempo passei muitas fases de avanços e recuos. Mas desde o início que senti uma indignação tão grande com o que vi, que tive necessidade de fazer uma espécie de alerta à navegação.

Foi um convite da editora?
Já há uns anos que editoras me desafiavam para escrever, mas a Ésquilo foi a mais insistente. E deixou-me completamente livre para escolher um tema! Depois de lhes ter enumerado três ou quatro ideias, esta foi a escolhida, e assim nasce “Para onde vai o nosso dinheiro?”.

O livro acaba por ser uma grande reportagem escrita por uma jornalista...
Como eu digo ao leitor, não é uma narrativa, nem um ensaio, nem um romance. É um conjunto disto tudo. Esta foi a fórmula que encontrei para denunciar o sistema em geral, sem estar a denunciar ninguém em particular.

O título do livro não podia ser mais oportuno!
Por isso é que a editora optou por este tema. Não há dúvida que nesta altura toda a gente está preocupada em saber para onde vai o nosso dinheiro...

Foi o Professor Marcelo Rebelo de Sousa que fez o prefácio e apresentou o livro. Foi o jornalismo que os cruzou?
É verdade. Conhecemo-nos há muitos anos, e até lhe fiz, em tempos, um grande perfil que foi capa da Visão. Quando lhe liguei a perguntar se estava disponível para fazer o prefácio do meu livro, ele pediu-me que lhe mandasse o original por email, e, no dia seguinte, tinha o prefácio no meu computador.

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Ficou com vontade de escrever mais livros?
Já estou a escrever. O próximo é um verdadeiro romance. Político.

As suas filhas têm que idades?
A mais velha tem 36, é designer de moda, e a mais nova, de 33, é ligada às matemáticas, trabalha em gestão financeira, e é cantora. Tenho um neto com dois anos e meio.

É uma avó babada?
Acho que sou uma avó moderna. Adoro o meu neto mas acho que não o estrago com mimos...

Tem animais?
Sempre tive cães desde que me conheço. Neste momento tenho três em casa e já tive mais.

O que lhe dá prazer?
Adoro passear e se for à beira-mar melhor ainda. Faz-me falta o contacto com a água. Também gosto de cozinhar, prazer que a família toda partilha, e gosto de cinema, de música e de ler, claro!

Está bem com a vida?
Muito bem. Adoro viver, e vivo de forma apaixonada. Gosto de olhar nos olhos das pessoas. Detesto pessoas que não olham nos olhos dos outros. Sou, como costumo dizer, aquilo que se vê!

 

Texto: Palmira Correia