São o primeiro recurso quando não nos sentimos bem. Os números não deixam lugar para dúvidas e os portugueses, um dos povos que mais se automedica na Europa, já não passa sem eles. Só em 2016, foram vendidas mais de 29 milhões de embalagens de medicamentos de venda livre em Portugal, segundo dados do Infarmed. Saber o que toma e como deve fazê-lo é essencial, como lembra a farmacêutica Cristina Azevedo.
«Um dos principais erros associados à toma de medicamentos de venda livre é o uso excessivo e continuado por via oral (comprimidos), sem identificação da causa associada aos seus problemas. Muitas vezes, há sobredosagem de substâncias ativas por desconhecimento da composição dos fármacos», refere.
«Por exemplo, a sobredosagem de paracetamol, que está presente em vários antigripais», alerta. «Os folhetos informativos dos medicamentos de venda livre deviam ser rigorosamente consultados para evitar erros de automedicação», afirma ainda a especialista. Veja, de seguida, o que deve ter em conta ao utilizar cada um destes fármacos sem prescrição médica obrigatória:
- Analgésicos e antipiréticos
São usados para combater a dor e/ou a febre. Esta é a principal categoria de medicamentos não sujeitos a receita médica e tem no paracetamol a sua substância líder, com 14 por cento das vendas. Atua de formas distintas no organismo, seja ao nível das prostaglandinas, seja em determinadas enzimas, permitindo o alívio da dor. Não deve ser usado por mais de dez dias em caso de dor, nem por mais de três dias em caso de febre, salvo indicação médica.
A toma em simultâneo com alimentos retarda o efeito. Não podem ser tomados por pessoas com hipersensibilidade ou alergia ao paracetamol ou com problemas hepáticos. Os riscos são vários. O uso prolongado pode camuflar os sintomas. Além disso, a toma excessiva ou associada ao consumo de álcool pode provocar lesões no fígado.
Níveis elevados de acetaminofeno (paracetamol) podem aumentar em cerca de 35 por cento a probabilidade de infertilidade masculina, revelou recentemente um estudo do Instituto Nacional de Saúde norte-americano. Além do fármaco, esta substância é produzida pelo organismo na presença de químicos (existentes nos alimentos, plásticos ou cosméticos), pelo que o próximo passo será compreender a origem da exposição ao acetaminofeno e definir limites máximos para a saúde.
Vá ao médico se a dor ou a febre não começar a ceder após 72 horas, se a febre for superior a 39ºC e/ou recorrente (desaparece e volta a aparecer) e/ou se surgirem outros sintomas, como náuseas, vómitos e/ou fraqueza geral com prostração. E nunca pense «Quando o meu filho tem febe, o melhor é dar-lhe logo paracetamol», aconselham os médicos.
Administrar medicamentos ao primeiro indício de febre não é a melhor opção para a saúde da criança, defende a Academia Americana de Pediatria, alertando para os erros de dosagem e o facto de a toma camuflar sintomas e poder contribuir para a doença. Como explica Cristina Azevedo, farmacêutica, «a febre é um dos mecanismos de defesa do organismo contra infeções e nem sempre há necessidade de a combater».
«Há indicação para o fazer caso a temperatura axilar e/ou timpânica seja superior ou igual a 38°C, acompanhada de prostração e mal-estar geral da criança. Tem indicação médica imediata, caso a criança tenha idade inferior a 2 anos, mais de três dias com febre, temperaturas superiores a 39°C, febre contínua, ondulante ou recorrente, dificuldade respiratória, vómitos e/ou sonolência», acrescenta ainda.
Veja na página seguinte: As precauções a ter com os anti-inflamatórios
- Anti-inflamatórios
São muito usados em situações de dor crónica e inflamação. «Bloqueiam a ação das prostaglandinas (sinais químicos celulares libertados se há inflamação), atenuando a inflamação e consequentemente a dor», sublinha a especialista. São usados tanto em situações pontuais como para a dor crónica, inflamatória, problemas reumáticos, osteoartrose. As substâncias mais comuns são o ibuprofeno e o diclofenac.
A sua ação alivia a febre e dores menstruais e é eficaz na artrite ou lesões. «A toma de ibuprofeno não deve exceder os três dias de tratamento para a febre, e os sete dias para a dor. No caso do diclofenac, o tratamento da febre também não deve exceder os três dias e, em situações de dor, não deverá exceder os cinco dias», refere.
Devem ser tomados com alimentos para proteger o estômago. Não podem ser tomados por grávidas nem por pessoas alérgicas a estes componentes, pessoas com asma, sensibilidade ou problemas gástricos (úlceras gástricas e duodenais), tensão arterial elevada, doentes renais, insuficientes cardíacos ou diabéticos. A sua toma também envolve uma série de riscos.
O uso prolongado pode causar irritações no estômago, náuseas, dor abdominal e úlceras gástricas. Pode também levar ao aumento de tensão arterial, problemas nos rins e risco acrescido de problemas cardíacos e hepáticos. Segundo um estudo publicado no British Medical Journal, a toma continuada destes fármacos em doses elevadas pode aumentar o risco de enfarte.
A toma deste fármaco por mais de seis anos pode aumentar cerca de dez por cento o risco de perda de audição mais de uma década depois, indica uma investigação, baseada em dados do Nurses’ Health Study, que envolveu 55 mil mulheres. Vá ao médico «em caso de agravamento ou persistência dos sintomas que originaram a toma do medicamento, como dores musculares, articulares, de costas, cabeça, dentes e dores menstruais», aconselha Cristina Azevedo.
- Inibidores da bomba de protões
Não exagere na toma de omeprazol. A venda de inibidores da bomba de protões (omeprazol, lansoprazol, pantoprazol, rabeprazol, dexlansoprazol e esomeprazol) aumentou 30 por cento nos últimos cinco anos, revela o site do Serviço Nacional de Saúde (SNS). «Estes medicamentos não são isentos de riscos, como as interações com outros medicamentos ou a ocorrência de erupções cutâneas, podendo ainda mascarar os sintomas de outras doenças», pode ler-se.
«O uso prolongado pode ainda estar associado ao aumento ligeiro do risco de fraturas da anca», revela o site do SNS. Um estudo relacionou a toma prolongada ao aumento do risco de se desenvolver demência, colocando-se a hipótese de que possa aumentar os níveis de beta-amiloide no cérebro, uma proteína das placas na doença de Alzheimer. O crescimento nas vendas desta medicação pode explicar-se pela toma em «situações clínicas desadequadas» ou pela «utilização por um período demasiado longo», revela o site do SNS.
Como indica a farmacêutica Cristina Azevedo, «as embalagens disponíveis de venda livre apenas permitem tratamento por um período contínuo máximo de 14 dias. Qualquer tratamento mais longo deverá ter acompanhamento médico. E, mesmo por indicação médica, após um ano, deverá ser reavaliada a real necessidade do prolongamento do tratamento», adverte.
A toma para alívio em situações de enfartamento regular e sem indicação médica é uma das razões para o elevado consumo deste fármaco em Portugal. No entanto, «para alívio de sensações de enfartamento ou situações ligeiras de azia, este fármaco não deverá ser a primeira escolha», refere Cristina Azevedo.
«Existem no mercado alternativas mais indicadas, como os antiácidos. Só em situações de ineficácia destes antiácidos é que os inibidores da bomba de protões deverão ser usados e por um período não superior a 14 dias sem indicação médica», reforça ainda a farmacêutica.
Veja na página seguinte: O problema dos medicamentos usados para a obstipação e a diarreia
- Modificadores da motilidade intestinal
São sobretudo usados em situações de obstipação ou diarreia. Incluem-se nesta classe os laxantes e os antidiarreicos, e ambos ajudam a restabelecer o trânsito intestinal. Os laxantes podem aumentar o volume das fezes, ou amolecê-las por absorção de água, ou estimulá-lo, ao provocar uma irritação das paredes do intestino. Os antidiarreicos agem no sentido inverso, travando a diarreia e a desidratação associada.
A toma pode ser acompanhada de uma solução de reidratação oral. No entanto, a duração máxima do tratamento «não deve exceder os dois dias de tratamento para o antidiarreico. Para os laxantes, não está definido um tempo limite, apenas se indica que não deve ser usado por período prolongado sem indicação médica. O ideal será investigar a causa da obstipação», indica Cristina Azevedo.
Não podem ser tomados, no caso dos laxantes, em caso de apendicite, colite ulcerativa, obstrução intestinal, sangramento retal não diagnosticado e podem não ser aconselhados a pessoas com insuficiência renal ou cardíaca. A toma de antidiarreicos não está indicada na presença de febre, sangue nas fezes ou patologias inflamatórias do intestino, como a colite.
Os riscos inerentes à toma exagerada são vários. «Os laxantes em excesso e/ou por um período longo podem agravar a prisão de ventre, provocar desequilíbrios eletrolíticos, hipocalemia [diminuição dos níveis de potássio no sangue] e até desidratação», alerta a farmacêutica. «O uso prolongado de antidiarreicos pode causar obstipação», acrescenta ainda a especialista.
O uso do laxante deve ser suspenso se não se sentir melhor ou piorar após cinco dias de toma. Deverá também ser suspenso se houver diarreia, dor abdominal e hipocalemia. Nestes casos, é aconselhável procurar ajuda médica. «O antidiarreico interrompe normalmente uma crise súbita de diarreia em 48 horas. Se tal não acontecer, deverá suspender o tratamento e consultar um médico».
- Cicatrizantes
Usados para feridas e queimaduras, promovem a cicatrização, desinfeção e reparação da pele. Esta categoria inclui antisséticos, cremes e pomadas para tratar feridas, queimaduras ou regenerar a pele após cirurgias ou tratamentos. A iodopovidona e a cloro-hexidina «são muito seguras e usadas como antisséticas e desinfetantes na prevenção de infeções em feridas superficiais e localizadas».
Deve respeitar as indicações na embalagem, mas, regra geral, «deverá ver uma evolução positiva do problema num período entre três e cinco dias». Em situações de pós-cirurgia ou tratamento médico, as substâncias a usar devem ser validadas pelo especialista. Quanto a cuidados preventivos, é aconselhável ver se podem ser usados por gestantes, já que substâncias como a vitamina A estão contraindicadas.
Algumas substâncias estão desaconselhadas no aleitamento e na infância, pelo que deve ler a informação previamente. A iodopovidona, por exemplo, «está contraindicada na gravidez e aleitamento, e deve ser evitada em feridas extensas e em doentes com perturbações tiroideias e insuficientes renais». Quanto a riscos, a hipersensibilidade a substâncias presentes na fórmula, alergia, prurido, irritação cutânea ou dermatite de contacto são alguns dos sinais de alarme a ter em conta.
Vá ao médico se houver agravamento e/ou atraso na cicatrização após cinco dias de tratamento. Se houver aumento da vermelhidão da ferida, pus, dor, febre e/ou contornos da ferida mais espessos, entre outros sintomas.
Texto: Manuela Vasconcelos com Cristina Azevedo (farmacêutica)
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