Se não nos fosse possível saciar a sede, morreríamos. Se não pudéssemos comer não sobreviveríamos muito tempo.
Se não conseguíssemos respirar nada seríamos. Então talvez lhe pareça absurdo vermos a nossa respiração sufocada por uma doença que poderíamos ter evitado.
Uma doença que nos acrescenta o dobro da idade ao impedir-nos de realizar tarefas elementares. Tão elementares como respirarmos. Se soubéssemos... Mas agora já sabemos.
A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) tem como causa principal o tabagismo e, como tal, pode ser evitada. Por outro lado, quanto mais precocemente for diagnosticada, mais eficazmente poderá ser tratada. Cristina Bárbara, pneumologista, deu-nos todas as pistas para que juntássemos os sinais, por vezes silenciosos, que o nosso corpo nos dá. Para que possamos respirar fundo.
DPOC, a destruidora
A doença pulmonar obstrutiva crónica é a quarta causa de morte nos países desenvolvidos e prevê-se que, em 2020, venha a ser a terceira. Na Europa, a DPOC é a quinta causa de morte. De acordo com dados da European Lung Foundation, entre 200 e 300 mil europeus morrem, anualmente, vítimas desta patologia.
Assustador, se pensarmos que esta é uma doença respiratória que, como o nome indica, é crónica, isto é, não tem cura. O que a define é «a existência de uma obstrução a nível do aparelho respiratório, nomeadamente, das vias aéreas, à entrada e saída de ar. Os doentes vão ter mais dificuldade num acto que nós fazemos com toda a naturalidade e sem darmos por isso, que é respirar», explica Cristina Bárbara, pneumologista.
A mesma especialista acrescenta ainda que «o que caracteriza a doença é ter-se instalado a dita obstrução crónica. Pode haver doentes com bronquite crónica que não têm DPOC e outros que têm. No que toca ao enfisema pulmonar, a maior parte dos doentes que tem enfisema pulmonar tem DPOC, mas pode haver formas ligeiras, incipientes, de enfisema pulmonar, sem DPOC».
As causas
Em 85 por cento dos casos a doença pulmonar obstrutiva crónica é provocada pelo tabagismo.
No que toca à associação entre esta patologia e o chamado «fumo em segunda mão», pensa-se que esta, de facto, exista, embora actualmente ainda só possamos contar com estudos que ligam o tabagismo passivo às infecções respiratórias e ao cancro do pulmão. Também o papel da poluição como causa da DPOC ainda não está comprovado, sabendo-se, no entanto, que a poluição urbana é nociva para pessoas que sofram desta doença.
Existe uma componente hereditária na DPOC que, conforme elucida Cristina Bárbara, «abrange um conjunto minoritário, cerca de dois por cento dos doentes. Trata-se de um déficit numa proteína, a Alfa-1 Antitripsina, que ajuda a reforçar as defesas do aparelho respiratório, ou seja, o organismo está mais bem apetrechado para vencer os malefícios do tabagismo. As pessoas que têm este déficit desenvolvem a doença muito mais precocemente, aos 20, 30 anos.»
Decifrar os sinais
A DPOC pode ser assintomática durante grande parte da sua história natural, o que significa que a obstrução das vias aéreas vai-se instalando progressivamente e só numa fase avançada da doença é que o doente começa a ter ou a valorizar os sintomas.
«Muitas vezes a pessoa pode ter a tosse e a expectoração crónicas e não as valorizar porque o fumador julga que a tosse e o catarro, as secreções são uma forma de defesa do organismo contra o tabaco, como se estivesse a eliminar as impurezas.»
Desta forma, a pneumologista afirma que «só quando aparece o sintoma major da doença, a dispneia (falta de ar), o cansaço ao nível da respiração, é que a pessoa vai ao médico.»
Segundo a especialista, «nessa altura já tem um grau bastante avançado de obstrução crónica. Por isso, os graus ligeiros de obstrução brônquica ou cursam sem sintomas ou os doentes não os valorizam. Por outro lado, as fases iniciais da dispneia também são desvalorizadas pelo doente que pensa que é da idade e que tem menos força ou porque não pratica exercício físico ou pratica menos do que quando era mais novo», partilha a pneumologista.
Diagnosticar a doença
O exame que permite o diagnóstico da DPOC é a espirometria, um exame de capacidade respiratória. Mas, apesar de poder ser silenciosa, a DPOC é uma doença anunciada: basta ser fumador para saber que pode vir a desenvolvê-la. Ou seja, é fácil saber-se que pertencemos ao maior grupo de risco e que, como tal, temos que estar atentos.
Terapêuticas
Em relação à componente farmacológica, Cristina Bárbara explica-nos que «a pedra angular do tratamento da DPOC consiste em terapêuticas que combatem a obstrução, os broncodilatadores. Neste campo tem havido uma grande revolução no alívio sintomático dos doentes, de modo a que levem uma vida o mais próxima possível da normalidade.»
«A principal terapêutica não farmacológica é a reabilitação, os programas de treino e exercício», revela.
As evidências apontam, segundo a especialista, «para grandes melhorias nos doentes com DPOC. Este é um tipo de exercício efectuado por profissionais habilitados e dirigido consoante a gravidade da doença, porque esta tem vários estádios, classificados de acordo com o resultado da espirometria», revela.
Segundo Cristina Bárbara, «os doentes no estádio quatro podem não ser capazes de pentear-se, comer ou fazer a barba, pois qualquer movimento pode desencadear a dispneia. São quem mais beneficia dos programas de reabilitação, porque aprendem técnicas que os ajudam a ter uma vida mais funcional. Em relação ao transplante de pulmão, este só está indicado em doentes que já estão numa fase muito próxima do fim da história natural da doença. Isto quer dizer que só quando se esgotam as terapêuticas todas é que o doente é candidato a transplante.»
Reflectir no futuro
É muito importante lembrar, uma vez mais, que a DPOC, apesar de crónica, pode ser prevenida. Cristina Bárbara afirma: «O tabagismo está a aumentar no sexo feminino e daqui a 30 anos ou menos é previsível que ocorram mais mortes por DPOC do que por cancro do pulmão no sexo feminino. A nossa principal arma é tentar evitar que quem não fuma não venha a fazê-lo e que os jovens fumadores e, mesmo os mais velhos, deixem de fumar. Valorizar os sintomas como a tosse e a expectoração e fazer a espirometria é outro passo essencial»
«O outro conceito que faz parte da definição actual da DPOC é que esta é tratável. O cenário modificou-se muito nos últimos dez anos e existem inúmeras terapêuticas farmacológicas e não farmacológicas que podem ajudar os doentes e que podem, até, interferir na história natural da doença, no sentido de poder impedir a progressão da DPOC», conclui a especialista.
Para saber se deve consultar um médico e fazer o exame de diagnóstico para a doença pulmonar crónica, clique aqui.
Texto: Teresa d'Ornellas com Cristina Bárbara (pneumologista)
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