Intrusa. Foi assim que me senti nos primeiros instantes. O local era-me familiar. Uma cozinha branca e bem apetrechada.
A única diferença: dez cadeiras dispostas em torno da ilha, onde tudo iria passar-se. Estava curiosa.
Com uma naturalidade de quem já anda nestas lides há bastante tempo, a formadora dispunha os alimentos na bancada e consultava o menu do dia. As técnicas a aprender são muitas e a variedade de pratos também. Mas será que o sexo masculino está à altura de tamanha missão?
Tentei abstrair-me dos eternos mitos do homem que só sabe estrelar ovos ou daquele que deixa a cozinha em estado de sítio quando apenas preparou esparguete com atum e preparei-me para conhecer uma turma fora do comum. Daquelas aulas que, contadas poucos acreditam, mas que fazem sonhar muitas mulheres.
Afinal de contas quem não gostaria de ficar comodamente sentada no sofá enquanto o homem da casa prepara um manjar dos deuses? Venha connosco conhecer um grupo que pretende mudar o estereótipo. Para bem de todas nós...
O que há para o jantar?
Passavam alguns minutos das seis e meia da tarde quando a aula teve início. De caneta em punho e ainda a trocar impressões sobre a sessão anterior, os meus colegas estavam a postos. As idades de cada um deles é diversa, assim como os motivos que os trouxeram ali.
Curiosidade científica, sugestão de amigos ou presente envenenado (como referia o participante mais reticente, a quem tinha saído esta «prenda» no sapatinho) foram apenas algumas das razões apontadas. Um dos elementos mais velhos, já avô e muito aplicado nos trabalhos de casa até já lançou o desafio à família e convidou, filhas, genros e netos para um almoço de sua autoria.
A data ainda não foi definida, bem como o menu. Mas, vistas bem as coisas, trata-se apenas da segunda aula. Ainda é preciso aperfeiçoar os conhecimentos.
A ementa de hoje é digna de restaurante: carpaccio de carne, sopa de grão, arroz basmati, «gratin dauphinois», espinafres salteados, bifes (com molhos diversos) e, para sobremesa, mousse de chocolate.
Começámos pelo fim, a mousse. Desde o segredo das claras em castelo ao truque da «pesca» das gemas com a mão, tudo foi explicado. O olhar atento dos alunos não se desviava um segundo dos gestos da formadora. «Costumo fazer aquilo com as cascas», ouve-se dizer na sala. Os comentários são bem-vindos e os mais experientes em sobremesas não hesitam dar umas dicas.
Veja na página seguinte: Como surpreender as mulheres na cozinha
Maratona da colher
Uma vez terminada a mousse (e colocada no frio para degustação mais tarde) passamos às entradinhas de presunto e ao carpaccio. Com sugestões de apresentação para um serão a dois ou para um encontro de amigos em dia de futebol, o presunto é enrolado em queijo de ervas e disposto sobre o prato.
O apetite começa a fazer-se sentir e fazemos as primeiras provas. Nesse instante, entra outro colega na sala. Um verdadeiro agente secreto. Ou melhor, um jovem casado que, sem dizer nada à esposa tem frequentado o curso. O objectivo: surpreendê-la à mesa.
Para já, tem conseguido surpreender os colegas com os seus esquemas dignos de 007. O álibi desta noite é o futebol. Mas a dúvida persiste. Será o aroma a cozinhados impregnado nas roupas após a aula não o vai denunciar? Começa então a verdadeira maratona de culinária.
Confeccionando vários pratos ao mesmo tempo (cozendo a sopa, enquanto prepara as batatas para colocar no forno e põe o arroz a cozer), a formadora impõe o ritmo bem conhecido em qualquer cozinha familiar. As operações sucedem-se e os termos técnicos não param de surpreender. Uma pitada de sal ou pimenta quanto baste são expressões comuns que adquirem uma complexidade invulgar aos olhos mais inexperientes.
Alquimia culinária
«A maior parte deles nunca entrou numa cozinha», afirma Ana Gama, formadora, «a dificuldade na primeira aula é perceberem o que estou a dizer. Têm um ar completamente espantado com a quantidade de informação.» Gerir o tempo de confecção, a temperatura e sincronizar a preparação de cada prato são alguns dos obstáculos que os principiantes têm de enfrentar.
Palavras como reservar ou marinar são também problemáticas. Por isso, não é de estranhar que durante a aula estejam sempre a tomar notas. Além das noções básicas, convém não esquecer os truques. E até os alunos gostam de dar a sua dica.
Decorar o arroz basmati com amêndoas torradas, foi uma das sugestões.
Tal como numa escola comum, esta também inclui trabalhos para casa. E a razão é simples, como refere formadora: «Aqui parece tudo muito fácil, porque eu explico, mas eles têm de tentar em casa e perceber as limitações. A loiça que há para lavar, etc. A ideia é adquirir os conhecimentos e fazer em casa.»
Em caso de dúvida os aprendizes de cozinheiro podem sempre entrar em contacto com a especialista. «Dou sempre o meu telemóvel para tirarem dúvidas do que se aprende aqui. Às vezes estão no talho e ligam-me e perguntar que bifes devem comprar», acrescenta.
Veja na página seguinte: De volta dos... bifes!
Convívio gourmet
Por fim, chega o momento mais ansiado: os bifes. Uma vez explicado o tipo de carne usado, ensina-se a uma técnica que permite manter o que a carne tem de melhor.
Bife ao natural, à café ou com natas e cogumelos. As opções são muitas e todas igualmente apetecíveis.
Minutos depois, o arroz já está pronto, as batatas gratinadas e os espinafres fumegam. Acompanhadas por um vinho, as iguarias são saboreadas pela turma. É a altura de trocar impressões. Em jeito de conversa, um dos colegas mais jovens, que seguiu a sugestão da namorada, defende que a cozinha não deve uma área restrita ao sexo feminino:
«Para se ser um bom homem, é preciso ser um bocadinho mulher». Ao que parece o investimento feito pela namorada (oferecer um curso de culinária antes de juntarem os trapinhos) será rentável. Mas se na sala de aula, estão todos (ou quase todos) em sintonia lá fora a história não é a mesma.
Quando confrontados com a iniciativa de frequentar este tipo de curso, muitos afirmam que os amigos sentem curiosidade ou até «inveja» mas não escondem que já receberam algumas vezes comentários menos lisonjeiros. Coisa de mulheres? Se eles soubessem...
Texto: Manuela Vasconcelos
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