Quando os seus pais acidentalmente compraram cápsulas de café descafeínado recentemente, um raro distúrbio muscular genético - que sabiam que poderia ser controlado com duas doses de café expresso por dia - irrompeu, provocando espasmos musculares incontroláveis e dolorosos.

Seguiram-se quatro dias de agonia, angústia e visitas ao médico sem que os pais percebessem o erro.

Assim que o menino começou a ingerir cafeína novamente, os sintomas diminuíram.

"É um daqueles casos surpreendentes de sorte que pontuam a história da medicina", disse Emmanuel Flamand-Roze, médico do Hospital Pitie-Salpetriere em Paris e autor principal de um estudo publicado na terça-feira sobre a doença que aflige o seu paciente.

Flamand-Roze disse à AFP que os pais realizaram inadvertidamente o que os cientistas chamaram de experimento duplo-cego - o teste mais rigoroso possível para ver se um medicamento ou tratamento realmente funciona.

A parte "duplo cego" significa que nem o paciente nem as pessoas que realizam a experiência sabem se o comprimido (ou bebida, neste caso) é o remédio real ou um placebo.

Nesse caso, o teste acidental comprovou a eficácia da cafeína como tratamento da discinesia - uma família de desordens caracterizada por movimentos musculares violentos e involuntários -, causada por uma mutação no gene ADCY5.

Um em um milhão

"Os braços, pernas e rosto movem-se descontroladamente", explicou Flamand-Roze. "Esta criança não podia andar de bicicleta, ir a andar da escola para casa, escrever com um lápis - uma crise semelhante a uma convulsão poderia ocorrer a qualquer momento".

Discinesia relacionada a ADCY5 é uma doença que afeta aproximadamente um em um milhão, e não há cura conhecida.

O gene no seu estado normal fornece instruções para produzir uma enzima que ajuda a regular a contração muscular. A mutação interrompe esse processo e a cafeína ajuda a restaurá-lo.

Os médicos há muito sabiam que o café forte ajudava a acabar com os espasmos musculares, mas a condição é tão rara que não há pacientes suficientes para realizar um teste em que um grupo tome o "remédio" e outro tome um placebo.

Tal experiência, em qualquer caso, provavelmente levantaria questões éticas, já que os investigadores saberiam com antecedência que o grupo placebo provavelmente sofreria um desconforto severo.

A condição também é conhecida como mioquimia facial e, às vezes, é diagnosticada erroneamente como paralisia cerebral.

Os sintomas geralmente aparecem como contorções e tremores repentinos, e geralmente começam entre a infância e o final da adolescência. O problema também pode atacar internamente os músculos respiratórios.

O estudo foi publicado na revista americana Annals of Internal Medicine.