"Isto é muito difícil...", suspira Brenda Pereira, moradora da Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro. Só descobriu no parto que o seu bebé sofria de microcefalia, uma malformação congénita cujos casos dispararam há um ano no Brasil, juntamente com a epidemia de zika.
A notícia inesperada - que Brenda nem suspeitava porque, como costuma ocorrer com esse vírus, não teve nenhum sintoma durante a gravidez - deixou-a a chorar durante horas. Mas as suas angústias estavam apenas a começar.
Assim como aconteceu com grande parte das brasileiras que tiveram bébes com microcefalia, esta jovem foi abandonada pelo pai da menina, que não queria "uma filha doente", com uma cabeça menor do que a média e um cérebro irreversivelmente danificado.
Brenda também teve que deixar o seu emprego como caixa de supermercado para se dedicar 24 horas ao seu bebé, mudar-se para a casa da mãe para ter mais ajuda, fazer malabarismos para pagar as caras sessões de fisioterapia especializada e deixar a sua outra filha, de seis anos, temporariamente com um familiar.
Sem trabalho, sem respostas... nem ajudas
Tudo isto, sem saber muito bem o que vai acontecer com Maria Fernanda, que quase não responde a estímulos, e sem que os médicos tenham todas as respostas, já que a malformação associada ao zika é muito recente e os pacientes com esse tipo específico de microcefalia têm no máximo um ano de idade.
"Se os médicos não sabem, como é que vou saber?", afirmou desesperada, a jovem que confessa que, mais do que aceitar, aprendeu a "conviver" com esta situação, e que à incerteza constante junta-se uma sensação de abandono por parte das autoridades.
Maria Fernanda não recebe o modesto apoio económico que o INSS oferece a pessoas portadoras de deficiência porque o salário da sua avó, que vende sacos de gelo na praia de Ipanema, ultrapassa o limite exigido para estar apta a receber o benefício, atribuído a famílias que ganham menos de 220 reais por mês.
"Tive de fazer uma pausa na minha vida e viver em função do bebé. Mas para o governo, tenho de ser uma miserável para poder receber ajuda financeira. O Brasil não tem estrutura para lidar com uma doença tão grande como esta", lamenta Brenda.
Transmitido pelo mesmo mosquito que causa a dengue e o chikungunya, o zika começou a propagar-se de forma acelerada pelo nordeste do Brasil no início de 2015. No final daquele ano, os médicos confirmaram uma relação até então desconhecida entre o vírus e a explosão de casos de bebés com microcefalia.
Desde outubro de 2015, o Brasil confirmou 2.289 casos de bebés com microcefalia, e outros 3.144 estão a ser investigados - muito mais que os 164 casos notificados em 2014.
Apoio psicológico
Com o surto de microcefalia, o Instituto Estadual do Cérebro do Rio de Janeiro ficou sobrecarregado, e em março de 2016 foi criado no local um ambulatório específico para bebés com essa malformação.
É neste centro que Brenda e outras 400 famílias do estado realizam gratuitamente exames caros, como tomografias ou ressonâncias, recebem orientações para estimular os bebés e partilham as suas angústias em terapias de grupo a cada dois ou três meses.
Alzira Meneses viajou 155 km desde Cabo Frio para ir buscar os resultados dos exames do filho Arthur ao Instituto. Na sua cidade natal existe uma neuropediatra, mas devido às constantes greves Alzira não conseguiu marcar uma consulta para o seu bebé de seis meses.
Alzira também não recebe a ajuda do governo, apesar de estar desempregada.
"Onde está o governo, onde está?", questiona-se, indignada, esta mulher de 35 anos, enquanto o marido brinca com Arthur, que apesar de mamar sem problemas já começa a ter dificuldades de visão.
"Nós rezamos muito, pedimos força a Deus para aceitar isto. Como é um caso recente, eles não sabem o que pode acontecer. É um dia após o outro, não adianta querer saber como vai ser o dia de amanhã", diz Alzira.
Para a coordenadora do ambulatório, Fernanda Fialho, a ajuda psicológica prestada às famílias é tão relevante como os resultados médicos.
"É muito importante, porque a microcefalia não tem tratamento, o que estas crianças precisam é de alguém que esteja psicologicamente disponível para cuidar delas", sabendo que a sua esperança de vida é relativamente curta, afirma a médica.
Antes de voltar para casa, Brenda reflete sobre o que sonha para a filha: "Espero que ela fale, que seja o mais normal possível. É por isso que a levo ao médico, para a tentar integrar, porque a sociedade não olha para os nossos filhos como pessoas".
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