De facto, mais de 100 milhões de adultos, só nos Estados Unidos, vivem com algum tipo de dor crónica ou severa; este número é maior do que o número de pessoas que vivem com diabetes, doenças cardíacas ou cancro, combinadas.
Contudo, quase metade das pessoas não recebe o alívio da dor necessário através de medicamentos, e muitos desses medicamentos têm efeitos secundários que vão desde náuseas a vómitos, passando pelo vício e a overdose.
Por esse motivo, alguns grupos de trabalho estão a procurar abordagens alternativas para o manejo da dor; e algumas dessas abordagens podem surgir, de forma surpreendente, de um grupo de crianças com cancro.
O custo emocional do cancro infantil é tão insuportável que às vezes é fácil ignorar a extrema dor física sofrida pelas crianças que têm de lidar com a doença. A "cura" para o cancro infantil inclui procedimentos de tratamento invasivos e às vezes dolorosos, incluindo punções venosas e aspiração da medula óssea, um procedimento que envolve tirar uma amostra de uma seringa do tecido esponjoso encontrado dentro dos ossos. Além disso, a quimioterapia pode causar neuropatia dolorosa, náusea e diarreia, além da dor causada pelo próprio tumor.
Embora a dor seja frequentemente subvalorizada em crianças, aqueles que tratam esta população têm de lidar com esta dor todos os dias e, assim, fazem do tratamento da dor da criança uma prioridade. Como resultado, novos tratamentos para a dor emergem, muitas vezes, primeiro para tratar crianças.
A perceção da dor ocorre no cérebro, em regiões da chamada matriz da dor, incluindo o córtex cingulado anterior, o tálamo e a ínsula. Essas regiões cerebrais estão envolvidas numa ampla gama de processos cognitivos e relacionados à emoção, e, de forma crítica, parecem estar envolvidas com o motivo pelo qual a dor é tão má, ou o que é chamado de aspetos afetivos da dor.
É importante ressalvar que as regiões da matriz da dor continuam a desenvolver-se ao longo da infância, tornando-se especialmente sensíveis à exposição repetida à dor.
Assim, a dor frequente experimentada com o cancro infantil e com procedimentos dos tratamentos no início da vida pode ser especialmente prejudicial ao sistema nervoso em desenvolvimento.
Em algumas das pesquisas realizadas descobriu-se que o cancro infantil afeta o funcionamento da matriz da dor. Alterações na estrutura e função cerebral podem contribuir para a dor crónica e outros efeitos tardios comummente relatados por pacientes com cancro e por sobreviventes, como problemas de memória e atenção.
Dado o potencial de efeitos negativos no cérebro em desenvolvimento, a atenção dos media sobre a epidemia de opioides e o fato de que em alguns casos as crianças já estão a receber muitos medicamentos durante o tratamento, os médicos precisam de encontrar abordagens alternativas não farmacológicas de forma a conseguirem “controlar” a dor em pacientes pediátricos.
Uma dessas abordagens promissoras é a da Kids Kicking Cancer, uma organização sem fins lucrativos que agora está em cinco países diferentes e usa técnicas de artes marciais para fortalecer as crianças além da dor, da angústia e da incerteza da sua doença. A terapia da Kids Kicking Cancer envolve uma variedade de intervenções ao nível da mente e do corpo que são baseadas na ciência, incluindo a meditação, a respiração e a visualização.
Um estudo recente demonstrou que esta é uma intervenção eficaz para reduzir a dor do cancro pediátrico, com quase 90% das crianças a relatarem uma redução da dor numa média de 40% ao longo de uma sessão de uma hora. Poucos, se algum tipo de medicamento para dor, demonstraram resultados tão significativos.
Agora, um estudo realizado pela Universidade Estadual do Wayne, nos Estados Unidos, está a usar imagens do cérebro para estudar como isso funciona. Embora o estudo ainda esteja em curso, alguns dos resultados preliminares sugerem que as crianças com cancro são capazes de usar essas técnicas para assumir o controlo das suas vidas e reconfigurar a matriz da dor do cérebro.
Essas técnicas podem ajudar a controlar a dor, diminuindo o controlo de volume; a dor é apenas um dos muitos sinais no cérebro e as pessoas não precisam de prestar atenção a ela. E, mais importante, essas técnicas parecem ignorar os recetores opioides no cérebro.
Os adultos podem ter muito a aprender com essas crianças. Um dos elementos mais comuns na Kids Kicking Cancer é que as crianças com cancro se tornam, elas mesmas, as professoras.
De facto, o programa Kids Kicking Cancer "Heroes Circle" permite que as crianças mostrem aos adultos e a outras crianças como se pode tentar aliviar o stress, a raiva e a dor.
O grupo de pesquisa da Universidade Estadual do Wayne organizou um seminário sobre a Kids Kicking Cancer com adultos e descobriu que 97% das pessoas que o frequentaram relataram que o seminário teve um “impacto profundo” nas suas vidas.
Neste seminário, os adultos aprenderam com as crianças que lutam contra um cancro que, por exemplo, a respiração pode ser usada para ajudar a superar o stress. Ao integrar essas técnicas nas suas próprias vidas, os adultos podem diminuir o seu próprio stress e ansiedade, ajudando ao mesmo tempo a reduzir a dor e o sofrimento das crianças.
Assim, estas antigas técnicas sobre a mente e o corpo, combinadas com uma plataforma que fornece um propósito de olhar para os outros como forma de inspiração, podem ser uma poderosa ferramenta terapêutica subutilizada para ajudar adultos que sofrem de dor, vício ou trauma.
A primeira recomendação nas diretrizes do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças, nos Estados Unidos, para os médicos sobre o tratamento da dor crónica foi tentar intervenções não-farmacológicas e não opioides; mas agora, chega-se à conclusão que talvez de devesse olhar para alguns dos jovens super-heróis que estão a lutar contra um cancro, para se poder obter respostas sobre como lidar com a epidemia da dor e da dependência.
Fonte: PIPOP
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