Apesar de ser apontada como uma das doenças mais raras do mundo, em Portugal a paramiloidose é particularmente frequente. Conhecida também como a “doença dos pezinhos”, esta patologia hereditária pode provocar danos irreversíveis em vários órgãos. No âmbito do Dia Mundial das Doenças Raras, a diretora do Serviço de Neurofisiologia do Centro Hospitalar Universitário de Santo António explica alguns dos principais sintomas e sublinha a importância do diagnóstico precoce. “A paramiloidose é uma doença que é dramática e que mata muitos adultos/jovens”, alerta Teresa Coelho.

HealthNews (HN)- Para quem nada sabe sobre a paramiloidose, o que destacaria sobre esta doença?Teresa Coelho (TC)- Diria que a paramiloidose é considerada uma doença rara, mas que em Portugal é particularmente frequente… Em certas zonas do país, é uma doença que nem sequer cumpre critérios de doença rara, como é o caso da Póvoa de Varzim e Vila do Conde. Nestas zonas há tantos doentes que não se pode considerar uma doença rara. De qualquer forma, há muitas pessoas que ainda desconhecem esta patologia.

HN- Que tipo de pessoas são atingidas pela paramiloidose?

TC- É uma doença hereditária, que passa de pais para filhos, e que afeta, sobretudo, o coração e os nervos periféricos, provocando danos em diversas funções do corpo – os doentes perdem sensibilidade nos membros do corpo, têm menos força e podem, até, ter problemas no aparelho digestivo. Se esta doença não for tratada, os doentes podem morrer ao fim de sete ou dez anos.

HN- Numa fase inicial, quais as principais manifestações clínicas?

TC- No início, os doentes apresentam perda de sensibilidade e perda de regulação do funcionamento do aparelho digestivo, genito-urinário e cardiovascular. Quando isto acontece, os doentes começam a ter dificuldades em digerir os alimentos, a ter náuseas e vómitos, a perder o apetite e a emagrecer muito. Por outro lado, há um sinal que muitas pessoas não notam e que diz respeito à perda de sensibilidade à necessidade de urinar. Nestes doentes a bexiga começa a dilatar e a contrair de forma errada.

HN- Há um sinal muito típico também que é a perda de sensibilidade nos pés.

TC- Exatamente. Por norma, os doentes perdem sempre a sensibilidade nos membros que estão mais longe do cérebro e da medula espinhal. Portanto, nos pés é onde começa a manifestar-se esta perda de sensibilidade. Muitos doentes chegam a fazer feridas e queimaduras sem sentir qualquer dor e só se apercebem quando as veem.

HN- O diagnóstico ainda é um desafio?

TC- A paramiloidose é uma doença familiar e, portanto, há muitas pessoas que sabem que a doença existe, sobretudo naquelas zonas do país que já referi. No entanto, na zona centro de Portugal, há muitos casos em que este erro genético não é conhecido no histórico familiar, pois os sintomas da doença nem sempre chegam a manifestar-se. Por outro lado, há situações em que a doença provoca mais sintomas a nível cardíaco do que a nível neurológico. Isto leva a que muitas queixas sejam associadas a outras doenças, dificultando o diagnóstico da paramiloidose.

HN- A quem é que os doentes se devem dirigir em caso de suspeita da doença?

TC- Os doentes devem consultar especialistas em Cardiologia e Neurologia. No entanto, quando há problemas digestivos ou genito-urinários, pode ser preciso que estas pessoas consultem um Urologista ou um Gastroenterologista. No fundo, há um conjunto muito vasto de especialidades que tem de estar alertadas para esta doença.

HN- Para 2023, quais os principais desafios que podem surgir no tratamento da doença?

TC- Hoje em dia, continuamos a ver melhoria dos medicamentos que temos disponíveis para o tratamento dos doentes, mas temos alguns aspetos da doença que temos vindo a verificar e que, infelizmente, continuam sem tratamento. Falo por exemplo do envolvimento do sistema nervoso central e do envolvimento dos olhos, em que continuamos sem solução terapêutica. Portanto, em 2023 seria importante que houvesse algum desenvolvimento nesta área.

HN- Que mensagem deixa aos doentes e à comunidade médica no Dia Mundial das Doenças Raras?

TC- A mensagem mais importante é a de que, de facto, estamos a melhorar o tratamento de uma doença que é dramática e que mata muitos adultos/jovens, mas precisamos de diagnosticar os doentes o mais cedo possível, de maneira a conseguir impedir o agravamento da doença. Portanto, precisamos que as pessoas que têm histórico familiar venham o mais cedo possível ao médico e que os nossos colegas também pensem mais neste diagnóstico, mesmo nas pessoas mais velhas.

Entrevista de Vaishaly Camões