“De maneira não muito original, este livro propõe que o principal problema da economia portuguesa é a sua baixa produtividade, (…)”
Luciano Amaral in ‘Economia Portuguesa – as últimas décadas’
Nós, portugueses, temos uma relação onírica com o dinheiro. Insistimos em ignorar a cruel realidade: os recursos são finitos e, como tal, têm de ser geridos com sizo, sob pena de voltarmos a ficar da mão estendida à espera que terceiros nos livrem de apuros.
Do Chega ao BE, a solução para os problemas dos cuidados de saúde está no reforço do investimento. Ordens, sindicatos e demais organizações dos profissionais do setor enrouquecem denunciando à exaustão o subfinanciamento do setor. Neste ponto, todos estão de acordo: a solução para as disfunções do SNS está no investimento. Culpam o ministro das finanças, desviando as atenções do ministro da saúde (quanto não vale a solidariedade corporativa!) pela penúria dilacerante. Só que o problema não está no ministro das finanças, mas nas finanças propriamente ditas, isto é, na tal irritante, mas inultrapassável, finitude dos recursos. Derramar dinheiro sobre os problemas, por norma, não os resolve satisfatoriamente e cria uma nova contrariedade: a escassez de dinheiro.
Para além desta perceção algo ligeira acerca do valor de dinheiro, mantemos uma desvalorização preocupante sobre o cancro que corrói a nação desde há muitas décadas (e por demais denunciado pelos economistas): a baixa de produtividade. Esta baixa de produtividade gera um desperdício de recursos e, no que diz respeito aos cuidados de saúde, é sabido que o esbanjamento é gigantesco. Dizia com propriedade o Professor Manuel Antunes: investir num sistema que desperdiça é aumentar o desperdício. Mas foi clamar no deserto. Portanto, pedir reforço orçamental no SNS tout court, revela imaturidade confrangedora e arriscada. Em matéria de recursos orçamentais, a prioridade, parece-me, deveria ser a luta contra o desperdício, que é indissociável do aumento de produtividade.
Sendo certo que a reivindicação de melhores condições de trabalho, por parte dos profissionais, de algum modo reflete preocupação com a produtividade, a realidade é que essa preocupação é expressa em termos demasiado vagos e pouco assertivos. Mais: à medida que o tempo passa, em sede de negociações acentua-se a tendência para que estes itens não remuneratórios do caderno reivindicativo sejam ofuscados pela questão dos salários. Pelo menos é o que transparece da cobertura dada pelos meios de comunicação social. A ser verdade, estamos a laborar no mesmo erro tão tuga quanto lastimável: reclamar que se derrame dinheiro sobre os problemas.
Contudo, não se julgue que a tutela está isenta de culpas no que toca a zelar pela produtividade dos cuidados de saúde, já que imobilismo tem sido a sua marca de água. Insiste em ignorar o estado lastimoso em que se encontra a informática do SNS e a calamitosa perda de produtividade daí decorrente. Há também diversos procedimentos burocráticos, que, apesar de unanimemente considerados absurdos, o ministério teima em não abolir apesar de constituírem verdadeiros calhaus na engrenagem. Portanto, pode dizer-se que o governo tem uma postura bipolar no tocante aos recursos financeiros: apresenta-se defensivo no tocante a aumentar despesas, mas é desmazelado quando está em causa o desperdício e a baixa produtividade.
Em suma: por um lado, temos uma tutela imobilista, que ignorou a necessidade de reformas que resultariam em mais produtividade e satisfação para os profissionais; por outro, deparamo-nos com organizações profissionais que, no presente momento, aparentam focarem-se excessivamente nos aumentos salariais. Ambos padecem do mesmo descuidado modo de entender o dinheiro.
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