Na conferência "Medicina humanizada: Envelhecimento ou Longevidade?", que decorreu no dia 21 de março, nos Montes Claros, em Lisboa, estiveram em debate a importância da medicina humanizada, bem como  a relação entre o envelhecimento e a longevidade.

Medicina Humanizada é uma expressão que se presta a dúvidas roçando a perplexidade. Pois o quê, não serão humanos os médicos? Pode a Instituição despir a característica essencial da Pessoa que habita o técnico? Não se trata disso. Nas últimas décadas o cenário modificou-se de uma forma rápida, pintada a tons fortes e contrastantes. De um paradigma centrado nas doenças agudas e contagiosas passámos a outro que se debate com doenças crónicas não transmissíveis, ligadas ao aumento da esperança de vida. 

Na realidade, o envelhecimento das populações traz consigo mais hipóteses de multimorbilidade e de uma polimedicação com os inerentes efeitos colaterais. Ou seja: os profissionais de saúde, habituados a colocar o acento tónico no objectivo “Curar”, vêem-se cada vez mais a agir na órbita do “Cuidar”, vertente nem sempre contemplada durante a sua formação. Acresce que, em termos narcísicos, a constatação da impotência para resolver de modo definitivo o problema é dura, sobretudo para os jovens. Se a isto juntarmos as dificuldades ligadas ao contexto terapêutico, que vão desde o reduzido tempo destinado às consultas ao aumento das tarefas burocráticas, forçoso é admitir que o dia-a-dia dos colegas não é fácil, por alguma razão se vem tornando “viral” uma frase entre quem procura ajuda – “só olhou para o computador”.

Falámos da equação clássica da medicina – queixa, recolha da história de vida – a clínica não chega… -, hipótese terapêutica e sua discussão com quem nos pede ajuda. Sim - discussão, troca de opiniões, articulação de modelos explicativos, em suma, aliança terapêutica. Porque outra das modificações verificadas foi a mudança de estatuto para os Doentes. Maioritariamente atentos, humildes e veneradores no passado, hoje é-lhes reconhecido o direito a serem tratados como Sujeitos inteiros, especialistas da sua doença, trocando impressões com um especialista de Doenças. Esse direito vem acompanhado por deveres… facultativos! Tudo o que diz respeito à Educação para a Saúde implica a responsabilização da Pessoa no que às opções quanto a estilos de vida saudáveis diz respeito. Essas escolhas são de particular importância em fases mais precoces da vida, a Organização Mundial de Saúde deixa bem claro que muitos problemas de saúde não aparecem por obra e graça dos números que constam do Cartão de Cidadão e resultam de factores modificáveis pelo próprio e por quem planeia e implementa estratégias gerais visando a protecção da Saúde Pública. Em áreas tão diversas como as desigualdades sociais, as políticas de emprego, as alterações climáticas, a poluição, a arquitectura urbanística, etc…

Mas o envelhecimento saudável não se joga apenas nas decisões individuais relativas ao exercício físico ou à alimentação, nas unidades de saúde ou em Conselhos de Ministros. Atendendo às características específicas das populações envelhecidas é preciso olear melhor a articulação entre serviços e a multidisciplinaridade, enfrentar as lacunas dos Cuidados Continuados e Domiciliários, apoiar os Cuidadores Informais, no seu mais do que legítimo interesse e no dos cidadãos cuidados, e aumentar e diversificar as parcerias com as mais diversas organizações comunitárias. Só assim será possível curar uns, cuidar de outros, retardar e diminuir as morbilidades, no fundo, tornar a maior longevidade apetecível; e não um objectivo que faz bons títulos de jornais, mas provoca no cidadão comum expressão dubitativa e frase cautelosa – “depende de como lá chegar…”. Exacto, venham mais anos de qualidade e serão recebidos de braços abertos. 

Em Les Vieux, o poema de Brel arranca com versos de sinistra beleza: “Os velhos já não falam ou então somente às vezes com a ponta dos olhos/Mesmo ricos são pobres, já não têm ilusões e possuem apenas um coração para dois”. E embora a imagem de um coração partilhado seja ternurenta, toda a canção pinta uma visão sombria dos mais velhos. Que se limitam a estar, como escreveu Vergílio Ferreira. Permanecendo intocada a minha admiração por dois dos meus autores favoritos, é minha obrigação – e prazer! –, como profissional de saúde, sublinhar que está nas mãos de todos nós transformar o envelhecimento na continuação de um trajecto de vida plena. Indisponível para se sentar, melancólico, numa qualquer sala de espera do fim. 

Um artigo do médico psiquiatra Júlio Machado Vaz.