A praça da República de Paris, normalmente cheia de gente, está quase vazia esta quinta-feira. Fora uns poucos transeuntes que atravessam sem parar, só se vê alguns pedintes, sentados, sozinhos, nos bancos.

Joël, um sem-abrigo, usa um fato de palhaço. "Fazer as pessoas e crianças rirem" é o "seu trabalho". Mas é também para ele uma maneira de suportar a rua e despertar alguma simpatia.

Mas desde que se impôs o isolamento na terça-feira passada em todo o país, este ex-padeiro de 55 anos - dos quais 25 mora na rua -, "mal consegue arrecadar alguns poucos euros por dia" e muitos poucos sorrisos, conta abatido.

O seu rosto ilumina-se quando encontra o seu amigo Mohamed. Os dois homens cumprimentam-se com um aperto de mãos. E a distância que se deve manter e os contactos próximos que se devem evitar por causa do coronavíus? Ouviram falar neles, mas vagamente.

E não sabem nada dos poucos "centros de acolhimento" que começaram a ser abertos para pessoas sem casa infectadas cujo estado de saúde não requer hospitalização.

"Nas ruas, acabamos por ser imune aos germes", diz otimista Mohamed.

Próximo à Avenida Champs Elysee, Romuald, de 42 anos, senta-se em cima da sua mochila. "Não acho que os outros companheiros estejam muito preocupados com o coronavírus", afirma este homem, sem teto há 10 anos.

"A nossa principal preocupação é saber como sobreviver nas ruas quando não há ninguém que nos dê algum dinheiro. É ainda mais difícil do que o costume".

"Está tudo fechado"

As associações tentam suavizar as consequências, mas com o confinamento tiveram que abandonar ou reduzir algumas das suas atividades, como a distribuição de alimentos entre os sem-abrigo. Vários centros de acolhimento também tiveram que fechar portas.

"Está tudo fechado, não podemos sequer tomar banho", afirma Éric, outro sem-abrigo que a AFP encontrou nas ruas de Paris. Conta que foi a três casas de banho municipais, onde normalmente as pessoas sem casa podem tomar banho, mas todas estavam fechado+as.

"Com a minha renda solidária - ajuda que o Estado francês oferece aos mais pobres - eu desenrasco-me, mas pergunto-me como fazem os outros para poder comer", disse inquieto este homem de 70 anos.

Éric foi controlado pela polícia duas vezes desde o início do confinamento, mas não recebeu nenhuma multa por estar na rua. Para as pessoas no seu caso, o formulário que cada francês deve preencher ao sair de casa é absurdo.

O Instituto Nacional francês de Estatísticas (INSEE) contabilizou 150.000 sem-abrigo em França em 2012. Mas segundo as associações, o número real chega aos 250.000.

Devido a crise do coronavírus, o governo francês proibiu momentaneamente as expulsões dos centros de acolhimento de emergência.

Uma medida que é insuficiente para as associações, que multiplicam os alertas. Algumas afirmam que as pessoas sem casa "correm o risco de morrer de fome". Muitas exigem que se ofereçam quartos de hotel vazios para que os sem-abrigo possam proteger-se do coronavírus, ao invés de colocá-los em centros onde é mais provável que se contaminem.

O governo francês escutou o apelo e começou a pesquisar quartos de hotel na noite de quarta-feira. "Colocaremos à disposição mais de 170 quartos" de agora até o fim da semana, anunciou esta quinta-feira o ministro da Habitação, Julien Denormandie.

Mas muitos sem-abrigo negam-se a ir para centros comuns. "Prefiro morrer do que ir para um centro em que corro o risco de ser contaminado e contaminar os outros", afirma Ricardo.

O governo descarta, de momento, obrigá-los a ir. "Não há toque de recolher no país. Não forçaremos os sem-abrigo a isolar-se", disse Denormandie.

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