Quando se discutem os potenciais riscos do exercício físico, a primeira imagem que surge são os casos de morte súbita em atletas aparentemente saudáveis. Esta situação apesar de ser muito alarmante é rara, ocorrendo principalmente por doenças cardíacas, cuja deteção precoce é essencial.

Alguns estudos apontam para uma relação típica de “curva em U” entre a dose ou volume de exercício e o desenvolvimento de algumas alterações e complicações cardíacas. Ou seja, quem não faz exercício tem maior risco, que diminui com a sua prática regular, sendo o benefício menos marcado quando realizado em doses muito elevadas.

Como exemplo, o exercício de elevado volume e praticado consecutivamente ao longo de muito tempo pode aumentar o risco de fibrilhação auricular, uma arritmia que tem como principal complicação o acidente vascular cerebral. Por outro lado, o exercício em dose moderada é benéfico e previne esta doença.

Outra associação entre exercício e doença cardiovascular, documentada nos últimos anos em estudos realizados com atletas veteranos, é o aumento da calcificação das artérias coronárias. As causas para este facto são ainda pouco conhecidas, bem como a sua relevância clínica a médio-longo prazo, mas é revelador que alguns mecanismos específicos do exercício físico, tais como a taquicardia, o stress hemodinâmico, a desidratação ou as alterações hidroeletrolíticas, podem estar envolvidos.

A remodelagem cardíaca estrutural considerada fisiológica e normal em atletas, nos indivíduos que realizam maiores doses de exercício pode originar alterações mais acentuadas a longo prazo, como a dilatação das cavidades cardíacas, podendo também culminar em alterações patológicas, como o desenvolvimento de fibrose miocárdica que constitui um substrato para algumas arritmias.

Adicionalmente, as provas desportivas realizadas em condições extremas, entre as quais se destacam as elevadas temperaturas, podem originar complicações graves, incluindo golpe de calor, rabdomiólise e morte súbita, mesmo em atletas com corações normais. Os riscos para a saúde do exercício com estas características, nomeadamente dos desportos de ultradistância, são variados e imprevisíveis. Nestas circunstâncias há condições que não se conseguem simular ou testar, sendo fundamentais a avaliação médica prévia e o apoio durante e após as provas.

Neste âmbito, os atletas devem ser avaliados por médicos com experiência em Medicina Desportiva ou Cardiologia Desportiva. Após uma história pessoal e familiar e avaliação física, devem ser realizados alguns exames complementares de diagnóstico de acordo com as características e o risco do atleta, nomeadamente a idade. No atleta jovem, o eletrocardiograma assume um papel central, enquanto que no veterano as análises sanguíneas e a prova de esforço são essenciais, porque a principal causa de morte súbita nesta população é a doença aterosclerótica das artérias coronárias.

Para além da avaliação clínica e porque o risco nunca será zero, o apoio médico de emergência durante as provas e nos recintos desportivos, nomeadamente com a capacidade de desfibrilhação e presença de profissionais com formação e experiência em reanimação pré-hospitalar, destaca-se como uma medida crucial a assegurar. Perante um caso de paragem cardiorrespiratória o tempo é essencial e quanto mais rapidamente forem iniciadas estas manobras melhor será o prognóstico das vítimas.

Apesar do exercício físico se poder associar a alguns riscos, a mensagem a passar deve enfatizar os seus amplos benefícios e que uma avaliação clínica realizada por profissionais especializados e o apoio de emergência nos recintos desportivos permitem identificar os indivíduos com maior risco e reduzir as potenciais complicações.

Hélder Dores é cardiologista no Hospital da Luz Lisboa e médico do Health & Performance Department do Sport Lisboa e Benfica; Fellow da Sociedade Europeia de Cardiologia; Professor auxiliar na NOVA Medical School; Doutor em Medicina; Investigador no Comprehensive Health Research Centre; Autor de várias publicações; Autor do livro Exercício Físico e Coração - Saiba como e até onde pode ir! (LIDEL Saúde e Bem-estar).

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