“Estima-se que em cerca de 40% dos doentes com carcinoma pulmonar de não pequenas células exista já o envolvimento do sistema nervoso central no momento do diagnóstico ou durante o curso da doença”, refere o pneumologista Hélder Novais e Bastos, do Centro Hospitalar e Universitário de São João. “No caso dos tumores ALK positivos, a percentagem é de 20 a 30% no momento do diagnóstico”.

HealthNews (HN) – Como evoluiu o tratamento e prognóstico dos doentes com cancro do pulmão de não pequenas células ao longo dos tempos?

Hélder Novais e Bastos (HNB) – A cirurgia continua a ser o padrão na doença localizada. Temos frequentemente doentes idosos ou com outras patologias associadas que não têm condições para a cirurgia e, nesses casos, oferecemos a possibilidade de realizar radioterapia estereotáxica, também conhecida como radiocirurgia, com bons resultados.

Presentemente, estão a surgir avanços na terapia adjuvante ou neoadjuvante para aqueles doentes que, além da cirurgia, podem precisar de tratamento sistémico, visando um aumento da sobrevida livre de doença. Estes envolvem a combinação da quimioterapia com a imunoterapia ou terapêuticas mais personalizadas, dirigidas a alvos moleculares presentes nos tumores. Depois de várias tentativas, ensaios clínicos vieram trazer-nos evidências fortes neste domínio.

Mas os avanços mais significativos incidiram sobretudo no tratamento dos estádios localmente avançado e metastáticos, com o advento da imunoterapia em monoterapia, ou combinação com quimioterapia, e o desenvolvimento de novas terapias-alvo.

HN – Especificamente, quais têm sido os avanços mais significativos no doente metastático, ou seja, no estádio IV?

HNB – Quando terminei o curso de Medicina, em 2008, essencialmente tratava-se o doente metastático (estádio IV), com quimioterapia. Nessa altura estava a surgir uma quimioterapia já mais personalizada que permitia fazer uma melhor estratificação da terapêutica entre um doente com adenocarcinoma –o tipo mais comum de cancro de pulmão de celulas não pequenas – versus o carcinona escamoso ou epidermóide, proporcionando uma sobrevida livre de progressão aos que beneficiam deste regime.

Desde então, houve uma crescente personalização da terapêutica, guiada por biomarcadores moleculares, permitindo selecionar doentes para terapêuticas mais eficazes e menos tóxicas, como no caso da imunoterapia, mas especialmente nas terapêuticas-alvo, que modificaram por completo o panorama da doença metastática. Teve início com os portadores de mutação do gene EGFR. Posteriormente, no ALK e outros genes.

Esse avanço foi de tal forma significativo que a sobrevida global que, com a quimioterapia rondava os 10 meses, passou a ultrapassar os 30, 40 meses e até mais dependendo, obviamente, do gene em causa, da sequência terapêutica e do estado geral do doente.

No ALK, a possibilidade de tratar os doentes com o crizotinib representou um avanço espetacular. A taxa de resposta era muito elevada até em doentes com um estado geral muito degradado. Os doentes melhoravam de uma forma global muito significativa, o que foi designado de “efeito Lázaro”.

A sobrevida global aumentou para o dobro, pelo menos, mas 70% dos casos acabam por progredir, sobretudo com metastização do sistema nervoso central. O crizotinib era, de facto, um fármaco extraordinário mas a sua fraca atividade no sistema nervoso central fazia com que esse “santuário” para as células neoplásicas estivesse livre para progredir.

Entretanto, surgiram novas terapias para o ALK com capacidade de penetrar bem na barreira hemato-encefálica e forte atividade no sistema nervoso central. Conseguem prevenir o aparecimento de metastização cerebral, algo que reduz de sobremaneira a qualidade de vida e sobrevida dos doentes.

Os doentes muito sintomáticos necessitam de fazer radioterapia para obter uma resposta rápida, mas em certos doentes podemos obter uma resposta mais “cirúrgica” com a terapêutica-alvo do que com a radioterapia, porque actua exclusivamente sobre a metástase cerebral e poupa o tecido são.

HN – É frequente a deteção de metástases cerebrais no momento do diagnóstico?

HNB – Estima-se que em cerca de 40% dos doentes com carcinoma pulmonar de células não pequenas exista já o envolvimento do sistema nervoso central no momento do diagnóstico ou durante o curso da sua doença. É uma taxa muito elevada e no caso dos tumores ALK positivos, a percentagem é de 20 a 30% no momento do diagnóstico.

De facto, os tumores com translocação do ALK têm uma elevada predisposição para o desenvolvimento de metastização cerebral.

HN – Qual a importância do diagnóstico precoce das metástases cerebrais e qual o impacto do diagnóstico antecipado no prognóstico destes doentes?

HNB – Faz parte do estadiamento a avaliação do parênquima cerebral. Idealmente, por ressonância magnética, que é o exame mais preciso, mas nem sempre rapidamente disponível. Isso permite-nos definir a estratégia terapêutica a assumir.

Se, logo à partida, um doente tiver metastização, esta deve ser vigiada regularmente e o doente deverá fazer um tratamento com atividade sobre o sistema nervoso central. Na verdade, o crizotinib foi relegado para segundo plano com as novas terapêuticas-alvo para a translocação do ALK+.

HN – O que pode estar na origem destas mutações?

HNB – A principal causa de mutações no cancro do pulmão é o fumo do tabaco. Contudo, a translocação do ALK é típica em pessoas mais jovens e não fumadoras. Há pessoas que têm uma predisposição especial para desenvolverem mutações. Possuem, provavelmente, defeitos em genes de reparação do DNA ou polimorfismos que fazem com que esses genes sejam menos eficazes.

Mesmo em pessoas sem história de tabagismo podem existir vários agentes carcinogénicos – stress oxidativo, alimentação, poluição e outros fatores ambientais – que promovem uma mutação que o indivíduo não consegue reparar de forma adequada.

HN – Qual é a percentagem de casos atribuível a mutações genéticas em termos de translocações cromossómicas?

HBN – Na casuística do Hospital de São João conseguimos identificar em 60% dos doentes os “drivers” oncogénicos, ou seja, uma mutação nos genes associados à proliferação celular. Globalmente, temos 20 a 30% dos doentes candidatos às terapêuticas-alvo, incluindo aproximadamente 6% com translocações do ALK.

O conhecimento profundo sobre a carcinogénese foi um dos maiores avanços do tratamento do CPNPC, conduzindo à identificação dos melhores alvos para uma terapêutica individualizada, isto é, terapêuticas dirigidas mais especificamente às células neoplásicas e, portanto, menos tóxicas e mais eficazes do que a quimioterapia.

HN – As terapias-alvo e a medicina personalizada estão a trazer uma nova esperança num carcinoma com taxas de mortalidade ainda extremamente elevadas?

HNB – Sem dúvida. Representam uma nova esperança porque damos mais tempo de qualidade aos nossos doentes comparativamente à quimioterapia paliativa, que possui efeitos adversos muito significativos.

A doença metastática é, à partida, uma doença incurável, mas à medida que a ciência avança, vamos podendo oferecer terapêuticas que dão um tempo de vida livre de progressão cada vez mais longo, aproximando-nos mais do conceito de cronificação do cancro. Com estas terapêuticas conseguimos controlá-la durante alguns anos.