13 de fevereiro de 2014 - 08h22

Há doentes com cancro no reto que são submetidos a uma cirurgia mutilante quando o tumor poderá já ter desaparecido com os tratamentos de radio e quimioterapia, defendem especialistas, que querem discutir novas estratégias de combate à doença.

Há décadas que o tratamento do cancro no reto, um dos mais frequentes em Portugal, se baseia quase sempre na cirurgia, que implica tirar o ânus e construir um artificialmente (colostomia), o que pode “perturbar muito a imagem e qualidade de vida dos doentes”.

Carlos Carvalho, oncologista nesta área, explicou à agência Lusa que a abordagem, atualmente, passa por fazer radio e quimioterapia, antes da cirurgia, mas marcando sempre a operação para retirar depois o tumor.

“Alguns centros internacionais, em primeiro lugar no Brasil, começaram a ter a coragem de aguardar antes da cirurgia e perceberam que, por vezes, o tumor desaparecia com a radio e a quimio. Algumas cirurgias são feitas para retirar um tumor que pode praticamente ter desaparecido”, argumentou.

Para discutir esta abordagem, que pode incluir a possibilidade de tratar não cirurgicamente o cancro do reto, a Fundação Champalimaud vai juntar na sexta-feira e sábado, em Lisboa, especialista de vários países.

Carlos Carvalho, médico da Unidade de Digestivo da Fundação, assume que esta ideia não é inovadora nem pode ser aplicada a todos os doentes com cancro do reto, mas diz ser a primeira vez, mesmo a nível mundial, que se juntam especialistas para debater o assunto de forma organizada.

O oncologista espera ainda que, no encontro, sejam acordados princípios orientadores de protocolos de tratamento nos centros oncológicos, a nível internacional. Esta nova abordagem, que começou a ser testada pela cirurgiã brasileira Angelita Gama, centra-se no avanço dos exames de imagem, que permitem um tratamento mais personalizado de cada cancro, combinado com o uso de radio e quimioterapia.

“Percebemos que não se deve avançar para a operação sem avaliar primeiro o doente”, sintetiza Carlos Carvalho.

Bill Heald, cirurgião britânico que estará presente no encontro
da Fundação Champalimaud, disse à agência Lusa que um terço dos doentes
pode estar a ser operado ao reto sem ter já o tumor, segundo números
registados numa unidade norte-americana.

“Há um sofrimento que pode ser desnecessário”, defende, referindo-se à amputação do reto.

Para
Bill Heald, a cirurgia ainda tem um papel muito importante neste tipo
de tumores, mas não deve ser fixada a data da operação para seis semanas
após o fim da quimio e radioterapia, como é habitual.

“A questão
da operação tem de ser colocada no fim do tratamento. As cirurgias não
devem estar marcadas antes de o doente ser observado e serem verificados
os resultados”, argumenta.

Há menos de dois anos, a médica
brasileira Angelita Gama publicou um artigo na revista científica "A
Cancer Journal for Clinicians" onde defende que não pode ser usada uma
única estratégia para tratar todos os tumores do reto.

Segundo o
artigo, o grupo coordenado por esta médica tratou várias centenas de
doentes e, em mais de um quarto das vezes, houve regressão total do
tumor com radio e quimioterapia. De acordo com o relatório do Programa
Nacional para as Doenças Oncológicas, a taxa de incidência padronizada
do cancro do reto em Portugal é de 17,5 em 100 mil pessoas.

Lusa